Política

Mercadante promete mais investimentos em Ciência e Tecnologia e cobra mobilização do setor

“Só temos três meses”, argumentou o ex-ministro, um dos coordenadores do programa de governo da chapa Lula/Alckmin

Foto: Clara Schmid/ASCOM ABC
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Um pacto de mobilização entre a comunidade científica e acadêmica brasileira e o eventual futuro governo foi firmado na sexta-feira 8 no encontro organizado pela Academia Brasileira de Ciências com o ex-ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, “Só temos três meses. Então, é muito importante que as instituições que têm uma visão de civilização e de ciência e tecnologia, que querem um país soberano, justo, solidário, ambientalmente responsável e socialmente inclusivo assumam um papel político”, defendeu Aloizio Mercadante, coordenador da elaboração do programa de governo da chapa Lula/Alckmin. O encontro na sede da ABC no Rio de Janeiro reuniu dezenas de dirigentes das mais importantes entidades do setor e reitores de universidades públicas, além do também ex-ministro da CT&I Celso Pansera, do ex-presidente da Finep, Luís Manuel Fernandes, e de representantes do PT, do PSB e do Solidariedade, partido que também faz parte da coligação. Foi a primeira reunião promovida pela ABC desde o lançamento público de um documento com propostas enviado em 23 de junho a todos os pré-candidatos à Presidência da República. Até o momento, a chapa de Lula foi a única que aceitou conversar com os cientistas.

Helena Nader, presidente da ABC, disse que se espera do futuro governo uma “política de Estado” para salvar a CT&I no Brasil. Ela falou sobre a principal proposta enviada aos presidenciáveis – chegar a 2% do PIB para o setor em quatro anos – e qualificou como “quebra do compromisso moral e social em nosso país” a PEC da Compra de Voto em discussão no Congresso e que retirará mais R$ 2,5 bilhões do Fundo Nacional para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico para turbinar os programas sociais eleitoreiros do governo Bolsonaro: “O que o parlamento brasileiro está aprovando é inconstitucional. Está se promovendo de novo o desmonte do FNDCT com a aprovação dessa legislação que permite que se contingencie e se retire todos os recursos desse Fundo, embora a Lei Complementar 177 de 2021 deixe muito claro que isso não é possível”.

Após escutar as diversas intervenções das entidades presentes, Mercadante ponderou que “um país devastado” aguarda o futuro governo: “A tarefa de reconstrução será gigantesca em todas as instituições do Estado e nas áreas mais estratégicas e sensíveis. Há também bombas fiscais armadas para o futuro próximo. Será um cenário difícil e que terá impacto na nossa perspectiva”, disse. O ex-ministro, no entanto, apontou o retorno dos investimentos e o fim do teto de gastos como caminhos possíveis para recolocar o Brasil nos trilhos da ciência.

“Sem investimento em áreas estratégicas e gasto público não haverá recuperação nem projeto de nação. Temos que recuperar o Estado. Nenhum país da OCDE tem teto de gastos, a União Europeia não tem, os Estados Unidos não tem. Em nenhum momento da história houve uma coisa tão precária quanto a ideia de que o Estado não pode reajustar acima da inflação do ano anterior. Nós precisamos entrar e acabar com o teto de gastos para ter alguma capacidade de recuperar o Estado para fazer políticas cíclicas e retomar o crescimento econômico”, disse Mercadante.

O coordenador do programa de governo de Lula cobrou mobilização das entidades e instituições científicas na campanha: “Só temos três meses. Então, é muito importante que as instituições que têm uma visão de civilização e de ciência e tecnologia, que querem um país soberano, justo, solidário, ambientalmente responsável e socialmente inclusivo assumam um papel político mais protagonista. Que a gente faça esse debate público não só nas eleições para presidente. Imaginem o que será das universidades e da ciência e tecnologia com o Bolsonaro empoderado pela reeleição”.

Reitor da Universidade Federal de Juiz de Fora e presidente da Associação Nacional de Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Marcos Davi alertou sobre a “crise gravíssima agendada para o segundo semestre”, já que várias instituições universitárias não têm condição de fechar seu exercício orçamentário de forma minimamente equilibrada: “E, mesmo nesse cenário, recebemos esta semana a notícia de que o Projeto de Lei Orçamentária para 2023 sofrerá uma redução de 12,6% em relação a 2022. É um orçamento absolutamente irreal e que não garante o funcionamento da estruturas do Estado. Teremos uma redução de 23% em relação ao orçamento do ano passado, que já não fechava as contas”.

Davi disse que, com a interrupção do financiamento às agências de fomento, projetos necessariamente perenes estão sendo interrompidos ou tendo seus cronogramas retardados de forma a comprometer profundamente seus resultados: “É necessária uma drástica mudança de rumo no próximo governo. Precisaremos romper com várias práticas que estão ocorrendo, sob pena de um comprometimento irreparável para o desenvolvimento social e econômico do nosso país. Há 45 dias, as únicas notícias que as universidades e os institutos federais recebem são de sucessivas perdas orçamentárias. Não há em nosso país qualquer preocupação em garantir o funcionamento das instituições públicas de ensino e os programas essenciais em ciência e tecnologia”.

Mercadante, naquilo que ele mesmo definiu como “uma provocação elegante”, fez novo pedido por mobilização: “Cadê o movimento estudantil e docente nas universidades para reverter esse desmonte? Por que não estão na rua? Por que não estão se levantando e expressando sua indignação? As universidades não terão recursos a partir de setembro, não há custeio para chegar ao fim do ano”, disse. O ex-ministro afirmou que a disputa do orçamento passa pela organização da sociedade. “Se todo mundo for se encolhendo e aceitando passivamente essa destruição institucional das universidade e da CT&I não haverá recuperação. Acho que é um momento muito dramático e importante”.

“Precisamos que as universidades pensem para além dos interesses corporativos e mostrem à sociedade a sua contribuição para o projeto de reconstrução nacional. Pensem em como se engajar nesse processo, e eu estou falando de uma coisa para daqui a cinco meses. Mostrar a importância estratégica de nosso projeto de sociedade é o que vai trazer recursos e dar legitimidade política para a gente reivindicar e reconstruir o orçamento. Ao contrário do atual governo, nós acreditamos na ciência”, concluiu Mercadante.

Foto: Clara Schmid/ASCOM ABC

Ex-presidente da ABC, Luiz Davidovich citou a 4ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia, realizada em 2010 com a participação de quatro mil pessoas, como exemplo do debate que poderá ser feito: “O que está sendo proposto aqui é fruto dos debates que ocorreram nos últimos anos. Há uma forte concordância entre todas as entidades em relação ao projeto de Estado para a ciência, a tecnologia e a educação no Brasil. Várias propostas da 4ª Conferência Nacional ainda estão válidas. Foi uma conferência que reuniu milhares de pessoas de todos os setores da sociedade. Havia empresários, academia, governo, movimentos sociais, sindicatos e associações indígenas. Política de Estado se faz assim, não em gabinetes, mas com a concordância dos vários segmentos da sociedade. A 4ª Conferência mostrou que isso é possível”, disse.

Davidovich lamentou que o Brasil esteja muito atrás de outros países; “Lá fora está se desenvolvendo inteligência artificial, biotecnologia de fronteira para a agricultura e a saúde, terapias gênicas, big dater, nanotecnologia aplicada a vários setores, hidrogênio verde, etc. O esforço que tem que ser feito daqui para diante é hercúleo e as entidades estão disponíveis para ajudar a elaborar um projeto participativo na educação e da CT&I. Colocamos nossa capacidade à disposição de um governo que a solicite e resolva fazer uma política de Estado com ampla participação da sociedade”.

Entre outros dirigentes de entidades presentes na reunião com representantes da chapa Lula/Alckmin, Paulo Artaxo, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), falou sobre os aspectos socioambientais e a necessidade de o Brasil cumprir seus 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável e deter o desmatamento na Amazônia para voltar a ser um ator científico levado a sério no cenário internacional. Presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos, Flávia Calé falou sobre o desmonte das bolsas científicas e da necessidade de construção pelo futuro governo de uma programa com 70 mil bolsas para “reter cérebros no Brasil e repatriar os que já foram embora”.

Também apresentaram propostas a Mercadante durante o evento o presidente da Inciativa de Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br) Fernando Peregrino, que falou sobre a necessidade de fortalecimento das fundações de apoio à pesquisa, e o reitor do Instituto Federal Fluminense (IFF) e dirigente do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif) Jefferson Manhães, que falou sobre a necessidade de criação de programas de inclusão digital e de formação continuada de professores pelo próximo governo.

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