Política
‘Conluio’: Por que a fracassada Fundação da Lava Jato é peça-chave em investigação do CNJ
Apuração aponta o objetivo de destinar valores bilionários para serem usados com exclusividade por integrantes da operação
Um relatório parcial sobre a investigação conduzida pelo Conselho Nacional de Justiça nos tribunais responsáveis pela Lava Jato tem duas menções à fundação que seria criada para gerenciar um orçamento bilionário supostamente voltado a ações contra a corrupção.
O documento, divulgado nesta sexta-feira 15, é um resumo da correição do CNJ na 13ª Vara Federal de Curitiba e no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, responsáveis pelos processos da operação na primeira e na segunda instâncias, respectivamente.
A investigação identificou indícios de conluio com o objetivo de destinar valores bilionários para serem usados com exclusividade por integrantes da Lava Jato. Segundo o CNJ, houve uma “gestão caótica” de recursos provenientes de acordos de colaboração e de leniência firmados com empresas pelo Ministério Público Federal e homologados pela 13ª Vara.
No âmbito desses acordos, a Lava Jato repassou à Petrobras 2,1 bilhões de reais, entre 2015 e 2018, período em que a empresa era investigada nos Estados Unidos. Cerca de 2,6 bilhões de reais, por fim, serviriam para criar uma fundação que supostamente empreenderia ações contra a corrupção.
“Verificou-se a existência de um possível conluio envolvendo os diversos operadores do sistema de justiça, no sentido de destinar valores e recursos no Brasil, para permitir que a Petrobras pagasse acordos no exterior que retornariam para interesse exclusivo da força-tarefa”, diz o relatório.
No período entre 2015 e 2018, o juiz titular era Sergio Moro e a juíza substituta era Gabriela Hardt. Já o procurador-chefe da Lava Jato em Curitiba era Deltan Dallagnol.
O CNJ indicou ter faltado “zelo” aos magistrados nos processos, por conferirem à Petrobras e a outras entidades privadas a destinação de valores oriundos das colaborações, “ao arrepio de expresso comando legal e sem qualquer outro critério de fundamentação, sob pretexto de que o rendimento conferido ao dinheiro depositado em contas judiciais era pouco expressivo”.
O relatório rechaça a possibilidade de “atendimento do interesse público” previsto nas cláusulas de um acordo entre a Lava Jato e a Petrobras. A avaliação é que a negociação prestigiava a força-tarefa, “em sua intenção de criar uma fundação privada”, a petroleira e “um grupo restrito de acionistas minoritários, delimitados por um dos critérios eleitos pelas partes”.
A Lava Jato só desistiu de criar uma fundação privada para gerenciar esse orçamento bilionário após uma forte repercussão negativa. Desde então, contudo, a ideia da força-tarefa continua a gerar críticas.
Com certa frequência, o ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal, recorda o fracassado plano sobre a fundação ao apontar as ilegalidades da operação.
“Eu só não adivinhei que eles estavam montando uma máquina inclusive para fazer dinheiro. Porque a Fundação Dallagnol, como você sabe, ia manejar 2,6 bilhões de reais com dinheiro público para fazer política, que eles diziam ‘combate à corrupção’”, disse o magistrado, em janeiro deste ano, à Rádio Gaúcha.
O fundo privado chegou a ser criado a partir de um acordo de 853,2 milhões de dólares que a Petrobras fechou com o governo norte-americano. Desse valor, 2,6 bilhões deveriam ser aplicados no Brasil. Em janeiro de 2019, o montante foi transferido para uma conta vinculada à Justiça Federal do Paraná.
O acordo inicial entre MPF e Petrobras, homologado pela 13ª Vara, previa o uso de cerca de 1,3 bilhão de reais para pagar acionistas minoritários da empresa e de 1,3 bilhão para bancar projetos, iniciativas e entidades que “reforcem a luta da sociedade brasileira contra a corrupção”.
Depois de meses de impasse, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, decidiu que os 2,6 bilhões de reais, correspondentes a 80% de uma multa imposta à Petrobras por órgãos americanos, seriam destinados à educação e ao combate a queimadas na Amazônia.
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