Entrevistas

Gilmar Mendes defende uma ‘Comissão da Verdade’ para a Lava Jato: ‘Se revelou um projeto político’

A CartaCapital, o ministro do STF afirma ser necessário manter a atenção a fim de evitar a repetição de abusos

O ministro do STF, Gilmar Mendes, em entrevista a CartaCapital
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O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, afirmou em entrevista a CartaCapital que o Brasil deu importantes passos para evitar novas arbitrariedades como aquelas registradas na Lava Jato, mas avalia ser necessário manter a atenção a fim de não repetir os abusos. Isso passaria, por exemplo, pela criação de uma espécie de Comissão da Verdade.

Ao longo dos últimos dez anos, o decano do STF se converteu em um dos principais críticos do modus operandi aplicado na Lava Jato, particularmente pelo ex-procurador Deltan Dallagnol e pelo ex-juiz Sergio Moro. A conduta dos responsáveis pela operação, ressalta Gilmar, é fundamental para compreender a ascensão da extrema-direita no Brasil.

“Levaram à derrocada todo o sistema político brasileiro, por isso se explica também a eleição de Bolsonaro, que logrou apresentar-se como alguém que não pertencia a nenhuma corrente partidária organizada, ninguém que fosse ou pertencesse ao establishment”, diz o magistrado.

Um dos avanços institucionais dos últimos anos, segundo o ministro, é a criação do juiz de garantias, a definir que o juiz responsável pelo inquérito não cuidará do julgamento do caso.

“É fundamental que todos nós nos mantenhamos ativos para não termos abusos”, alerta Gilmar. “Eu tenho dito sempre: o combate à corrupção ou o combate ao crime como um todo não pode envolver cometimento de crimes.”

Ele defende ser necessário estudar com atenção os resultados a serem apresentados pelo Conselho Nacional de Justiça após uma inspeção na 13ª Vara de Curitiba – chefiada por Moro na Lava Jato – e no Tribunal Regional Federal da 4ª Região – ao qual cabia julgar os casos da operação na segunda instância.

Em um relatório preliminar divulgado no ano passado, o CNJ indicou haver uma “gestão caótica” de recursos provenientes de acordos de delação premiada e de leniência na Lava Jato.

“Surgiram propostas as mais esdrúxulas que chegaram a ser concretizadas, como a criação daquela fundação do Ministério Público denominada por vocês de Fundação Dallagnol“, critica Gilmar. “Recebendo recursos da Petrobras devolvidos, eles criariam uma fundação que faria política, quase um fundo eleitoral em nome do combate à corrupção. 2,5 bilhões…”

A Lava Jato só desistiu de criar uma fundação privada para gerenciar esse orçamento bilionário após uma forte repercussão negativa. Desde então, contudo, a ideia da força-tarefa continua a gerar repercussão.

“No Brasil produzimos uma singularidade: supostos combatentes da corrupção cuidavam de ganhar dinheiro, de fazer dinheiro e de administrar fundos, o que é extremamente preocupante”, afirma Gilmar Mendes. Para ele, esse contexto demonstra que estava em curso um projeto político – Deltan, agora, é um ex-deputado cassado, enquanto o senador Moro enfrentará um julgamento no Tribunal Regional Eleitoral do Paraná que também poderá levá-lo à perda do mandato.

Questionado se os acordos de leniência firmados por empresas implicadas na Lava Jato com o Minstério Público Federal e com órgãos de controle carregam os mesmos vícios das delações premiadas, o ministro disse ser necessário examinar o caso com cuidado.

Há uma dúvida, por exemplo, sobre a própria competência do MPF para assinar esses acordos, os quais já apresentaram “muitas perplexidades”, na avaliação de Gilmar.

“É preciso entender tudo isso em um contexto mais apurado. Acho que é importante que isso seja questionado, porque de fato isso teve consequências para a nossa economia como um todo”, declarou. “E, ao fim e ao cabo, o que se viu? Um projeto que se revelou um projeto político.”

Assista à íntegra da entrevista:

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