Política

Arquiteta pediu ajuda de Jair Renan para Bolsonaro receber empresários no Planalto, indicam mensagens obtidas pela PF

Investigado, filho Zero Quatro do presidente nega que tenha feito tráfico de influência e diz que usaram o seu nome para ganho pessoal

Jair Renan, o filho '04' de Jair Bolsonaro. Foto: Reprodução/Redes Sociais
Apoie Siga-nos no

Mensagens obtidas pela Polícia Federal indicam que empresários buscaram a ajuda de Jair Renan, filho do presidente, para se reunir com Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto e obter agendas no governo federal. A PF investiga se o influencer digital “Zero Quatro”, como Renan é conhecido, chegou a interceder em favor de seus parceiros comerciais em troca de patrocínios. Em depoimento, o filho do presidente negou que tenha feito tráfico de influência e disse que usaram o seu nome para obter ganhos pessoais. O advogado Frederick Wassef, responsável pela defesa do filho do presidente, afirma que “todos os atos que estão sendo atribuídos e imputados ao senhor Renan Bolsonaro não são verdadeiros e que não usou a sua posição de filho do presidente da República para marcar reuniões, ajudar, auxiliar, de forma direta ou indireta, quem quer que seja, em nenhum ministério”.

Uma das mensagens analisadas pela PF é um áudio de WhatsApp enviado pela arquiteta Tânia Fernandes, responsável pela reforma do escritório de Jair Renan em Brasília e por desenvolver um projeto de parceiros comerciais do filho do presidente no Espírito Santo. Na gravação, ela diz que que “seria muito interessante” a presença do Zero Quatro em uma agenda com empresários no Palácio do Planalto “porque o teu acesso (a Jair Bolsonaro) é mil vezes mais fácil”. Questionada, Tânia confirmou ao GLOBO o pedido, mas disse que Jair Renan não quis se envolver no negócio e não realizou nenhuma intermediação com o governo federal.

Em setembro de 2020, Jair Renan viajou para o Espírito Santo para conversar com empresários interessados em patrociná-lo e fazer negócios com o governo federal. O encontro tinha como objetivo apresentar ao filho do presidente um modelo para a construção de unidades habitacionais em pedra de granito.

“O seu pai (Jair Bolsonaro), que está à frente desse governo, vai certamente aprovar e vai agradecer por essa iniciativa”, discursou um dos parceiros do projeto em um vídeo divulgado nas redes sociais.

Pouco tempo depois, em novembro de 2020, um desses empresários conseguiu uma agenda com o então ministro Rogério Marinho, do Ministério do Desenvolvimento Regional, para tratar do assunto. Segundo nota divulgada pela pasta, a audiência foi solicitada “pelo senhor Joel Fonseca, assessor especial da Presidência da República”. A reunião contou com a presença de Jair Renan Bolsonaro, da arquiteta Tânia Fernandes e de Allan Lucena. Questionado a respeito desse evento, o filho do presidente disse à PF que compareceu a convite dos participantes e que “entrou mudo e saiu calado”.

Em uma mensagem analisada pela PF, Tânia diz que conversou com um assessor da Presidência, Joel Novaes, a respeito de uma visita de empresários John Thomazini e Wellington Leite, do Espírito Santo, ao Palácio do Planalto. O objetivo era apresentar a Bolsonaro o projeto para construção de unidades habitacionais com pedra de granito. No áudio, transcrito pelos investigadores, a arquiteta diz que a presença de Jair Renan facilitaria o apoio do presidente ao negócio: “Renan amado, eu falei com o Joel, eu vou apresentar o projeto do John quinta-feira de manhã, seu pai vai apresentar o projeto dele quinta-feira de manhã lá pros ministros e tudo mais, e à tarde fazer um passeio com ele e com o Wellington lá na Presidência pra até pra tentar apresentar pro teu pai, entendeu? Pro teu pai recebê-los pra entender, enfim, trocar ali miúdos pra o Exército, Aeronáutica, enfim, a Marinha abraçarem a causa para fazer a primeira vila já experimental, entendeu? E aí seria interessante você muito ir porque o teu acesso é mil vezes mais fácil do que o do Joel né?“.

Essa mensagem, segundo a PF, foi enviada em 17 de novembro de 2020. Dois dias depois, em 19 de novembro de 2020, foi registrado pelo Palácio do Planalto a visita do empresário Wellington Leite, cujo destino foi o gabinete pessoal do Presidente da República. Ele chegou ao local às 15:48:54 e saiu às 16:50:22. Posteriormente, Wellington Leite publicou em uma rede social, no dia 21 de março de 2021, uma foto ao lado de Jair Bolsonaro em um cenário semelhante a um gabinete no Palácio do Planalto. Ele postou a imagem para parabenizar o presidente pelo seu aniversário, sem informar a data do encontro. Não houve registro de agenda oficial entre Bolsonaro e os empresários.

Procurados, o Palácio do Planalto, Wellington Leite, John Thomazini e Joel Fonseca não se manifestaram. O advogado Frederick Wassef, que defende Renan Bolsonaro, alega que os empresários “solicitaram reunião como qualquer pessoa do povo pode e tem o direito de solicitar, por vias legais, via e-mail, tudo oficial”. Tânia afirmou ao GLOBO que o diálogo no qual ela pediu ajuda a Jair Renan para interceder junto a Bolsonaro era um “sonho” inicial do projeto.

— Essas falas que você tem aí, esses áudios, foram sonhos. Sonhos para apresentar ao seu pai (Jair Bolsonaro), pra você mostrar lá pro Exército, enfim, isso aí só foram falas. Que a gente achava que ia acontecer e que não aconteceu. E de fato que coisa boa que não aconteceu. A gente precisou fazer muito estudo na casa. O projeto é lindo e maravilhoso, mas não teve nada demais. Era tudo muito desconhecido para todo mundo — afirmou a arquiteta.

Para verificar se Jair Renan acompanhou os empresários na visita ao Planalto, a Polícia Federal perguntou ao filho do presidente sobre uma imagem na qual ele posava em um cenário parecido com o ambiente de um gabinete do Palácio do Planalto. Jair Renan, entretanto, disse não se recordar onde havia sido feita a fotografia. Os investigadores questionaram se o Zero Quatro havia atendido ao pedido feito pela arquiteta Tânia Fernandes, mas ele negou ter atuado em favor dos empresários.

O Gabinete de Segurança Institucional (GSI) se recusa a fornecer os registros de entrada e saída de Jair Renan no Palácio do Planalto. Para se negar a fornecer os dados, o GSI alega que a publicização dessas informações poderia colocar em risco a vida do presidente da República, além de ferir a Lei Geral de Proteção de Dados.

Em outra mensagem analisada pela PF, o personal trainer Allan de Lucena disse que Jair Renan seria o “padrinho” do projeto das unidades habitacionais. O mesmo grupo empresarial doou um carro elétrico de R$ 90 mil a um projeto social do educador físico, que, em depoimento, afirmou que ele utilizava o veículo. O automóvel foi devolvido após o caso vir à tona.

Mais um diálogo que chamou a atenção dos investigadores ocorreu no dia 27 de setembro de 2020. Ao conversarem sobre a intermediação de interesses de empresários no governo federal, Allan escreveu para Tânia, por meio do aplicativo WhatsApp: “A gente já fez isso”. Tânia perguntou: “Já fez o quê?”. Allan respondeu: “Levar amigos empresários em ministros”.

Em agosto, Jair Renan se reuniu com o secretário de Cultura, Mario Frias, para discutir uma possível parceria em um projeto para promover competições de jogos eletrônicos. Não há registro da participação de empresários no encontro.

Em novembro, o filho do presidente acompanhou empresários capixabas em um encontro com o ministro Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional. Também participaram dessa reunião Allan de Lucena e Tânia Fernandes.

Procurada, a arquiteta afirmou que o projeto das unidades habitacionais com pedra de granito ainda está sob desenvolvimento e validação, mas que não houve facilitação junto ao governo federal. Ela disse que a orientação sobre o procedimento foi dada pelo assessor da Presidência Joel Novaes e que estão seguindo os trâmites indicados pelo Ministério do Desenvolvimento Regional.

— O Renan em momento algum, quanto a esses assuntos, interferiu, foi falar com o pai, foi ter com ministro, em momento algum o Renan esteve dentro dessa situação. Ele nunca se envolveu, e a gente seguiu conforme está no protocolo do Ministério do Desenvolvimento — afirmou Tânia ao GLOBO.

A PF também analisa mensagens em que há indícios de que empresários foram procurados para pagar obras de reforma em uma sala comercial ocupada por Jair Renan em um camarote localizado no estádio Mané Garrincha, em Brasília. Nessas conversas, conforme O GLOBO revelou, a arquiteta responsável pela obra ironizou a busca por patrocinadores e disse que pediriam “bolsa móveis e bolsa reforma”.

Em uma conversa do dia 22 de maio de 2020, Allan disse a Tânia: “Estamos indo já em um patrocinador”. Em seguida, ela respondeu: “Oba, preciso de todos os patrocinadores. Veja as cotas para patrocinar a execução”. No diálogo, o personal trainer disse que, quando o orçamento da reforma estivesse finalizado, seria mais fácil montar as cotas de patrocínio para oferecer aos empresários. “Cota eletrônicos. Cota móveis. Cota reforma. Kkkkkk”, escreveu ele. A arquiteta, então, respondeu: “Kkkkk vamos pedir bolsa móveis, bolsa reforma, bolsa família”. Em tom de deboche, Allan afirmou que esses pedidos poderiam vazar para a imprensa e gerar manchetes a respeito do assunto: “Já já sai na mídia. Filho de presidente pede Bolsa Móveis”.

O filho do presidente negou, em depoimento, ter praticado qualquer irregularidade na reforma de sede de sua empresa. O advogado Frederick Wassef disse que “ninguém patrocinou absolutamente nada” do escritório do filho do presidente

— Não houve patrocínio, reforma, nem nada parecido. Colegas de Renan, não o Renan, que tinham interesse em promover as suas atividades profissionais, inclusive na área de ginástica, e elaboraram projeto de permuta. Não é patrocínio. É uma troca. Então, houve pessoas que emprestaram produtos que depois retornaram à origem após a inauguração (do camarote). E quem cuidou disso não foi o Renan. Muito se fala de reforma e que a tal empresa teria doado pedras. Estamos falando de duas pedras ornamentais que foram apenas emprestadas a título de decoração. O valor dessas pedras é de 600 reais. Essas pedras foram devolvidas — afirma Wassef.

Uma das empresas apontadas como patrocinadoras do projeto de Renan recebeu, desde 2019, R$ 25,4 milhões em contratos para o fornecimento de móveis como poltronas, cadeiras e mesas de escritório ao governo federal.

A PF ainda obteve indícios de que os responsáveis pela reforma buscaram ocultar o nome de Jair Renan no negócio e negociaram a diminuição no valor da reforma caso não fosse emitida uma nota fiscal, sem recolhimento de impostos. O filho do presidente nega qualquer irregularidade.

 

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo