Política

Fechados com o capitão

As candidaturas do campo progressista patinam no Sul, a região mais bolsonarista do País

Reeleição. Ratinho Jr. não esconde a proximidade com o ex-capitão. Alvo de dois pedidos de impeachment, Carlos Moisés lidera em Santa Catarina - Imagem: Rodrigo Felix Leal/ANPr e Redes sociais
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Diante da lenta recuperação de Jair Bolsonaro nas pesquisas de intenção de voto, puxada pelo crescimento do ex-capitão no segmento evangélico, a grande dúvida dos analistas políticos, no momento, é se Lula conseguirá ou não liquidar a fatura no primeiro turno, como ainda indica a maior parte das pesquisas. No Sul do País, o cenário é, porém, radicalmente distinto. Se dependesse dos eleitores sulistas, Bolsonaro é quem poderia se reeleger logo na primeira votação. Na região, o atual ocupante do Palácio do Planalto figura com 46% das intenções de voto, segundo a última rodada da pesquisa Quaest/Genial, divulgada em 17 de agosto. O líder petista está 12 pontos porcentuais atrás, com 34%.

A vantagem de Bolsonaro não chega a surpreender. Em março do ano passado, uma sondagem da Paraná Pesquisas revelou que o Sul era a região mais bolsonarista do Brasil: 34,2% dos entrevistados se identificaram como seguidores do ex-capitão, enquanto apenas 18,8% se declararam lulistas. Os dados, de ontem e de hoje, ajudam a explicar o sofrível desempenho das candidaturas locais do campo progressista. “Entre os paranaenses e catarinenses, há um antipetismo social que vai muito além da disputa­ política”, observa o cientista político Emerson Cervi, a ponderar que o cenário no Rio Grande do Sul é “um pouco” mais amistoso.

No Paraná, a disputa será entre Ratinho Jr., do PSD, candidato à reeleição por uma frente de 11 partidos, e o ex-governador Roberto Requião, do PT, apoiado pelo PV e PCdoB. Segundo recente pesquisa do Ipec, instituto criado por executivos do extinto Ibope, o governador possui 46% das intenções de voto e tem chances de vencer no primeiro turno. Requião, por sua vez, figura com 24%. “A dificuldade do candidato petista”, explica ­Cervi, “é a inexistência de uma terceira força para se contrapor à campanha governista. Com isso, ele se vê obrigado a enfrentar Ratinho Jr. sem nenhuma estrutura de apoio nos municípios do interior.”

No controle da máquina estadual e com a mídia nas mãos, Ratinho Jr. lidera com folga a disputa no Paraná

A disparidade de forças é, de fato, abismal. No controle da máquina estadual, Ratinho Jr. tem o apoio de mais de 300 prefeitos e vice-prefeitos dos 399 municípios paranaenses. Requião, por sua vez, conta com apenas 8 prefeitos e 11 vice-prefeitos, todos eleitos pelo PT. Segundo um integrante da campanha, esses números, somados aos remanescentes companheiros do MDB, não atingem 15 cidades. Filho do apresentador Ratinho, dono de uma rede de rádios e emissoras de tevê no Paraná, o governador tem o apoio quase unânime da mídia do estado, notadamente dos veículos de comunicação do interior sustentados com verbas publicitárias do governo.

Para o Senado, a mesma pesquisa mostra Álvaro Dias, candidato à reeleição pelo Podemos, com 35%, e Sergio Moro, do União Brasil, com 24%. A disputa é instigada por uma traição. Fã de carteirinha da Lava Jato, Dias fez de tudo para atrair o ex-juiz ao seu partido, o Podemos. Acreditava que Moro não teria dificuldades para despontar como o principal nome da “terceira via” na corrida presidencial. Mesmo com os confetes lançados pela mídia amiga, o candidato conseguiu a proeza de regredir, em vez de avançar nas pesquisas. Escanteado por lideranças do partido, migrou para o União Brasil. Convencido pelos caciques da nova sigla a disputar uma vaga no Senado, tentou transferir às pressas seu domicílio eleitoral para São Paulo, manobra vetada pela Justiça Eleitoral. O ex-juiz decidiu, então, entrar na disputa pelo Paraná. Foi quando Dias se deu conta de que o afilhado havia se voltado contra ele.

Em Santa Catarina, onde o ex-capitão venceu o petista Fernando Haddad com 75,9% dos votos em 2018, o Ipec de 23 de agosto mostra o governador Carlos Moisés, do Republicanos, na dianteira, com 23%. No segundo lugar, estão tecnicamente empatados o senador Jorginho Mello, do PL de Bolsonaro, com 16%, e o senador Esperidião Amim, do PP, com 15%.

Pedala. Do campo progressista, apenas Dutra desponta como favorito na região – Imagem: Emílio Pedroso

Bolsonaro poderia, por sinal, escolher qualquer dessas candidaturas para servir como seu palanque. Moisés, um coronel reformado do Corpo de Bombeiros, era um neófito outsider quando se elegeu governador no embalo da onda bolsonarista. No auge da pandemia, sofreu dois processos de impeachment, um deles por conta de negociatas que envolviam a compra de respiradores superfaturados que jamais foram entregues. Jorginho Mello, por sua vez, é um ventríloquo a serviço de Bolsonaro no Senado. Já Esperidião Amim busca o tempo todo se associar à imagem do ex-capitão.

Na trincheira oposta ao bolsonarismo, o ex-deputado federal e ex-prefeito de Blumenau Décio Lima, do PT, figura com apenas 6% das intenções de voto. Em aliança com o PSB, PV, PCdoB e Solidariedade, o petista aposta todas as fichas na popularidade de Lula para chegar ao segundo turno. A capilaridade do PT no estado, onde tem diretórios em quase todos os 295 municípios, inclusive naqueles em que a oligarquia rural é dominante na política, somada a expectativa de crescimento entre os eleitores mais jovens, alimenta o sonho de avançar na disputa. Mas, na etapa derradeira, as chances de vitória são pequenas, ponderam especialistas. Itamar Aguiar, professor de Sociologia e Ciências Políticas na Universidade Federal de Santa Catarina, acredita que Lula tem potencial para crescer no estado, mas dificilmente será capaz de alterar o cenário da disputa pelo governo catarinense. “É difícil, mas não impossível”, sublinha.

Na corrida ao Senado, o campo progressista também patina. Segundo o Ipec, o ex-governador Raimundo ­Colombo, do PSD, lidera com 26% das intenções de voto, seguido a distância por Dario Berger (PSB), com 9%, Celso Maldener (MDB), com 7%, e Kennedy Nunes (PTB), com 6%. O bolsonarista Jorge Seif, do PL do ex-capitão, figura com 4%.

Após a fracassada tentativa de se lançar candidato à Presidência, o ex-governador do Rio Grande do Sul Eduardo Leite, do PSDB, lidera o páreo para retornar ao Palácio Piratini com 32% das intenções de voto, segundo a pesquisa divulgada pelo Ipec em 15 de agosto. Ao que tudo indica, disputará o segundo turno com Onyx Lorenzoni, do PL, a ostentar 19% nas preferências do eleitorado gaúcho. O ex-deputado estadual Edegar Pretto, do PT, figura em terceiro lugar, mas não chega a ameaçar a vaga do ex-ministro de Bolsonaro no segundo turno. O petista tem 7%. Na sequência, vem o senador Luiz Carlos Heinze (PL), outro aliado do ex-capitão, com 6%.

Olívio Dutra lidera a disputa pelo Senado, mas Edegar Pretto ainda é desconhecido para grande parte do eleitorado gaúcho

Um dos contratempos da “Frente da Esperança”, integrada por PT, PCdoB e PV, foi a impossibilidade de fechar acordo com o PSB, após meses de negociações. Às vésperas da convenção, o ex-governador Olívio Dutra, a maior liderança petista do estado, pôs seu nome à disposição para disputar uma cadeira no Senado. Era o recado que faltava à federação formada pelo PSOL e Rede para desistir da candidatura própria e aderir à coligação, indicando o vereador Pedro ­Ruas para vice de Pretto. Esta é a primeira eleição na qual PT e PSOL estarão juntos desde o primeiro turno.

“No momento, não é possível indicar um franco favorito ao Palácio Piratini”, avalia o cientista político Rodrigo ­Stumpf González, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Para ele, Onyx, Heinze e Leite podem dividir os votos e, neste caso, “1 ou 2 pontos porcentuais podem definir a eleição”. As chances de Pretto são, porém, bastante reduzidas. Seu nome é desconhecido pela maioria dos gaúchos, principalmente na região metropolitana de Porto Alegre, a concentrar 30% dos 8,5 milhões de eleitores do estado. Filho de um histórico dirigente do MST, Adão Pretto, ele enfrenta ainda o preconceito das elites do agronegócio, a locomotiva da economia gaúcha. Daí a importância de associar seu nome a Dutra, uma espécie de Pepe Mujica dos pampas, a brilhar mais que o próprio partido.

Olívio Dutra é, por sinal, a principal esperança do campo progressista no Sul. Na primeira pesquisa na qual seu nome aparece como candidato ao Senado, a Ipec de 15 de agosto, ele lidera com 25%, seguido pela ex-senadora Ana Amélia, do PSD, com 23%. O vice-presidente Hamilton Mourão, do Republicanos, que chegou a ocupar a dianteira, despencou para 16%. Essa mesma sondagem mostra Lula 5 pontos porcentuais à frente de Bolsonaro, 40% a 35%. “Por isso, a chance de Pretto ir para o segundo turno não deve ser descartada”, diz González. “Se bem que, no estado, a imagem de Dutra talvez seja maior que a de Lula.” •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1223 DE CARTACAPITAL, EM 31 DE AGOSTO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Fechados com o capitão “

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