Política

“Eleição para presidente foi decidida por uma licença para matar”, diz ouvidor das Polícias de São Paulo

Em entrevista a CartaCapital, Elizeu Lopes diz que Ouvidoria é ‘inimiga de quem atenta contra o direito humano’ e extinção seria retrocesso

O ex-ouvidor das Polícias de São Paulo, Elizeu Soares Lopes. Foto: Ouvidoria
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O advogado criminalista Elizeu Soares Lopes chefia um órgão que pode ser extinto: a Ouvidoria das Polícias de São Paulo.

A instituição está na mira de um projeto que tramita na Assembleia Legislativa estadual (Alesp), apresentado em abril de 2019 e discutido sob regime de urgência em 21 de julho deste ano. O autor da proposta é o deputado estadual Frederico D’Avila (PSL), que já causou espanto por pedir uma sessão de homenagem ao ditador chileno Augusto Pinochet.

Em entrevista a CartaCapital, o ouvidor das Polícias diz que o projeto pode representar um retrocesso para o estado democrático de direito. Instalada em 1995, nas dependências da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), a Ouvidoria é uma espécie de ombudsman das forças de segurança, com função de ouvir, encaminhar e acompanhar denúncias sobre atos irregulares cometidos pela Polícia Civil, pela Polícia Militar e pela Polícia Científica.

Em 2019, as principais demandas encaminhadas à Ouvidoria tratavam de má qualidade no atendimento policial (1005 denúncias), abuso de autoridade (848), falta de policiamento (817) e morte em decorrência de intervenção policial, em serviço ou na folga (743). Os dados constam em relatório de prestação de contas da instituição. Os próprios agentes de segurança podem fazer queixas: segundo o documento, “reclamações contra superior hierárquico” foram a 7ª maior demanda no ano passado (225).

Para os defensores da extinção da Ouvidoria, o órgão é um instrumento da esquerda contra as polícias, conforme escreveu Frederico D’Avila, em 25 de julho. No Twitter, o deputado acusa Elizeu Lopes Soares de ser da liderança do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Os parlamentares argumentam que a proposta tem o objetivo de “dar continuidade à política de redução de gastos públicos”. Entre os outros assinantes da proposta, estão Gil Diniz e Douglas Garcia, recentemente expulsos do PSL por manifestações antidemocráticas contra o Supremo Tribunal Federal (STF).

De fato, o ouvidor tem uma história com a esquerda. Filho de uma empregada doméstica e um servente, Lopes era aluno de escola pública quando iniciou sua trajetória na luta estudantil. Segundo o sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Lopes se filiou ao PCdoB em 12 de abril de 1988 e se desfiliou em 31 de agosto de 2019. Ele trabalhou no gabinete da deputada Leci Brandão (PCdoB-SP) e também foi secretário-adjunto na Secretaria de Promoção da Igualdade Racial quando Fernando Haddad (PT) era prefeito de São Paulo.

Para o ouvidor, as acusações de D’Avila são sofismas, argumentos sem fundamento. “Me parece que essa não é a questão central. Nunca perguntei para um juiz qual é a preferência partidária dele. Nunca perguntei para o delegado qual é a preferência ideológica dele. Para a sociedade, o que importa é o seguinte: a Ouvidoria tem cumprido a lei?”, argumenta Lopes, que também cita em seu currículo especializações em direito constitucional e administrativo pela Escola Paulista de Direito e em gestão pública pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Lopes estreou na chefia da Ouvidoria em fevereiro deste ano, nomeado pelo governador João Doria (PSDB) como substituto de Benedito Mariano. Em quase seis meses no cargo, ele enumera feitos da gestão e destaca seu compromisso com o diálogo. Nos protestos antifascistas, diz ter colaborado ativamente para mitigar a violência policial contra os manifestantes.

No entanto, segundo dados da SSP, aumentou em 21% o número de mortes pela Polícia Militar no primeiro semestre deste ano, em pleno isolamento social na pandemia: foram 435 em 220, contra 358 em 2019.

Lopes não concorda com o diagnóstico que o ex-corregedor da Polícia Marcelino Fernandes deu ao portal UOL. Na ocasião, o coronel dá três motivos para o aumento da violência policial. Os dois primeiros teriam feito a criminalidade subir: a libertação de presos, em decorrência da covid-19, e a alta no desemprego. O terceiro motivo seria o incentivo ao confronto, por parte do governador João Doria (PSDB) nas eleições, que dizia que a polícia ia “atirar para matar” em sua gestão.

O ouvidor diz que não concorda com a análise do ex-corregedor, porque não foi apresentado à sustentação científica. Ao mesmo tempo, admite que as eleições que levaram Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto foram pautadas pela violência.

“Acho que nós participamos do último pleito eleitoral, pautados pelo problema da violência. A eleição foi decidida, no caso, a eleição para presidente, por uma licença para matar. Não só de policiais, toda a sociedade. Arminha? Quê que é? Quer mais simbólico do que isso? A eleição foi decidida por isso”, avalia. “Qualquer incentivo à violência por parte do estado é equivocada.”

Contudo, ele resiste em dedicar às Polícias a responsabilidade pela violência. Perguntado sobre a pesquisa do Instituto Locomotiva, que revelou que apenas 5% das pessoas acreditam que a polícia brasileira não é racista, Lopes denuncia que o racismo também está presente na mídia e em outros órgãos do Estado.

Crítico ao hiperencarceramento, o ouvidor lembra que o Estado não corrigiu suas dívidas com a população pobre e negra, desde a escravidão. Suas propostas para a redução da violência, portanto, não se retêm às instituições da segurança, mas também protestam por visibilidades a personalidades negras e a políticas públicas de combate à desigualdade racial.

Confira a seguir, na íntegra, a entrevista de Elizeu Soares Lopes a CartaCapital.

“Quando ligo a TV, sou vítima de racismo. Quando olho o Parlamento, a magistratura, o Ministério Público, sou vítima de racismo. Legar apenas a uma instituição seria desonestidade intelectual”, diz ele.

CartaCapital: As mortes pela Polícia Militar em São Paulo cresceram 21% no primeiro semestre, em comparação com o mesmo período, em 2019. O senhor já disse que os números são alarmantes e inexplicáveis, porque estamos em isolamento social. A Ouvidoria não havia percebido antes que houve aumento no número de mortes por policiais em plena pandemia? De alguma forma o órgão poderia contribuir para identificar e deter o aumento desse número?

Elizeu Soares Lopes: É muito oportuna a sua pergunta. Requer uma explicação sobre o que é a Ouvidoria. A Ouvidoria é um órgão de controle social da atividade policial, da Polícia Militar, Civil e Científica. A Ouvidoria é demandada pela população quando ela sofre, evidentemente, de uma irregularidade cometida pelas polícias, seja abuso de autoridade, letalidade policial, maus tratos, enfim, um conjunto de questões. A Ouvidoria também recebe solicitações da população quanto à questão organizacional da Polícia, pedindo policiamento. A Ouvidoria também recebe elogios por parte da atividade policial. E a Ouvidoria também recebe denúncias. Aqui é um canal privilegiado pelos próprios policiais que, sobretudo, em função do comando superior hierárquico, eles têm mais, digamos assim, proteção ao fazer [a denúncia] com a Ouvidoria. E acompanha casos de letalidade policial quando elas vêm a tona.

Da mesma forma que a CartaCapital. A CartaCapital anuncia um acontecimento a partir de um episódio. Quem, a rigor, deveria talvez responder melhor a sua pergunta seria a Corregedoria. Ou a própria Polícia Científica, a Polícia Judiciária, ou o próprio Ministério Público, que têm o controle da atividade policial. Então, nós somos demandados. Essa é uma primeira questão.

No que fomos demandados, nós tivemos quase 3 mil casos de denúncias de ilegalidades cometidas por policiais. No mesmo período, em maio, a Ouvidoria teve 2.283. Destes, mais de 70%, nós requisitamos Inquérito Policial Militar, abertura de inquérito civil e, também, acompanhamento por parte do Ministério Público – desde casos de letalidade, portanto, de casos que atentam contra a vida, mas também outros casos, que embora não tivessem o resultado de morte, foram casos de agressão. Nós, esse ano, corroboramos, não foi só a Ouvidoria, com o aumento do número de policiais presos e expulsos da corporação. Foram em torno de 250 policiais. Em torno de 96 policiais expulsos ou demitidos, e mais de 200 policiais presos em função de atividade ilegal da polícia. Maior que o período do ano anterior.

Se analisarmos os dados da letalidade policial, em números absolutos, se você pegar a nossa série histórica do ano e analisar, você vai quer que não tem muita diferença assim. Tem uma diferença do ponto de vista pessoal. Então, respondendo objetivamente à sua pergunta: a Ouvidoria não deixou de cumprir o papel legal que ela tem. Para além disso, todos os casos que as entidades que atuam na ponta, nos direitos humanos e proteção à vida, todos os casos que nos foram confiados e entregues, nós tomamos providências. Algumas, inclusive, em andamento.

Por exemplo, um pedido para delegado mudar boletins de ocorrência. Cito um caso que surgiu, dos jovens que estavam na Paulista, na manifestação, utilizando trajes com suástica, ferindo, portanto, a nossa lei que proíbe o crime de ódio. O delegado não abriu inquérito e disse que não havia crime. Quando tomamos conhecimento, requisitamos que houvesse um novo boletim de ocorrência. Se ele tinha dúvida, que procurasse órgãos que tratam da temática do povo judeu. E apreendesse as roupas, as vestimentas, e requisitasse uma perícia da Polícia Científica.

Para além disso, pela primeira vez, na Ouvidoria, nós fizemos um controle in loco da atividade social de manifestações. Nós tivemos uma manifestação que foi duramente reprimida, não sei se você se lembra. Aí, no término dessa manifestação, eu solicitei uma audiência com a Secretaria de Segurança Pública, presencial, aqui na Ouvidoria, com o secretário, o comandante da Polícia, convidei o Sindicato dos Advogados, a presidente da OAB [Ordem dos Advogados do Brasil], a presidente da Comissão dos Direitos Humanos. Resultado disso? Passamos a acompanhar as manifestações in loco no Copom [Centro de Operações da Polícia Militar do Estado de São Paulo]. Chamamos para essa arena a OAB para participar.

Na segunda manifestação, depois, o comportamento da polícia já foi diferente. Teve um incidente ainda, no final, que eu saí, inclusive, para tentar mediar. Porque tinha um acordo de até onde ir e o horário que ia [o protesto]. Aí, oportunistas, tanto de um lado quanto de outro, acabaram se enfrentando. Na terceira manifestação, não tivemos incidente nenhum.

Para além disso, é importante resgatar e responder inclusive à última cobertura da revista CartaCapital, eu achei que foi injusta, porque vocês… eu respeito, mas também tenho o direito de reclamar. Não sei se, talvez a pauta, enfim, mas eu achei que a minha participação, a minha entrevista foi, digamos assim, descontextualizada.

[Elizeu Soares Lopes não especificou a que publicação de CartaCapital se referiu. Antes da conversa, a última citação ao ouvidor foi feita em 27 de julho, sobre uma entrevista à emissora GloboNews, em que disse que o aumento da violência policial durante a pandemia “não tem justificativa”.]

Mitigamos os efeitos dos processos de manifestação por ocasião de uma votação da Previdência no estado de São Paulo. Uma atividade de muita tensão, certo grau de violência, e nós fomos chamados. Eu fiz a mediação com o comando da Polícia. E ali colocamos interlocutores na manifestação e o comando local e a repressão cessou. A favela do Moinho, depois, teve um episódio, eu poderia citar outros.

Eu acho que há uma confusão por parte de alguns setores, de confundir a capacidade de dialogar, de fazer interlocução, de fazer mediação, com o seu dever institucional. Eu acho que as pessoas fazem essa confusão. A Ouvidoria, sob a minha gestão, em hipótese alguma, vai abrir mão do seu papel institucional. Mas, para além de apontar dedos e correções, eu entendo que nós precisamos dialogar com o sistema de segurança pública para tentar mitigar os seus efeitos. Portanto, dialogar com o governo do Estado, que é o principal condutor da política de segurança pública, dialogar com o comando da Polícia Militar e da Polícia Civil, com o secretário de Segurança Pública, como todos os outros ouvidores faziam. Todos os outros ouvidores faziam.

Eu não sei, é porque eu sou mais pretinho? Não sei por que, talvez seja isso, talvez eu tenha… Talvez, eu não sei se é isso… Quero crer que não. Estou brincando, eu quero crer que não. Talvez isso possa, no interior, na subjetividade das pessoas, pensar que nós não saibamos o nosso papel e, sobretudo, do que a lei determina. Mas, para além disso, da nossa história. Eu não falo de direitos humanos por ouvir falar. Eu falo há muito tempo de direitos humanos como um ator, que nasceu nesse estado, nesse país contraditório, nesse país que tem dívida com grande parte da sua população, notadamente com a população pobre e a população negra. Eu tenho a impressão de que certos setores acham que têm o monopólio da verdade para atuar em determinados lugares, e outros não têm. Mas eu imagino que isso deva ser uma subjetividade. Nós vamos ter que reparar também essa percepção de preconceito por parte de certos atores que não são, necessariamente, do mesmo setor social que advêm alguns. E é importante que esses lutem, porque a luta em defesa dos direitos humanos, para melhorar a defesa do sistema de segurança pública, tem que ser uma luta de toda a sociedade. Mas não pode apenas alguns segmentos terem o monopólio da verdade, para falar sobre esse tema.

“Há pouco tempo encerramos a escravidão, e o Estado não corrigiu as vicissitudes desse período nefasto para a população negra.”

CC: Uma pesquisa do Instituto Locomotiva mostra que 50% dos negros já sofreram algum tipo de situação de violência policial no Brasil, e somente 5% acreditam que a polícia no Brasil não é racista. De onde vem essa compreensão, e quais as mudanças que devem ser feitas na polícia para que essa compreensão mude?

ESL: Eu acho inclusive que é um número que me chama atenção, que deveria ser maior [que 50%]. Porque nós sofremos racismo cotidianamente. Quando eu ligo a televisão, eu sou vítima de racismo. Quando eu assisto a novelas, eu sou vítima de racismo. Quando eu leio livros didáticos, eu sou vítima de racismo. Quando eu olho para o Parlamento, eu sou vítima de racismo, nós somos vítimas de racismo. Quando eu vejo a magistratura, eu sou vítima, nós somos vítimas de racismo. Quando eu vejo o Ministério Público, nós somos vítimas de racismo. Então, legar a apenas uma instituição talvez seria uma desonestidade intelectual, porque a estrutura da nossa sociedade é uma estrutura racista. E por quê?

Há pouco tempo encerramos a escravidão. E nós não corrigimos, o Estado não corrigiu as vicissitudes desse período, que foi nefasto para o conjunto da população negra. O Estado não reparou. Não constituiu políticas públicas que enfrentassem esse problema. Não obstante a isso, a contribuição da população negra para a construção do nosso Estado, ainda com essa adversidade, é de grande relevância. Vou citar os principais escritores que são negros. Quem sabe disso? Tem repórter que não sabe disso. Repórter que vem me entrevistar aqui e não sabe disso. Tem gente que não sabe quem foram os Rebouças, que foram os maiores urbanistas do nosso país. Teodoro Sampaio, um dos fundadores da Escola Politécnica [que hoje é a Universidade de São Paulo, a USP]. A construção do negro na ciência, na tecnologia, não só aqui no Brasil, como no mundo, como é essa estrutura? Como o Brasil trata quem é cidadão?

O exemplo do guarda de Santos, felizmente ele estava com câmeras, e uma autoridade, o desembargador veio desacatá-lo. O exemplo daquele policial que foi hostilizado em Barueri, negro, classe média-alta. Ou os exemplos do nosso cotidiano. Da nossa propaganda, da nossa publicidade, que nós não nos vimos. Essa violência psíquica tem o condão de trauma sobre o povo tão forte quanto a violência física, eu diria até mais. Porque, quando tem a violência física, que choca, que é inaceitado, você consegue combater, como nós estamos fazendo aqui, nessa arena da entrevista e do diálogo. Mas quando ela perpassa a subjetividade através da cultura, da indiferença ou da não consideração de certos atores da sociedade como sujeitos dos direitos, aí ela cala profundamente. Eu não vou entrar no debate fácil de instituir para uma outra organização o problema do racismo ou da violência.

CC: Mas é possível fazer algo?

ESL: Vou te responder. A naturalização da violência é um problema da sociedade brasileira, que perpassa sobre todos os órgãos. Porque a violência física e a violência psíquica, ela é tão condenada, tão repelida pelo nosso estado democrático de direito, pela nossa Constituição, ela é vista inclusive como tortura, tortura moral. E tem outros campos do direito que tratam isso, no campo do trabalho, enfim. O que é possível fazer? Primeiro, diagnosticar de onde vem, por que vem, para não dar falsas respostas. Essa é uma primeira questão, por isso é importante ter esse preâmbulo.

Segundo, tem medidas que eu chamo de medidas mitigatórias. Por isso que é possível fazer interlocução. Como você falou: é possível mudar? É possível você mudar. Mas para você mudar, você precisa propor. Para você propor, você precisa conversar, dialogar. Então, eu tenho que tratar com o governo do Estado. Aliás, estou vendo entidades solicitando uma audiência com o governo, que eu concordo, tá certo. Eu tenho que tratar com a cúpula da Polícia Militar, eu tenho que tratar com a cúpula da política de segurança pública. Agora, para eu pelo menos tentar tratar e exigir mudanças, eu tenho que pelo menos reconhecer que elas existem. E eu respeito outras entidades que têm uma outra visão. Mas eu preciso tratar.

Então, medidas é possível fazer. Primeiro: maior transparência da atividade policial, como nós fizemos nas manifestações. Essa Ouvidoria aqui, é uma conquista nossa. Conquista da sociedade. Não do Elizeu, eu passo, assim como todos os ouvidores passam. Nosso período aqui é curto, é uma pequena contribuição. Nós precisamos, então, do controle da atividade policial, transparência. Polícia comunitária como um instrumento importante da atividade de segurança pública, como prisma, como farol de segurança pública no estado de São Paulo. Uma polícia, portanto, comunitária, mais inteligente, que ela seja mais próxima da comunidade. Para ela conhecer as pessoas, e as pessoas também conhecê-la, para ter uma relação de confiança. Conhecer é, fundamentalmente, saber a sua trajetória, saber onde você mora, onde trabalha, quem são seus amigos, suas ideias, como é que você trata o outro, o seu irmão, a sua família. Isso é conhecimento. Então, isso, inclusive, é uma forma de separar o joio do trigo. Porque nós não podemos concordar com pessoas que, infelizmente, vivem de criminalidade. Isso não é um bom instrumento para a população, para o jovem de periferia, como referência humana futura.

A transparência, como eu falei. É o problema de você ter câmeras de monitoramento online, sob o controle automático do comando, no colete e na viatura, sensor de peso. Ressignificar o conceito de cidadão, aí, para o Brasil. E, portanto, quem é sujeito de direitos. E, portanto, ter nos editais a temática étnico-racial, de direitos humanos. É o cidadão não ser enxergado como inimigo, como se estivéssemos em uma guerra. Melhorar as condições de vida da população. Não pode um conjunto habitacional ser como um amontoado. É enfrentar o problema da qualidade do ensino. Abrir as universidades, que são formadas majoritariamente pelo pensamento da classe média. É essa universidade ser mais voltada para a realidade brasileira. É inadmissível as cadeiras de Medicina não tratarem das particularidades da população, da cultura como expressão. Enfim, isso é um arcabouço de medidas que você pode discutir enquanto política pública, para mitigar os efeitos da violência. E ao policial que cometeu ilegalidade, abuso, o rigor da lei. Inadmissível. É o que aconteceu, por exemplo, na Zona Leste. O cidadão cometeu erro? Ele não pode ser justiçado. Tem que ser contido, levado para a autoridade policial, que é o primeiro ambiente de defesa que ele vai ter é a delegacia, e sofrer as consequências da lei.

E acho que há uma questão que eu gostaria de colocar. Nós não vamos resolver os problemas sociais no Brasil como se fosse um problema de polícia. Portanto, essa política de encarceramento não é a mais adequada. Nós gastamos, só na Fundação Casa, em torno de 7 mil reais com cada jovem infrator, adolescente. O melhor caminho para empregar esses recursos seria trancafiando em uma Fundação? Ou o melhor é investirmos os recursos em construir várias orquestras Baccarellis, nas comunidades, para dar perspectiva? [O Instituto Baccarelli é uma associação civil que promove projetos musicais na favela de Heliópolis, em São Paulo.] É ressignificar o papel da escola, mais aberta, intrinsecamente ligada com a sociedade. São reflexões que nós precisamos fazer para resolver esses problemas.

 

CC: Em entrevista ao UOL, o ex-chefe da Corregedoria da Polícia, coronel Marcelino Fernandes, apontou três fatores para o aumento de mortes pela PM durante a pandemia. Os dois primeiros teriam aumentado a criminalidade: a saída de vários presos condenados, pela covid-19, e o aumento do desemprego. No terceiro fator, ele falou sobre o incentivo ao confronto, por parte do governador João Doria, em anos anteriores. Segundo o coronel, Doria teria tratado a segurança pública de forma marqueteira. O senhor concorda com esse diagnóstico?

ESL: Eu não concordo, porque ele não me mandou as referências bibliográficas ou teóricas com que ele fez essa formulação. Onde ele pegou? De qualquer forma, eu acho que nós participamos do último pleito eleitoral, pautado pelo problema da violência. A eleição foi decidida, no caso, a eleição para presidente, por uma licença para matar. Não só de policiais, toda a sociedade. Arminha? Quê que é? Quer mais simbólico do que isso? A eleição foi decidida por isso. Entre outros fatores, mas isso foi um diferencial, porque as pessoas têm uma sensação de insegurança, e a gente precisa compreender, não dá para subestimar. Ainda que sejam levadas de forma equivocada a ter essa sensação, mas não dá para subestimar, é um problema. É preciso analisar, diagnosticar. Então, primeiro isso.

Os problemas sociais vão ser frequentes. Veja que, mesmo nos governos democráticos, que eu participei, votei inclusive, anteriores, não diminuiu a violência. Pelo contrário. Se você pegar o governo Fernando Henrique, governo Lula, o primeiro governo Dilma… E mesmo com um grande número de políticas públicas interessantes para enfrentar o problema da miséria aqui no Brasil. Veja que não é simples. Se nós pegarmos os outros estados, a mesma coisa. Então, nós não podemos ser simplistas nesse debate. Por isso é que eu procuro fazer uma reflexão mais ampla. Mas o fato é que qualquer incentivo à violência por parte do estado é equivocada.

Felizmente, graças a Deus, nós homens podemos cometer erros, equívocos, e podemos corrigir. Eu gostaria de analisar o aspecto positivo. O fato de o governador ter condenado as atitudes ilegais, abusivas, da polícia, eu acho interessante. Entendeu? Eu queria, então, olhar agora para frente. E ainda que tivesse tido uma ideia de incentivo por parte que qualquer autoridade, os policiais não podem fazê-lo. Sabe por quê? Porque a lei não permite. Porque o policial tem que fazer uso moderado da força para conter uma pessoa, e conduzir o cidadão que eventualmente cometeu um delito para a delegacia. Então, a justificativa, com todo o respeito ao coronel Marcelino, não cabe. Porque a ordem manifestamente legal é compelida pela lei.

Se esse é o diagnóstico, está equivocado, sob todos os aspectos. A boa abordagem policial é aquela em que o policial protege a sua vida, o ser humano policial tem a sua vida protegida como pai de família que sai para trabalhar, e que as pessoas envolvidas nessa abordagem, quando possível, a não ser em uma situação de confronto, mas se não for uma situação de confronto que atente contra a vida do policial ou de outros, as pessoas têm que ser conduzidas para a delegacia. Essa é a boa atitude. Atitude de respeito aos direitos humanos. Não tem que dar tapa, ninguém tem que ser agredido, por que se fizer isso, está contra a lei. E se estiver contra a lei, tem que sofrer as consequências da lei.

“A Ouvidoria é inimiga de quem atenta contra o direito humano”, afirma Elizeu Soares Lopes.

CC: Um projeto de lei em tramitação na Alesp propõe acabar com a Ouvidoria das Polícias de São Paulo. O autor do projeto diz que o órgão é totalmente politizado, que só traz prejuízo para a segurança pública. O senhor disse no início do ano que dialogaria com os parlamentares, mas o projeto acabou de ser discutido com regime de urgência e está avançando na Assembleia. Os diálogos ocorreram? Fracassaram? Existe risco de extinção da Ouvidoria?

ESL: Quando eu assumi a Ouvidoria, tinha sido propagado em prosa e verso que esse projeto, apresentado no ano passado, tinha sido quase sepultado. Foi essa a informação que eu tive quando cheguei na Ouvidoria. E é verdade, houve esforço por parte dos movimentos sociais, do ouvidor Benedito Mariano, no sentido de tentar construir uma ideia para que esse projeto não vingasse. A Ouvidoria é uma conquista civilizacional, uma conquista da democracia. Inclusive o governador incentivou, foi sobre a égide do governo de Mário Covas. Então, me parecia contraditório algumas pessoas que estavam assinando o projeto.

A Ouvidoria dialogou. Por exemplo, se você acompanhar o site da Alesp, você vai ver que muitos deputados, que antes coassinaram o projeto, retiraram suas assinaturas. Dialogamos com a deputada Carla Morando (PSDB), ela compreendeu, foi muito respeitosa, em um diálogo muito profícuo. Dialoguei com outros parlamentares. Ontem, dialoguei com o deputado Barros Munhoz (PSB), e ele disse que ia retirar a assinatura. E um conjunto de deputados. Agora, o projeto ainda está em discussão, nós temos que dialogar mais ainda. Eu recebi aqui a deputada Janaina Paschoal (PSL), e inclusive ela me sugeriu que eu conversasse com os deputados de uma bancada, que são mais afeitas ao tema de segurança pública. Eu disse que estava à disposição dos deputados.

Eu não rotulo deputado. Para mim, deputado é deputado, foi eleito. Acho que é antidemocrático, inclusive, adjetivar o parlamentar. Não só por causa dele, é por conta dos eleitores. Acho que o Parlamento é a representação social, dos pensamentos que se têm na sociedade democrática. Então precisa ser respeitado. O que nós não podemos concordar, na verdade, é com opiniões, manifestações, que atentam contra o estado de direito. Porque atentar contra o estado de direito é negar o próprio estado e a própria condição de democracia que nós somos. Aí, tem vários processos em relação a isso. Então, eu diria que não fracassou, eu diria que está melhorando, porque se tinha alguns deputados que antes eram contrários à Ouvidoria e agora são contra o projeto e estão a favor da Ouvidoria, eu penso que [os diálogos] estão avançando.

O próprio governador do Estado, que antes, em 2019, não tinha se posicionado contra o projeto, esse ano se posicionou [Em 22 de julho, João Doria disse ser contra o fim da Ouvidoria]. Então, eu penso que não estamos fracassando, pelo contrário. Eu entendo assim, ou você acha que não? Ainda que o projeto esteja sendo discutido, é uma prerrogativa do parlamentar. Ele tem o direito de que o projeto dele seja debatido na Assembleia. Ainda que eu seja contra. Mas ele tem direito. O que cabe à Ouvidoria e à sociedade? É debater, discutir, dialogar. Eu acho que vamos encontrar mais deputados contrários ao projeto, se nós esclarecermos, e ao mesmo tempo, respeitarmos a iniciativa do parlamentar. Me parece que essa é uma questão importante. Eu trabalhei muito no Parlamento. E essa questão não é menor. Então, eu tenho impressão que teremos sucesso se conseguirmos fazer esse diálogo.

Eu, enquanto ouvidor, me propus em duas condicionantes. A Ouvidoria não é inimiga das instituições policiais. A Ouvidoria é inimiga de quem, individualmente, atenta contra o direito humano, atenta contra a vida, atenta contra a segurança das pessoas. Agora, a Ouvidoria não é inimiga das instituições policiais, portanto, não é inimiga das polícias. Muitos policiais, inclusive, vêm aqui através da Ouvidoria. Mas nós temos um papel institucional e apresentar as propostas que nos conferem.

CC: Assim como as manifestações contra o Supremo Tribunal Federal (STF), a extinção da Ouvidoria representaria mais um ataque ao estado democrático de direito?

ESL: Eu não tenho dúvida. A Ouvidoria é uma conquista civilizacional, não só aqui no Brasil, e não só em relação à segurança pública. Até as instituições privadas têm as suas ouvidorias. Por exemplo, eu sou uma pessoa pobre e vou comprar móveis nas Casas Bahia. E você tem lá um sistema de comunicação. Então, isso é uma conquista civilizacional. Atentar contra essas instituições é um retrocesso para o estado democrático de direito, é claro, não tenho dúvida disso.

“Não me envergonho da minha atuação, aprendi muitos valores dentro do PCdoB. Me parece que essa não é a questão central”, diz Elizeu Soares Lopes.

CC: No dia 25 de julho, o autor do projeto escreveu nas redes sociais que o senhor tem histórico como uma pessoa ligada ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Isso é um argumento que precisa ser debatido, porque as pessoas são influenciadas pela ideia de uma suposta orientação ideológica do senhor no trabalho como ouvidor. Como tem sido sua relação com o PCdoB? O senhor se identifica com a orientação comunista do partido? Como o senhor responde a esse argumento que dá base ao argumento do deputado?

ESL: Eu acho que esse argumento é uma sofisma. Porque todas as pessoas podem ter as suas preferências partidárias e ideológicas, policiais, médicos, empregadas domésticas, professores universitários, todos. O que você não pode é confundir a sua atuação de forma partidária. Isso não é permitido. Eu inclusive me desfiliei do PCdoB.

CC: Quando?

ESL: Um tempo atrás, não lembro, mas faz um certo tempo. Mas não me envergonho de ter participado, da minha atuação, aprendi muitos valores dentro do PCdoB. E o PCdoB é assim como todos os partidos, que existem porque estão dentro da legalidade institucional e democrática do país. Eu acho que é um preconceito que não é bom nós alimentarmos. Ainda que tenhamos que falar, eu acho que não é bom, porque você acaba alimentando uma ideia de que as pessoas não podem ter posições partidárias. E é bom que as pessoas tenham posições partidárias. O que precisamos ter é respeito. Não podemos ter intolerância, de parte alguma. O fato de eu dialogar com uma ou outra agremiação não pode ser impeditivo para que eu cumpra as minhas funções. Não pode ser impeditivo para que eu dialogue com os parlamentares e os respeite.

Me parece que essa não é a questão central. São sofismas que são usados e não têm fundamento algum no que diz respeito ao papel ou não da Ouvidoria ou do ouvidor. Eu nunca perguntei, por exemplo, quando eu vou no tribunal, para o juiz, qual é a preferência partidária dele. Quando eu vou numa delegacia, acompanhar um inquérito ou um cliente meu, eu nunca perguntei para o delegado qual é a preferência partidária ou ideológica dele. Quando estou diante de um médico, numa consulta, a mesmíssima coisa. Acho que é uma sofisma, enquanto um argumento para um debate que me parece sério. Para a sociedade, o que importa é o seguinte: a Ouvidoria tem cumprido a lei? E aí eu, apesar de ter uma ou outra opinião diferente, de todos os outros ouvidores eu não vi um ouvidor descumprir a lei que criou e que normatiza a Ouvidoria. Se tivesse, com a visibilidade e os embates que a Ouvidoria tem, certamente eles teriam sofrido sanções.

Com todo o respeito ao deputado, não me parece que esse seja o debate central. Acho que o debate central é que o ouvidor, a Ouvidoria não é inimiga da polícia. A ouvidoria das Casas Bahia não é inimiga das Casas Bahia, porque as Casas Bahia vão precisar existir. Se tem alguma reclamação, alguma questão, as Casas Bahia, vão ver, corrigir, para aprimorar. Se tiver uma reclamação contra um médico, se algum médico comete um erro, não podemos acusar todos os médicos. A mesma coisa é o policial. Eu também gostaria de dialogar com pessoas que pensam diferente do deputado. O fato de alguns policiais cometerem erros, não significa que todos os policiais cometam. Seria, no mínimo, desumano com um policial que cumpre com suas funções.

Então, essa polarização extremada me parece que tem contaminado o ambiente, e isso não permite que as pessoas dialoguem. Me parece que o projeto que está em tela na Assembleia Legislativa, que eu respeito a iniciativa parlamentar, que ele está dentro desse contexto. Ao perceber isso, quero tirar esse contexto da polarização e implantar o contexto da racionalidade, da racionalidade democrática que permite inclusive a Constituição, o sistema de freios e contrapesos. Uma instituição que tem o poder de tirar a vida de uma pessoa tem que ter um controle, e é natural. Mas é preciso também ter parcimônia por parte desses que o fazem, sem que isso signifique, por parte da Ouvidoria, algum tipo de preconceito da atividade policial.

CC: O que poderia melhorar na Ouvidoria?

ESL: Muito. Nós temos a mesma estrutura pessoal de 25 anos atrás, de quando foi fundada a Ouvidoria. A Ouvidoria, quando nós assumimos, atendia 900 pessoas, e hoje nós estamos atendendo em torno de 17 mil denúncias que temos que abrir procedimentos. Como é que faz isso com um corpo de 15 pessoas? Sete pessoas com problemas de coronavírus aqui na pandemia, tiveram que se afastar em determinados períodos, porque seus familiares tiveram coronavírus. Nós estamos sem atendimento presencial. Mesmo assim fizemos alguns, desavisadamente, inclusive fui muito contestado pela própria equipe por isso.

Nós precisamos, agora, colocar em órbita as redes sociais da Ouvidoria. É um absurdo. Nós não temos Facebook, WhatsApp. Entendeu? A estrutura salarial da Ouvidoria é a mesma de 20 e poucos anos atrás. Eu tive que sair da minha atividade de advogado para atuar com exclusividade [na Ouvidoria]. Salários baixos, e nós temos pessoas, aqui, altamente capacitadas, que, aliás, eu não tirei. Pessoas que dialogavam com os outros, com outro ouvidor, e continuam aqui. Gostaria que sublinhassem isso, que destacassem isso. Saíram daqui as pessoas que quiseram sair, por livre e espontânea vontade, porque eu acredito no princípio da continuidade da administração pública: preservar as pessoas que têm história em determinado departamento.

Muitas pessoas não me conheciam, porque atuei em outras esferas. Mas eu aprendi com a minha avó e a minha mãe que, antes de a gente tirar qualquer conclusão sobre uma pessoa, sobre o caráter, a história, é preciso conhecê-la. Se não, estamos pregando ao vento. Muitas entidades e organizações de direitos humanos acabam tendo visões pré-concebidas, sem conhecer as pessoas. Isso é um atentado ao direito humano. Ao pré-julgar, acabam, infelizmente, não tendo a possibilidade de conhecer. Mas é um processo que também é natural, o mandato é um pouco novo.

Nós tivemos uma conquista histórica, só para terminar. A Ouvidoria ia para a estrutura física da Secretaria de Segurança Pública. Sabia disso? Isso já tinha sido acertado na gestão passada. Não é que foi por culpa do outro ouvidor, mas foi imposto a ele. Íamos lá para o prédio, para o segundo andar da Secretaria de Segurança Pública. Quando o ouvidor me falou isso, pulei quase cinco metros. Falei: não, não é possível, temos que tentar construir uma saída. E nós não vamos mais para o prédio da Secretaria de Segurança Pública. Uma grande conquista.

Eu acho que a grande conquista dessa gestão vai ter que ser a permanência da Ouvidoria. E tentar ampliar a sua capilaridade no estado todo. É um grande desafio. E eu gostaria de, junto com os movimentos sociais, a sociedade, as instituições, o governo do estado, porque nós dependemos do governo, o poder Legislativo, que eu respeito muito, é um dos poderes que eu mais respeito, tentar melhorar as condições. Mas com um único objetivo: tentar melhorar o serviço de segurança pública no estado, de melhorar a atividade policial, uma polícia mais presente para o cidadão, e que mais voluntariamente cumpra a sua função social que é de proteger e salvar vidas. É isso o que eu acredito.

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