Justiça
Juristas apontam abuso de autoridade contra mulher detida por suposta ofensa a Bolsonaro
12 profissionais do Direito redigiram uma ação judicial com pedido de abertura de inquérito para apurar irregularidade na abordagem policial
Juristas do movimento Frente Ampla Democrática pelos Direitos Humanos redigiram uma ação, a ser protocolada na Justiça Federal do Rio de Janeiro, em que afirmam que há inconstitucionalidade na detenção da mulher de 40 anos que supostamente ofendeu o presidente Jair Bolsonaro em Resende (RJ), no último sábado 27. O pedido da ação é para que a Justiça instaure um inquérito policial que apure a prática de abuso de autoridade na detenção da mulher.
A ação tem as assinaturas de doze especialistas do Direito, entre eles Felippe Mendonça, professor de Direito Constitucional, e André Lozano, mestre em Direito Penal.
O caso ocorreu quando Bolsonaro acenava para motoristas na Via Dutra. A mulher teria passado de carro, no banco do carona, e chamado o presidente de “filho da puta”. Versões que circularam nas redes sociais relatam ainda que ela teria chamado o ex-capitão de “noivinha do Aristides”.
Conforme mostrou CartaCapital, no entanto, a defesa da mulher nega que ela tenha chamado Bolsonaro de “noivinha do Aristides” e, embora admita que ela disse a expressão “filho da puta”, alega que não há como associá-la ao presidente, uma vez que a declaração não teria sido feita diretamente a ele, mas ao engarrafamento.
Segundo os advogados, os policiais rodoviários federais teriam ouvido a declaração e detido a mulher, com base nos dispositivos do Código Penal que tratam do crime de injúria. Ela foi conduzida à Delegacia da Polícia Federal de Volta Redonda, onde foi lavrado um termo de circunstanciamento em que ela se comprometeu a responder em juízo. O processo, então, foi repassado ao Ministério Público do Rio de Janeiro.
De acordo com os juristas que escrevem a ação, a detenção da mulher configurou abuso de autoridade porque a persecução penal em crimes contra a honra só poderia ter sido iniciada após a manifestação formal de Bolsonaro, mediante requisição do ministro da Justiça, Anderson Torres.
Eles citam o Artigo 145 do Código Penal, que diz que nos crimes contra a honra do presidente da República “somente se procede mediante requisição do ministro da Justiça”.
“Assim como não há requisição do ministro da Justiça que justificasse a condução da cidadã para o distrito policial, também não há requisição para que seja iniciada a persecução penal contra ela”, argumentam. “Ao proceder a condução de uma cidadã sem que haja a requisição formal, incide-se no art. 9º da Lei de Abuso de Autoridade, uma vez que a liberdade de uma cidadã é privada, ainda que momentaneamente.”
Segundo os juristas, mesmo que o agente tenha recebido ordem verbal, portanto informal, para realizar a detenção e a condução da mulher, “deveria ter se recusado, uma vez que era evidente a ilegalidade da ordem“.
Os autores da ação afirmam ainda que foi “absolutamente atípica a conduta da cidadã brasileira que, ao manifestar democraticamente o seu descontentamento político com o governo federal, foi constrangida, conduzida à delegacia e obrigada a assinar um termo circunstanciado incabível”.
Apesar de a defesa da mulher sustentar que a expressão “filho da puta” foi exclamada “num momento de grave estresse em decorrência do engarrafamento e por tudo o que enfrentou em sua vida profissional durante a pandemia”, os juristas alegam que o uso do sistema penal para abordar cidadãos que supostamente ofendem governantes configura “grande risco de materializar-se a censura ou de utilizar o direito penal para perseguição de críticos e opositores”.
Os autores escrevem que é específica a circunstância dos políticos que são ocupantes de cargos públicos, porque há uma aceitação de “maior exposição e possibilidade de descontentamento dos governados”, o que “afasta a incidência não só do crime contra a honra do Presidente da República, mas de todos os crimes contra a honra”. O que eles chamam de “liberdade de expressão em manifestação política”, portanto, não encontraria os mesmos limites de outras circunstâncias.
CartaCapital procurou o Ministério da Justiça para confirmar se houve apresentação de requisição formal sobre o suposto crime, mas ainda não obteve resposta. O processo corre sob segredo de Justiça.
Em entrevista à reportagem, um dos advogados da mulher, Luiz Augusto Guimarães, afirmou que a grande repercussão do caso e a disseminação de informações falsas a deixaram “apavorada”. Ela trabalha como profissional de saúde e mantém a identidade em sigilo.
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