Política

Após governo Bolsonaro, Brasil vive o 31 de março sem comemorar o golpe de 1964

Governo federal extingue leitura da ‘ordem do dia’ e promove a retomada das atividades da Comissão de Anistia

Protesto durante a ditadura no Brasil, iniciada em 1964. Foto: Reprodução
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O golpe de 1964 completa nesta semana 59 anos e, ao contrário do que ocorreu no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a data não será celebrada no mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O governo petista dispensou a leitura da “ordem do dia” e retomou as atividades da Comissão de Anistia, órgão responsável por analisar casos de perseguidos políticos durante a ditadura que perdurou por 21 anos.

Como foi com Bolsonaro

Antes de iniciar a sua carreira política, Bolsonaro fez parte do Exército Brasileiro, formando-se em 1977 na Academia Militar das Agulhas Negras como paraquedista. Em diversas ocasiões – inclusive, durante os seus 28 anos como deputado federal -, exaltou o regime militar e chegou a afirmar, em uma entrevista dada em 1999, que os militares que estavam à frente do regime deveriam ter “fuzilado uns 30 mil corruptos”. 

Em 2016, ao votar pelo impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT), Bolsonaro exaltou a memória de Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos principais responsáveis pela prática de tortura no DOI-Codi, em São Paulo (SP). A chegada de Bolsonaro ao poder levou esse dircuso ao nível do Executivo Federal. Em razão disso, o 31 de março, entre 2019 e 2022, foi tratado da seguinte maneira:

  • Nos quatro anos de governo Bolsonaro, o Executivo orientou que os quartéis celebrassem o golpe de 1964, por meio de uma “ordem do dia”. Desde que o Ministério da Defesa foi criado, em 1999, era a primeira vez que a pasta fazia esse tipo de leitura;
  • No dia 31 de março do ano passado, especificamente, Bolsonaro questionou sobre o que seria o Brasil sem “as obras do governo militar”. Segundo o ex-presidente, o Brasil “não seria nada”;
  • Este ponto não diz respeito, especificamente, ao dia 31 de março, mas ao tratamento dado ao governo anterior ao regime militar. A Comissão de Anistia, criada em 2002, foi aparelhada por militares durante o governo Bolsonaro, de modo que, entre 2019 e 2022, o órgão julgou 4.285 processos e 95% (4.081) dos pedidos de indenização foram rejeitados;
  • No dia 7 de setembro de 2022, data próxima do primeiro turno das eleições presidenciais, Bolsonaro fez referência ao golpe militar de 1964. Na ocasião, o ex-presidente aludiu ao golpe militar, dizendo que “a história pode se repetir”. A declaração foi interpretada como uma ameaça bolsonarista à ordem democrática.

Mudança com Lula

A mudança de tratamento do atual governo em relação ao anterior sobre o tema tem relação com o histórico de Lula com a questão. Tendo iniciado a sua carreira política como sindicalista no ABC de São Paulo, na década de 1970, Lula participou da campanha das “Diretas Já”, que exigia a abertura do regime. 

Um ponto mais recente, porém, ajuda a compreender a mudança do governo brasileiro sobre o golpe militar: no dia 8 de Janeiro, manifestantes bolsonaristas invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília (DF). Uma das consequências foi a troca de comando no Exército.

“Semana do Nunca Mais: Memória Restaurada, Democracia Viva”: Desde a última segunda-feira 27, o governo federal promove uma série de ações, coordenadas pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, visando retomar agendas institucionais pelo que o governo chama de “preservação da memória”.

Na prática, o governo busca interromper a celebração do autoritarismo e incentivar debates sobre o regime militar. Uma das ações foi uma reunião do ministro Silvio Almeida com familiares de pessoas mortas e torturadas pelos militares. Outra foi, como dito anos, a reinstalação da Comissão de Anistia;

Extinção da leitura da “ordem do dia”: o comandante do Exército, general Tomás Paiva, decidiu que, neste ano, não haverá a leitura. Nas palavras dele, “o normal” é não celebrar este dia [31 de março];

Punição a militares que comemorarem a data: segundo informações do jornal Folha de S. Paulo, o general Tomás Paiva determinou que a punição será dada a militar que comemorar a data e àqueles que participarem de eventos organizados por militares da reserva.

Passado e presente

A mudança se insere em um contexto que é a forma como o próprio Estado brasileiro e a sociedade encaram o passado autoritário. Com uma democracia ainda jovem e um processo de transição democrática marcado pela ausência de punição concreta a militares do regime, o Brasil representa um caso único, quando comparado a outros países que viveram regimes militares na segunda metade do século XX, como Argentina e Uruguai.

 O mesmo se pode dizer sobre a exaltação da memória de um dos principais torturadores do período dentro da Casa Legislativa que foi fechada pelos militares. A questão tem a ver com o direito à memória. Adotando um modelo próprio – questionado por defensores do regime democrático e comumente lembrado por Jair Bolsonaro -, o Brasil permite a presença de militares em cargos políticos.

Um trecho da Constituição, o artigo 142, que dá margem a interpretações sobre o “poder moderador” das Forças Armadas. Parlamentares do PT, como noticiou CartaCapital, querem mudar o texto.

Desde o fim do regime, a principal iniciativa institucional direcionada à memória do País sobre o tema foi o trabalho realizado pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), entre 2011 e 2014. No seu relatório final, a CNV listou o nome de pessoas mortas e desaparecidas durante o regime, chegando à conclusão de que 191 foram assassinadas e 243 desapareceram (434, ao total). Ainda assim, os membros da CNV reconheceram, ao final, que o número não era definitivo e poderia ser maior. Segundo a organização não governamental Human Rights Watch, aproximadamente 20 mil pessoas foram torturadas pelos militares durante o regime.

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