Economia

assine e leia

Esquizofrenia

Bolsonaro troca o comando da Petrobras, mas não mexe na política de preços. E a Câmara aumenta a bagunça

Esquizofrenia
Esquizofrenia
Marola. Guedes e Sachsida voltam à cantilena da privatização. Quem ainda acredita? - Imagem: Edu Andrade/ME
Apoie Siga-nos no

Jair Bolsonaro fala grosso contra as urnas eletrônicas, mas, quando se trata da política de preços da Petrobras, a voz afina. Diante do estrago causado pela inflação dos combustíveis em suas chances de reeleição, o ex-capitão resolveu trocar pela terceira vez em 13 meses o presidente da companhia. O químico industrial José Mauro Ferreira Coelho durou 45 dias. Dará lugar a Caio Mario Paes de Andrade, graduado em Comunicação e atual secretário de Desburocratização do Ministério da Economia, comandado por Paulo Guedes. Não se ouve, porém, nada da parte de Bolsonaro sobre botar fim à política de reajustes automáticos, ao sabor da variação do dólar e do preço do barril do petróleo, que desde 2016 marca as decisões da estatal na gasolina, no diesel e no botijão de gás. É uma situação esquizofrênica. O presidente precisa de controle de preços para ter mais chances na campanha, ao mesmo tempo que acena, por meio do ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, com a privatização da petroleira, negócio que eternizaria o modelo atual de aumentos. “O PPI (Preço de Paridade Internacional) é um cemitério de presidentes da Petrobras”, diz William Nozaki, coordenador técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, o Ineep.

A esquizofrenia e o cemitério bagunçaram Brasília nos últimos dias, num turbilhão que empurra deputado contra senador e levará governadores ao Supremo Tribunal Federal. Para dar uma mão à reeleição de Bolsonaro, o presidente da Câmara, Arthur Lira, do PP de Alagoas, comandou a aprovação, na quarta-feira 25, de uma lei que limita a 17% o ICMS cobrado de combustíveis, energia elétrica, telecomunicações e transporte público. Cortesia com chapéu alheio, conforme anotado pela oposição. O ICMS é um imposto dos estados e estes é que foram chamados a pagar o pato da política de preços da Petrobras mantida inalterada por Bolsonaro, Guedes, Sachsida e cia.

Os deputados, sob comando de Arthur Lira, limitaram a cobrança de ICMS. O abacaxi agora é do Senado

Na antevéspera da votação, os governadores haviam realizado uma reunião de emergência, via web, para discutir o impacto da proposta em seus cofres e maneiras de barrá-la. Calculam que vão perder até 83 bilhões de reais de arrecadação, quantia que deixará de ir para educação, saúde, segurança pública. Estão decididos a fazer pressão sobre o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, do PSD de Minas, para que não deixe a proposta andar. E avisam que irão ao Supremo Tribunal Federal.

A lei votada pelos deputados inspira-se numa decisão judicial da Corte Suprema do ano passado a respeito do ICMS em Santa Catarina. Uma lei catarinense de 1996 definiu que a alíquota padrão do tributo seria de 17% e que, na energia e nas telecomunicações, seria maior, de 25%. As Lojas Americanas foram à Justiça, sob a alegação de que eletricidade e comunicações são setores essenciais e, como tais, não deveriam ter alíquotas acima da média. O assunto chegou ao Supremo em 2012. O tribunal concordou com a empresa, por 7 votos a 3, e fixou uma regra geral para todos os estados, segundo a qual energia e comunicações têm de ser enquadrados na alíquota padrão de ICMS, entre 17% e 18%. A Corte deu dois anos para as devidas adequações estaduais. Tudo deve estar pronto para valer a partir de 2024.

Geladeira. Paes de Andrade terá de esperar um pouco para assumir a estatal – Imagem: Edu Andrade/ME

No caso da lei votada na Câmara, os governadores pretendem recorrer ao Supremo para que ela só entre em vigor em 2024, na hipótese de receber sinal verde no Senado. O que essa lei faz é estender a combustíveis e transporte público a lógica do julgamento sobre a legislação catarinense, disputa judicial que era restrita a eletricidade e comunicações. De quebra, a lei de agora tenta antecipar para já o prazo de 2024 estipulado pelo STF quanto à nova tributação de setores essenciais. A lei foi proposta em março pelo deputado Danilo Forte, do União Brasil do Ceará. A feição final coube ao relator Elmar Nascimento, do União Brasil da Bahia, parceiro de Lira em missões especiais. Segundo Nascimento, essa lei tem o poder de baratear a gasolina em 70 centavos por litro. Para dobrar governadores, o relator incluiu a obrigação de o governo cobrir perdas superiores a 5% nas receitas de estados e municípios. Mas só até 31 de dezembro deste ano. O time de Guedes aceitou por acreditar que não haverá perdas. O dinheiro que a população vier a economizar na gasolina seria gasto, na visão do Chicago Boy, com alguma outra atividade tributável com ICMS.

O conselho de administração da Petrobras decidiu mandar um recado a Bolsonaro

Enquanto os deputados votavam, a Petrobras divulgava um comunicado com um tom desafiador em relação à decisão de Bolsonaro de trocar o comando da companhia. O documento diz que o nome de Paes de Andrade terá de ser examinado juntamente com o de outros sete indicados para o conselho de administração, pois Coelho, o demitido, havia sido aprovado em abril num pacote de oito indicações, portanto, se um dos nomes do pacote sai, os demais têm de sair também. Enquanto não houver um pacote completo com oito indicados (podem ser os mesmos nomes de antes), não será convocada a reunião do conselho que examinará o nome de Paes de Andrade. E quando esta for convocada, será necessário esperar ao menos um mês até que seja realizada. Na melhor das hipóteses, Paes de Andrade só assumirá no fim de junho. Isso se passar no teste curricular. Pela Lei das Estatais, ele precisaria ter experiência de dez anos na indústria petroleira ou de quatro anos como diretor de uma firma do setor. Não tem.

Vislumbra-se uma situação dramática para o próximo presidente da Petrobras, qualquer que seja ele. Segundo a Federação Única dos Petroleiros, o Brasil corre o risco de desabastecimento de óleo diesel no início do segundo semestre. É o resultado da combinação dos efeitos da guerra na Ucrânia (escassez de oferta no mercado internacional e baixo nível dos estoques mundiais) com a realidade nacional de reduzida operação das nossas refinarias e a paralisia de obras no setor. “A demanda brasileira pelo produto tende a aumentar a partir de junho/julho próximo com o aumento da safra agrícola, a maior circulação de caminhões e a esperada retomada do consumo no período pós-pandemia da Covid-19”, afirma a FUP.

Cortesia com chapéu alheio. Lira só pensa na campanha à reeleição – Imagem: Zeca Ribeiro/Ag.Câmara

Na semana de 15 a 21 de maio, o preço médio do diesel foi de 6,94 reais, recorde nas medições iniciadas em 2004 pela Agência Nacional do Petróleo, a ANP. Na semana anterior, a Petrobras havia anunciado um reajuste de 8,8% no valor cobrado pelo diesel em suas refinarias. Tinha sido o primeiro aumento da gestão de José Mauro Coelho, o breve. Durante a votação da lei do ICMS de 17% nos combustíveis, o deputado Mauro Benevides Filho, do PDT do Ceará, comentou: “Vi agora a planilha da Petrobras e até o dia 30 de junho vai subir mais 11,2% o preço do diesel”. Será? Se sim, haverá mais inflação para a população. Na prévia de maio, recém divulgada pelo IBGE, a inflação estava em 12,2% em 12 meses. Só a dos combustíveis, em 32,8%. Detalhe: o último reajuste da gasolina foi em 10 de março.

Se castiga o bolso dos eleitores, a política de preços da Petrobras faz a festa dos acionistas. No ano passado, a empresa alcançou lucro recorde de 106 bilhões de reais. De janeiro a março deste ano, o ganho foi de 44 bilhões. E dá-lhe dividendos aos acionistas, dos quais 45% são estrangeiros (o governo tem 36% das ações e investidores brasileiros, 18%). “Se o ano passado já foi um escracho, foram distribuídos 101 bilhões de dividendos, neste primeiro trimestre eles perderam qualquer estribeira, foram 48,5 bilhões de dividendos”, diz o economista Eduardo Costa Pinto, do Ineep e da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Segundo ele, a Petrobras distribuirá agora em dividendos metade da distribuição da ­Saudi ­Aramco, a companhia saudita que é a maior petroleira do planeta e que ultrapassou recentemente a Apple como a empresa mais valiosa do mundo.

Mexer na política de preços que garante lucros e dividendos gordos, Bolsonaro não quer. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1210 DE CARTACAPITAL, EM 1° DE JUNHO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Esquizofrenia”

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.

O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.

Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.

Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo