Justiça
Como Moro se tornou alvo de inquérito no STF e segue sob risco de cassação
O ex-juiz sofreu um novo baque com decisão de Dias Toffoli e se prepara para julgamento no TRE do Paraná
O ex-juiz e senador Sergio Moro (União-PR) sofreu um novo baque nesta segunda-feira 15, com a notícia de que o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, ordenou a abertura de um inquérito para apurar as acusações do ex-deputado paranaense Tony Garcia. Enquanto isso, Moro vive o temor de ter seu mandato cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Paraná em outro imbróglio.
A decisão de Toffoli, sigilosa, apresenta argumentos da Procuradoria-Geral da República e da Polícia Federal em prol da instauração do inquérito. Além de Moro, devem ser ouvidos no curso da investigação a deputada Rosângela Moro (esposa do senador), o ex-procurador e ex-deputado Deltan Dallagnol e integrantes do Ministério Público Federal.
Então juiz federal, Moro assinou em 2005 uma decisão que pedia a interceptação telefônica de figuras que, na letra da lei, não poderiam ser investigadas por ele.
No despacho, assinado em julho daquele ano, Moro determinou que Tony Garcia gravasse conversas com o então presidente do Tribunal de Contas do Estado, Heinz Georg Herwig, e com deputados federais.
Essa decisão de Moro veio à tona em um extenso material enviado ao STF por Garcia, que se apresenta como um “agente infiltrado” do ex-juiz. O episódio é consequência de um acordo de colaboração firmado em 2004 pelo empresário e pelo MPF, subscrito por Moro.
O contexto
O pano de fundo da delação eram supostas irregularidades no Consórcio Garibaldi, embora os termos do acordo fossem consideravelmente mais amplos. Apesar da colaboração, Garcia foi condenado a seis anos de prisão por fraude em consórcios, pena posteriormente substituída por prestação de serviços à comunidade.
A primeira denúncia do MPF contra Tony Garcia data de 1996. Uma liminar do Superior Tribunal de Justiça suspendeu a tramitação da ação penal e, em 1999, o empresário assumiu o cargo de deputado. Na sequência, o caso foi enviado ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, mas não avançou.
Após Garcia não se reeleger para a legislatura de 2003 a 2007, Moro entrou em cena, exigindo o retorno da ação à primeira instância, o que ocorreu em 2003. No ano seguinte, o STJ cassou a liminar original e, com isso, o processo voltou a tramitar.
Em novembro de 2004, o MPF pediu a prisão preventiva de Garcia, autorizada por Moro. Depois de o TRF-4 rejeitar um novo habeas corpus, a defesa aceitou fechar o acordo de colaboração com os procuradores, chancelado por Moro.
O termo de colaboração, segundo o documento enviado ao Supremo pelo empresário, previa uma lista de supostas 30 “tarefas” a serem executadas por Garcia, envolvendo escutas ambientais contra diversas figuras, entre elas políticos e juristas. O objetivo seria receber informações sobre desembargadores paranaenses e ministros do STJ, os quais não poderiam ser investigados pela primeira instância.
Outra tarefa seria obter, não se sabe de que forma, gravações em posse de terceiros, conforme indica o oitavo item da lista:
“Caso TRF Ricardo Saboya Kury — Bertoldo teria obtido liminares favoráveis com o Des. Dirceu, mediante troca de favores. O beneficiário procurará obter a fita cassete junto a Nego Scarpin [ex-banqueiro], onde constaria tal fato, podendo, neste caso, realizar escutas externas”.
Em outro trecho, há uma menção a gravações “em poder de Nego Scarpin, envolvendo Desembargadores do TRF, advogados e políticos” que deveriam ser recuperadas por Garcia.
O documento encaminhado ao STF menciona, ainda, um despacho expedido por Moro em 7 de julho de 2005, no qual o então juiz sugere que os elementos apresentados por Garcia até aquele momento seriam insuficientes. Indicou, então, ser ‘conveniente’ agendar reuniões, com escuta ambiental, com determinados alvos, a fim de “esclarecer fatos pertinentes à investigação”.
Um dos alvos seria o advogado Roberto Bertholdo, que teria interceptado Moro de forma ilegal. A propósito, o 29º item da lista de “tarefas” dizia respeito ao próprio Moro, ao determinar que Garcia obtivesse “a prova da materialidade delitiva” no caso do grampo – ou seja, a demonstração de que o advogado de fato interceptou a comunicação do então juiz.
Tony Garcia também mandou ao STF a transcrição de uma conversa no início de abril de 2005 na qual Moro avisou que o delator seria condenado, “independente do resultado obtido”.
O que dizem MPF e PF
Na decisão em que determina a abertura do inquérito, Dias Toffoli apresenta as considerações do MPF e da PF sobre o tema.
Segundo o Ministério Público, o relato de Tony Garcia aponta que o acordo de colaboração premiada “teria sido utilizado, por longo tempo, como um instrumento de constrangimento ilegal“.
A Polícia Federal, por sua vez, indica como uma das diligências necessárias o acesso aos autos físicos e a eventuais mídias relativas ao processo em que ocorreu a delação de Garcia, “bem como como relação a eventuais processos afetos às pessoas nominadas nas tarefas”.
Diz, também, ser preciso averiguar a afirmação de Garcia de que Moro o teria orientado a se encontrar com uma pessoa que se dizia integrante da Agência Brasileira de Inteligênicia e se apresentava como “Wagner”.
A PF ainda expõe a necessidade de ouvir, “em momento oportuno”, Moro, Rosângela, Deltan e a juíza Gabriela Hardt, ex-substituta de Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba (PR).
De acordo com a corporação, há semelhanças entre o relato de Tony Garcia e a situação narrada pelo doleiro Alberto Youssef, que sustenta ter sido alvo de uma escuta clandestina na Superintendência da PF no Paraná no início da Lava Jato.
“Nesse quadro, infere-se dos relatos prestados por Tony Gacia, caso sejam eventualmente comprovados, apontam para um desvirtuamento das decisões tomadas no âmbito da Operação Lava Jato“, diz a manifestação do MPF.
Além de ordenar a abertura do inquérito, Toffoli mandou juntar aos autos os documentos apresentados por Tony Garcia. Também requisitou à Justiça Federal de Curitiba e ao TRF-4 a cópia integral de todos os processos sobre o ex-deputado.
Em nota publicada nas redes sociais, Moro afirmou não temer qualquer investigação e alegou ter agido “com correção e com base na lei para combater o crime”. Disse, porém, lamentar a abertura de um inquérito “sobre fatos de quase 20 anos atrás” e ao qual sua defesa não teria tido acesso. Também chamou as acusações de Garcia de “fantasias confusas de um criminoso condenado e sem elementos que as suportem”.
Moro e o risco de cassação
Além do inquérito no STF, Moro é alvo de ações no Tribunal Regional Eleitoral do Paraná que podem levar à cassação de seu mandato de senador. O caso está nas mãos do relator, Luciano Falavinha, desde dezembro e pode entrar em pauta nas próximas semanas.
Em 14 de dezembro, a Procuradoria Regional Eleitoral no Paraná pediu o acolhimento parcial das ações, com a cassação do mandato por abuso de poder econômico na pré-campanha de 2022.
Em junho passado, o TRE-PR decidiu analisar em conjunto duas ações de investigação contra Moro – uma delas protocolada pela federação PT/PV/PCdoB, outra pelo PL do Paraná.
Na avaliação do Ministério Público, “a lisura e a legitimidade do pleito foram inegavelmente comprometidas pelo emprego excessivo de recursos financeiros no período que antecedeu o de campanha eleitoral, porquanto aplicou-se monta que, por todos os parâmetros objetivos que se possam adotar, excedem em muito os limites do razoável”.
Em linhas gerais, o PL sustenta ter havido “desequilíbrio eleitoral” devido a supostas irregularidades na campanha de Moro, a começar por sua filiação ao Podemos. A sigla de Jair Bolsonaro questiona o fato de o ex-magistrado ter se lançado pré-candidato à Presidência e depois ter migrado para o União Brasil a fim de concorrer a senador.
O pleito da federação encabeçada pelo PT parte de uma argumentação semelhante. A peça sustenta haver indícios de que Moro utilizou recursos do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral, além de “movimentações financeiras suspeitas”, para projetar sua imagem de pré-candidato, “independentemente do cargo em disputa”.
Diz, ainda, haver indícios de “inúmeras ilicitudes que afrontam expressamente as normas eleitorais, além de poderem configurar ilícitos comuns, a serem apurados pelos órgãos competentes”.
Em 7 de dezembro, Moro prestou depoimento ao TRE. Na ocasião, ele respondeu às perguntas de Falavinha, mas não se manifestou sobre os questionamentos dos advogados de PL e PT.
“Em relação aos advogados, foram propostas ações levianas, cujos fatos não foram demonstrados. Eles têm que demonstrar aquilo que eles afirmam. Eu, pessoalmente, me sinto agredido em relação a esses fatos. Tudo foi feito segundo as regras”, alegou Moro, após a oitiva, que durou menos de uma hora.
Conforme apurou CartaCapital, o PL projeta que a ação irá a julgamento no Tribunal Superior Eleitoral às vésperas das eleições municipais de 2024. Independentemente do resultado no TRE, a parte derrotada acionará o TSE para reverter a decisão.
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