Justiça

Como uma ideia de Fachin levou, sem querer, à condenação de Bolsonaro no TSE

A reunião do capitão com embaixadores foi resposta a decisões do então comandante da Corte

O ministro do STF Edson Fachin. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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O juiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, foi o responsável por devolver Lula à vida pública ao anular, em março de 2021, as condenações do petista na Lava Jato. À frente do Tribunal Superior Eleitoral de fevereiro a agosto do ano passado, Fachin montou um plano que, de forma involuntária, acaba de levar à retirada de Jair Bolsonaro da vida pública por oito anos.

O ponto de partida da condenação de Bolsonaro no TSE foi uma reunião dele com embaixadores estrangeiros em julho de 2022, no Alvorada. O capitão estava uma fera com o TSE. Semanas antes, em 31 de maio, o tribunal havia juntado diplomatas estrangeiros em um seminário de dia inteiro destinado a mostrar a segurança das urnas eletrônicas e da contagem de votos. Ao chamar embaixadores ao Alvorada, Bolsonaro queria provar o contrário.

“O ministro Fachin convida e aproximadamente 70 embaixadores vão ao TSE para ouvir dele as maravilhas que são as urnas eletrônicas brasileiras (…) E basicamente ali deixa transparecer que eu estou duvidando do sistema eleitoral preparando um golpe para o pós-eleição. Deixa claro, nas palavras dele que, uma vez anunciado o resultado das eleições, o mundo todo deve reconhecer imediatamente Lula como presidente da República eleito”, disse Bolsonaro em 6 de junho de 2022, ao canal AgroMais.

O capitão estava certo.

Desde que havia assumido o comando do TSE, em fevereiro de 2022, Fachin acreditava que a eleição de outubro terminaria em confusão, conforme uma testemunha que viu de perto os passos do juiz naquela época. Bolsonaro e outras figuras do governo tinham dado várias pistas de que contestariam o resultado das urnas. Para o togado, a comunidade internacional poderia ser um antídoto ao esperneio, caso fosse convencida da lisura do pleito. 

Além do seminário com embaixadores, Fachin resolveu trazer observadores internacionais para a eleição. Firmou acordos com oito entidades, as quais mandaram cerca de 150 representantes – entre eles, a OEA, o Parlasul, a União Interamericana de Organismos Eleitorais e o Centro Carter.

O tribunal queria observadores europeus também. Convidou-os em março de 2022. Desconvidou-os em maio. O motivo? Veto da cúpula do Itamaraty. Em 7 de abril, o então chanceler Carlos França e o secretário-geral da Casa, Fernando Simas Magalhães, receberam Fachin e Alexandre de Moraes, que era então o vice-presidente do TSE. E foram duros: nada de observadores europeus. Na semana seguinte, puseram a rigidez em papel timbrado: “O Ministério das Relações Exteriores recorda não ser da tradição do Brasil ser avaliado por organização internacional da qual não faz parte.

Ao organizar o seminário com embaixadores e selar acordos com observadores internacionais, o objetivo final de Fachin, conforme a testemunha, era conseguir que vários líderes mundiais, e de peso, reconhecessem o resultado do pleito tão logo terminasse a votação e o tribunal declarasse o vencedor. Uns 40 reconhecimentos da vitória de Lula foram registrados em cerca de uma hora, ainda na noite de 30 de outubro, um recorde na história brasileira.

No dia do segundo turno, o TSE havia chamados todos os embaixadores estrangeiros em Brasília para que fossem a locais de votação ver o movimento do eleitorado, conversar com eleitores, com mesários. Uns 70 toparam. Quando a votação encerrou-se, às 17h, o grupo foi levado ao tribunal, para acompanhar a apuração. “Eles conversavam entre si e com suas capitais. O representante dos Estados Unidos trocou mensagens de WhatsApp com a Casa Branca”, relembra uma testemunha.

O representante americano era Douglas Koneff, o número 2 da embaixada, cargo conhecido como “encarregado de negócios”. Ele era o embaixador interino. “(Os EUA) Tinham preocupação sobre a situação dessas discussões políticas e conflito, né, mas sobre a funcionalidade do sistema [eleitoral brasileiro], não”. Palavras de Ciro Nogueira, chefe da Casa Civil de Bolsonaro, ao depor em 8 de fevereiro de 2023 ao TSE, no processo que levou à condenação do ex-presidente.

A Corte considerou o capitão culpado de abuso de poder político e de uso indevido dos meios de comunicação. Motivos: ele valeu-se do cargo de presidente e de verba pública para promover uma reunião com fins eleitoreiros e para disseminar mentiras sobre risco de fraude nas urnas. 

Ao longo do levantamento de informações antes do julgamento, o TSE descobriu detalhes sobre a preparação daquela reunião de 18 de julho de 2022.

O cerimonial da Presidência, repartição que prepara eventos do chefe da nação, disparou a órgãos do governo um ofício, de no 82, em 13 de julho de 2022, a informar que Bolsonaro havia decidido chamar embaixadores ao Alvorada. Por cinco dias, o cerimonial enviou 98 convites, sem informar às embaixadas a razão da reunião. Recebeu 84 e-mails de resposta aos convites. A lista de presença no Alvorada tinha 92 pessoas, entre embaixadores e vice-embaixadores. 

Carlos França prestou depoimento ao TSE em 19 de dezembro e complicou Bolsonaro. Disse que o Itamaraty nunca recebera consulta de embaixada sobre a nossa eleição e que não é função do órgão se “ocupar de temas eleitorais”. Bolsonaro, prosseguiu ele, “foi integral e pessoalmente responsável pela concepção intelectual do evento”.

O evento custou 12,214 mil reais aos cofres públicos, em despesas com som, cenografia, iluminação, painel de LED e pessoal. Foi o que informou ao TSE a Casa Civil já no governo Lula. 

Uma hora após o fim da reunião de Bolsonaro com os embaixadores, o TSE divulgou uma nota pública a rebater ponto a ponto as alegações do capitão quanto a risco de fraude nas urnas. A corte tinha se mantido de prontidão: de 10 a 12 pessoas comunicavam-se em um grupo de WhatsApp e definiam quem redigiria qual resposta, enquanto assistiam ao evento presidencial pela EBC, a tevê pública. 

Bolsonaro falou por 45 minutos, quase todo o tempo tendo por base um inquérito da Polícia Federal aberto para apurar um ataque hacker ao TSE na eleição de 2018. Alguns embaixadores presentes trocaram mensagens de celular com membros do tribuna, segundo um destinatário delas. Diziam estar espantados com o que viam e ouviam. 

Mal sabiam que estavam diante de um acontecimento histórico. Um ano depois, o protagonista daquela cena foi condenado à exclusão da vida pública até 2030.

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