Entrevistas

É necessário combinar atos de rua com a mobilização de uma greve, diz Glauber Braga

Em entrevista a CartaCapital, o deputado do PSOL faz balanço sobre os protestos de 3 de julho e comenta os episódios criticados pela direita

O deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ), durante ato em São Paulo, no dia 19 de junho. Foto: Reprodução/Facebook
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As organizações sindicais devem colocar na mesa “com sinceridade” quais são as dificuldades para mobilizar uma greve geral, afirmou o deputado federal e pré-candidato à Presidência Glauber Braga (PSOL-RJ), em entrevista a CartaCapital neste domingo 4. Para o parlamentar, os atos do sábado 3 tiveram sucesso, mas há necessidade de que os próximos protestos sejam combinados com uma articulação para a paralisação de trabalhadores.

Conforme CartaCapital já mostrou, não há consenso entre as centrais sindicais sobre a articulação de uma greve contra Bolsonaro. Dirigentes que resistem em pautar a questão dizem temer a falta de condições políticas para que a mobilização seja bem-sucedida. Com a pandemia e o alto desemprego, a adesão à paralisação poderia ser baixa, o que desgastaria um instrumento importante de luta de diferentes categorias.

Na manifestação de 3 de julho, em São Paulo, o secretário-geral da CSP-Conlutas, Atnagoras Lopes, pediu, no palanque, diálogo com as demais centrais sindicais para haver concordância na construção de uma greve. A CSP-Conlutas é a principal entidade sindical que defende abertamente a articulação.

Para Glauber Braga, experiências internacionais indicam sucesso de reivindicações populares quando os trabalhadores decidem cruzar os braços, em consonância com a ocupação das ruas.

“Quais são as dificuldades de mobilização? É uma dificuldade de ter o respaldo na base? De fazer com que as decisões tenham lastro numa relação com um conjunto de categorias?”, questiona. “A partir dos elementos na mesa, a gente vai discutir táticas para poder ultrapassá-los.”

Segundo apurou a reportagem, estão mantidos para 24 de julho os atos de rua que já estavam previstos desde o mês passado. Há uma expectativa, ainda, de que centrais sindicais se reúnam nos dias 29 e 30 e que sejam pautadas possíveis paralisações para a 1ª semana de agosto.

Alguns setores da esquerda consideram importante a tarefa de atrair mais trabalhadores não-organizados e alas da sociedade civil que não se identificam com a esquerda, mas que fazem oposição a Bolsonaro. A 2ª hipótese, no entanto, tem resistências. No último ato de São Paulo, militantes do PSDB se queixaram de agressões e relataram queima de uma bandeira do partido por manifestantes de esquerda.

Braga diz que o estranhamento é previsível entre manifestantes que enxergam nos liberais apoio à agenda bolsonarista, inclusive no plano econômico. Ao mesmo tempo, o parlamentar considera que faltam “elementos robustos” para analisar o caso específico.

“Espero que a turma da direita liberal que dá sustentação à agenda de extrema-direita de Bolsonaro não queira minimizar o efeito da destruição que eles também estão promovendo em relação às privatizações e companhia. Isso também é criminoso e é cumplicidade com o genocídio.”

Confira, a seguir, a entrevista.

CartaCapital: Foi um acerto antecipar os atos para 3 de julho?

Glauber Braga: Foi sim. O que a gente viu no Brasil foi a continuação de uma mobilização potente, e um ato vai estimulando o próximo ato. Considero que foi um acerto ter diminuído o espaçamento entre um ato e outro.

CC: Como avalia o tamanho dos protestos?

GB: Continuaram sendo grandes atos. Tem aí uma força e uma mobilidade de novas pessoas que vão chegando às ruas. Isso é positivo, demonstra que não tem perda de potência significativa nos atos, o que seria normal em uma jornada de atos. Quando você tem uma jornada de atos, tem a ampliação do número de pessoas, depois o refluxo, aí você amplia novamente daqui a pouco. Isso é natural. Mas o que a gente viu nos atos de ontem foi a continuidade de uma potência muito grande, nas mais variadas regiões do Brasil, em todos os estados brasileiros. Isso é uma demonstração de força incontestável.

Manifestações contra Bolsonaro acusaram governo de genocídio. Foto: Rener Pinheiro

CC: Mas o senhor acredita que os atos estão grandes o suficiente? Ainda falta atrair algum perfil de manifestante?

GB: Os atos, sem dúvida nenhuma, são grandes e estimuladores da luta social que a gente precisa fazer. Evidentemente, se você consegue, numa jornada, ir ampliando o número de presentes nas ruas, a partir da indignação com o governo, é melhor. Agora, não como uma avaliação de que o que está é pouco ou negativo. Pelo contrário: a demonstração é de atos fortes.

Nos países vizinhos, os atos que tiveram força foram aqueles que tiveram continuidade. Tiveram a ampliação no número de pessoas, mas uma ampliação que não foi descolada de uma jornada.

Tivemos três atos consecutivos, todos eles inegavelmente com força, em todas as regiões, num país continental com o Brasil. E mais, com um elemento que eu considero importante: até então, o que você tinha era a discussão sobre as motociatas do Bolsonaro, como se não houvesse mobilização da oposição e da esquerda no enfrentamento a Bolsonaro. Agora, praticamente, você não ouve mais falar das motociatas ou das articulações que o governo tenta fazer na rua, porque a oposição foi para o terreno que ela domina, que é a força popular na rua.

Não vai sair da minha boca a criminalização àqueles que estão lutando contra o governo

CC: Em São Paulo, houve agressões que envolveram militantes do PSDB, e alguns manifestantes incendiaram uma agência bancária. São episódios comentados pela direita e pelo presidente. Qual sua avaliação sobre essas duas condutas?

GB: Primeiro, quando o Bolsonaro tenta colocar o foco nesses episódios, é porque ele quer descaracterizar o que é o importante: o processo de mobilização em todas as regiões brasileiras. Então, a gente já está acostumado com essa história. A narrativa bolsonarista é tentar deslegitimar atos populares que têm força contra o governo. É, também, tirar o foco da gestão desastrosa, criminosa, genocida na pandemia, com esse número de mortes. É tentar, ao mesmo tempo, tirar o foco da situação econômica que a gente vivencia. Isso não é uma lógica nova.

Sobre o episódio na Avenida Paulista, eu não estava, não sei qual foi a realidade, se houve provocação mútua, o que de fato aconteceu. Considero que é um episódio “em específico”, em relação com o conjunto da obra que tem que ser avaliado, que é o de sucesso em uma mobilização popular e de natureza grandiosa. Esse é o ponto.

Agora, evidentemente, quando você tem alguns grupos que apoiam, num bloco com o governo de Jair Bolsonaro, com a extrema-direita, a aplicação da agenda de privatizações, da agenda ultraliberal de desmonte, você vai ter um estranhamento. Você vai ter, em alguns momentos, episódios onde aqueles que estão fazendo a luta política contra a aplicação dessa agendas não vão caracterizar como legítima essa agenda bolsonarista que eles estão ajudando a tocar. Mas, para falar mais profundamente sobre o que aconteceu, eu precisava ter elementos mais robustos.

 

Agora, espero que a turma da direita liberal que dá sustentação à agenda de extrema-direita de Bolsonaro não queira, de maneira alguma, minimizar o efeito da destruição que eles também estão promovendo em relação às privatizações e companhia. Isso também é criminoso e é cumplicidade com o genocídio. A gente não pode deixar de dizer isso.

Sobre ações diretas, você tem um processo de orientação da organização central dos atos. E eu não vou utilizar a minha fala para a criminalização antecipada de qualquer ação, porque o que tem que ser criminalizado nesse momento é o genocídio de Bolsonaro. Não vai sair da minha boca, como militante socialista e de esquerda, a criminalização àqueles que estão lutando contra esse governo. Essa criminalização já sai da boca de Bolsonaro, que é quem temos que combater.

CC: Não há um consenso entre as centrais sindicais para a mobilização de uma greve geral. Qual sua posição?

GB: Numa greve geral, você tem trabalhadores, que já estão se expondo, deixando de se expor a partir de uma articulação prevista. Então, primeiro, no fato de estarmos em uma pandemia, nem o argumento relacionado ao isolamento social pode ser utilizado. Esse não é um bom argumento para dizer que a greve não pode acontecer.

Segundo: quais são as dificuldades de mobilização? É uma dificuldade de ter o respaldo na base? De fazer com que as decisões que venham a ser adotadas possam ter lastro numa relação com um conjunto de categorias? Eu acho que é importante que o conjunto das organizações, sindicatos e centrais coloquem com sinceridade na mesa quais são as dificuldades na construção e ampliação de uma greve geral. A partir dos elementos na mesa, a gente vai discutir táticas para poder ultrapassá-los.

Agora, considero sim que os elementos que podem virar esse jogo são as mobilizações nas ruas, realizadas diretamente pelos trabalhadores e por aqueles que não aguentam mais o governo Bolsonaro, combinadas com uma articulação de greve com os mais variados setores, nas mais variadas regiões. Essa é uma necessidade que a gente não pode perder de vista e que tem que continuar a ser trabalhada.

Lembremos que, por exemplo, eles querem aprovar nos próximos dias a privatização dos Correios, a reforma administrativa. Se esse governo não sente uma mobilização que de fato faça ele recuar, eles continuam avançando com essa política de desmonte. Isso a gente não pode aceitar. Combinar mobilização de rua com greve, olhando para outras experiências internacionais, é um meio eficaz para fazer com que o governo Bolsonaro possa ser derrotado.

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