Justiça

Investigação do CNJ identifica ‘gestão caótica’ do dinheiro de acordos de leniência na Lava Jato

O órgão finalizou um relatório parcial sobre a apuração interna na 13ª Vara Federal de Curitiba e no Tribunal Regional Federal da 4ª Região

Foto: Gil Ferreira / Agência CNJ Foto: Gil Ferreira / Agência CNJ
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A Corregedoria Nacional de Justiça finalizou na quinta-feira 14 um relatório parcial sobre o processo de correição – uma investigação interna – conduzida na 13ª Vara Federal de Curitiba e no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, responsáveis pelos processos da Lava Jato na primeira e na segunda instâncias, respectivamente. A íntegra do processo, no entanto, permanecerá sob sigilo.

O CNJ informa ter encontrado “uma gestão caótica no controle de valores oriundos de acordos de colaboração e de leniência firmados com o Ministério Público Federal e homologados pelo juízo da 13ª Vara”.

Menciona também a indicação de “possíveis irregularidades relacionadas aos fluxos de trabalho desenvolvidos durante as investigações e ações penais da Operação Lava Jato”, o que torna necessário verificar possível falta disciploinar por parte de juízes que trabalharam na 13ª Vara e no TRF-4.

Há uma referência direta à destinação de recursos oriundos de acordos de leniência para Petrobras e outras entidades privadas, “ao arrepio de expresso comando legal e sem qualquer outro critério de fundamentação”.

Os trabalhos do CNJ identificaram que os pagamentos à petroleira totalizaram 2,1 bilhões de reais e foram realizados entre 2015 e 2018, período em que a empresa era investigada nos Estados Unidos.

“Verificou-se a existência de um possível conluio envolvendo os diversos operadores do sistema de justiça, no sentido de destinar valores e recursos no Brasil, para permitir que a Petrobras pagasse acordos no exterior que retornariam para interesse exclusivo da força-tarefa”, diz o relatório.

O “interesse exclusivo da força-tarefa” está ligado à proposta de criar uma fundação que seria gerida com recursos provenintes de uma multa de 2,5 bilhões de reais paga pela Petrobras em uma ação nos Estados Unidos. Diante da repercussão, a força-tarefa de Curitiba desistiu da chamada “Fundação da Lava Jato”.

No período entre 2015 e 2018, o juiz titular era Sergio Moro e a juíza substituta era Gabriela Hardt.

A correição apontou que os acordos de colaboração e de leniência eram, em regra, homologados pelo juiz sem a apresentação de detlahes da celebração e sem as bases documentais das discussões entre as empresas e o Estado.

“Em princípio, constatou-se que os valores apontados obedeceram a critérios de autoridades estrangeiras, o que soa como absurdo, teratológico”, concluiu o CNJ.

Consequências

Uma das ações projetadas pelo relatório envolve tratativas entre o corregedor nacional de Justiça, Luís Felipe Salomão, e o ministro da Justiça, Flávio Dino, sobre a criação de um grupo de trabalho para verificar, de forma mais ampla, as condutas analisadas pela correição. Essa “força-tarefa” também terá a responsabilidade de adotar medidas preventivas para evitar a repetição das “situações nocivas identificadas”.

Farão parte do grupo de trabalho, entre outras instituições, a Advocacia-Geral da União, a Controladoria-Geral da União, o Ministério Público Federal, o Tribunal de Contas da União, a Polícia Federal e a Receita Federal.

A correição

Em maio, o corregedor nacional de Justiça, ministro Luís Felipe Salomão, decidiu realizar uma apuração extraordinária na 13ª Vara de Curitiba e no TRF-4.

Os trabalhos foram conduzidos por um juiz federal, um desembargador federal e um juiz de direito, todos indicados por Salomão. Os três receberam poderes para intimar e interrogar servidores e magistrados.

À época, o CNJ informou que o procedimento visaria à “apuração de fatos relacionados ao conhecimento e à verificação do funcionamento dos serviços judiciais e auxiliares, havendo ou não evidências de irregularidades”.

A decisão foi tomada dias após o afastamento do juiz Eduardo Appio da 13ª Vara, concretizado em 22 de maio. A decisão original do TRF-4 atendeu a uma representação do desembargador federal Marcelo Malucelli, que afirmou que seu filho, João Eduardo Barreto Malucelli, recebeu uma ligação telefônica com “ameaças”. O tribunal teria indícios de que Appio seria o responsável pelo telefonema. A defesa do juiz nega a acusação.

Em um de seus despachos na 13ª Vara, Appio afirmou haver “indícios de ilegalidade” no acordo de leniência firmado entre o Ministério Público Federal e a Odebrecht. Ele chegou a defender a investigação dos fatos pelo Tribunal de Contas da União, pela Polícia Federal e pela Corregedoria Nacional de Justiça.

Na semana passada, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, decidiu invalidar todos os elementos de prova obtidos no acordo de leniência da empreiteira.

Outra base da Lava Jato a ser contestada por Appio é a gravação ilegal da cela onde esteve preso o doleiro Alberto Youssef. Conforme o material, ao qual CartaCapital teve acesso, o grampo clandestino funcionou entre 17 e 28 de março de 2014.

Partiu de Appio, também, um novo tratamento dispensado ao advogado Rodrigo Tacla Duran, ex-representante da Odebrecht. No final de março, ele afirmou em depoimento – por videoconferência direto de Madrid – ter sido alvo de um “bullying processual” na Lava Jato. Também declarou ter sido vítima de uma suposta tentativa de extorsão e citou o ex-juiz Sergio Moro e o ex-procurador Deltan Dallagnol.

Em 16 de março, Eduardo Appio revogou a ordem de prisão preventiva contra Duran decretada em 2016 por Moro. Na ocasião, o então novo juiz da Lava Jato anotou que “a presunção constitucional é de inocência e não o inverso” e mencionou a série de reportagens Vaza Jato, a revelar detalhes sobre a proximidade entre a força-tarefa do Ministério Público Federal e magistrados responsáveis pelo julgamento, além dos métodos empregados pelos procuradores de Curitiba.

Logo em seguida, porém, Marcelo Malucelli tomou uma decisão que, na avalaliação de Appio, restabeleceu a ordem de prisão contra Duran.

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