Política

Câmara conclui votação da minirreforma eleitoral com trecho que pode prejudicar partidos menores

Dispositivo foi mantido por pressão de líderes do Centrão; texto vai ao Senado

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados
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A Câmara dos Deputados concluiu, nesta quinta-feira 14, a aprovação da minirreforma eleitoral com a manutenção de um trecho que pode prejudicar a eleição de candidatos de partidos menores. O texto vai ao Senado e pode entrar em vigor já nas eleições municipais do ano que vem.

A reforma leva o prefixo “mini” por ser menor que a reforma eleitoral aprovada em 2021, mas as novas regras tratam de vários assuntos.

O mais polêmico dos dispositivos aprovados altera as regras das sobras eleitorais, mecanismo alternativo das eleições para cargos legislativos, que levam em conta parâmetros além da quantidade de votos.

Um estudo revelado por CartaCapital, feito pela Consultoria Legislativa da Câmara, mostrou que 36 deputados federais de 14 partidos não seriam eleitos se as regras aprovadas vigorassem em 2022.

O impacto negativo seria causado pelo novo cálculo de alcance do quociente eleitoral.

Como as sobras funcionam, e o que muda

Nas eleições legislativas, a disputa pelos cargos entre os partidos contém diferentes rodadas até a nomeação de todos os vencedores. Apenas a primeira rodada não leva em conta as chamadas “sobras”.

Na primeira rodada, a regra inicial para os partidos elegerem deputados é ter 100% do quociente eleitoral.

O quociente eleitoral é um dado atribuído a cada estado. Ele é alcançado por meio do seguinte cálculo: o número de votos válidos obtidos naquele estado, dividido pelo número de cadeiras a que o estado tem direito na Câmara, segundo a Constituição.

Em São Paulo, que tem direito a 70 representantes na Câmara, por exemplo, o resultado desse cálculo é o número 332.671. Isso quer dizer que, para disputar a primeira rodada da eleição para deputados por São Paulo, os partidos têm de contabilizar, pelo menos, 332.671 votos no estado, além de ter deputados com boa votação individualmente.

O deputado de São Paulo que tenha 1 milhão de votos, portanto, garante a vaga dele e cria mais duas vagas, porque o seu número de votos é o triplo do quociente eleitoral. Foi exatamente o caso de Guilherme Boulos (SP), que puxou mais dois deputados. Essa primeira rodada acaba quando os candidatos mais votados não conseguem preencher o resto das cadeiras dos seus estados.

O deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA), relator da minirreforma eleitoral. Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

Começa, então, a segunda rodada, que passa a levar em conta as chamadas sobras.

Na regra atual, para qualquer partido “entrar na raia” da disputa pelas sobras, precisa ter recebido, em votos, 80% do quociente eleitoral do seu estado. No caso de São Paulo, 80% de 332.671.

A principal mudança promovida pela minirreforma é aumentar esse índice para 100%. Ou seja, nenhum partido em São Paulo com menos de 332.671 votos para deputados poderá sentar na mesa da disputa pelas sobras.

Parlamentares ouvidos pela reportagem apontam o seguinte cenário: ainda que um deputado de um partido menor obtenha uma quantidade expressiva de votos, ele terá mais chances de ser excluído da disputa e perder para um candidato menos votado, mas de um partido grande.

Isso porque, certamente, o partido grande terá mais facilidade para alcançar o quociente eleitoral e colocar os seus deputados na disputa em todas as rodadas. Enquanto isso, os partidos menores terão mais dificuldades para inserir os seus candidatos na contenda, porque terão de alcançar o quociente eleitoral antes.

Em diferentes unidades federativas, a competição pelas sobras é decisiva para a composição dos parlamentares. O Distrito Federal, que tem oito cadeiras, elegeu cinco deputados por meio das sobras.

Outra mudança na Câmara diz respeito ao desempenho individual exigido para cada candidato ao disputar as sobras. Enquanto na regra anterior o seu número de votos tinha de representar 20% do quociente eleitoral do seu estado, a nova regra passa a estipular o mínimo de 10%.

Lira pressionou por dispositivo

Embora o relator da matéria seja um deputado do PT, Rubens Pereira Júnior (MA), interlocutores da bancada petista afirmaram a CartaCapital que consideram um erro a manutenção do trecho no parecer.

Segundo relatos, o dispositivo foi mantido para “agradar a Lira”. O presidente da Câmara teria jogado duro pela preservação do trecho e colocado em jogo a aprovação de todo o resto da minirreforma. O trecho, então, teria sido mantido em prol de um acordo possível com os líderes do Centrão.

Na avaliação de parlamentares, dois motivos explicam por que a manobra favorece os partidos que funcionam como grandes “máquinas”. Primeiramente, essas legendas terão mais um privilégio na competição pelas sobras. Como consequência, as siglas maiores atrairão mais filiados, porque aqueles que pretendem disputar eleições provavelmente preferirão os partidos que atingirão o quociente eleitoral.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

No caso do PL, apesar de ser um partido grande, há críticos ferrenhos à regra. Segundo avaliações, trata-se de uma legenda frágil, que ascendeu de forma momentânea com a figura do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e, a depender de uma janela partidária, pode perder facilmente os seus filiados.

Ao apresentar o seu parecer, Pereira Júnior disse que o assunto era “o mais controvertido” desde que a minirreforma foi debatida no grupo de trabalhos e que não havia consenso nem no colégio de líderes.

Na argumentação dos favoráveis à nova regra, a justificativa é a do “fortalecimento dos partidos”, em um cenário aglomerado por legendas pequenas. Atualmente, o Brasil tem mais de 30 agremiações.

Essa argumentação é adotada por parte dos petistas. No entanto, outra ala, representada pela própria presidenta do PT, Gleisi Hoffmann, protestou contra o dispositivo na tribuna e declarou voto a favor de um destaque do Podemos, ou seja, um pedido de alteração na proposta, que acabou rejeitado.

A preocupação é de um reflexo negativo nas eleições municipais. A avaliação é que o PT tem mais força nos grandes centros, mas em cidades menores muitos vereadores foram eleitos pelas sobras.

“Sei que esse partido grande que nós temos não é um partido grande em todos os municípios, inclusive nos médios municípios, e principalmente nos pequenos municípios. Então, querer fazer uma regra das sobras com 100/10 é inviabilizar não só a eleição do PT, não só do PSOL, mas do Podemos, de outros partidos”, disse.

Veja outros pontos da minirreforma

A minirreforma eleitoral foi aprovada na Câmara por meio de dois textos: um projeto de lei e um projeto de lei complementar. Conforme mostrou CartaCapital, os demais itens também recebem críticas de movimentos sociais. Um trecho que motivou discussão e acabou derrubado tratava a cassação como pena alternativa para a compra de votos. Os principais trechos mantidos determinam as seguintes mudanças:

  • O enxugamento do período de inelegibilidade;
  • O cumprimento das cotas de gênero por meio da federação, e não mais por meio do partido;
  • A possibilidade de uso do dinheiro de campanhas femininas para despesas comuns com outros candidatos, inclusive propaganda, desde que haja benefício para a candidatura feminina;
  • O fim das prestações de contas parciais durante a campanha;
  • A ampliação do rol de vítimas de violência política contra a mulher;
  • A legalização da doação via Pix;
  • A autorização do uso de recursos públicos para o pagamento de despesas pessoais e para a compra de veículos, embarcações e aeronaves;
  • Antecipa as datas de convenção e registro de candidaturas, para dar mais tempo de julgamento pela Justiça Eleitoral.

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