Política

Além da economia, cautela com o Congresso e desafio à extrema-direita marcam café de Lula com jornalistas

O presidente vê o País como um ‘polo de resistência’ a bandeiras e atitudes dos extremistas

O presidente Lula em café da manhã com jornalistas, em 23 de abril de 2024. Foto: Ricardo Stuckert/PR
Apoie Siga-nos no

Seis meses depois, o presidente Lula voltou a receber jornalistas em um café da manhã no Palácio do Planalto. A realização do encontro havia sido comunicada à mídia durante o fim de semana. Uma semana que tinha terminado com sinais de vida difícil para o governo no Congresso, em razão, por exemplo, de gestos do comandante da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).

Diante dos jornalistas nesta terça-feira 23, Lula mostrou tranquilidade com a situação, sem externar queixas com o Parlamento. Na declaração inicial, antes de responder a dez perguntas, priorizou a economia, sobre o qual vestiu o figurino otimista. Na fase das perguntas, exibiu disposição particular para analisar a extrema-direita global.

Para Lula, “o Brasil é um polo de resistência” a bandeiras e atitudes da extrema-direita, como racismo, perseguição a minorias, xenofobia, conservadorismo nos usos e costumes. Ele defende uma articulação internacional ampla contra esse extremismo, da mesma forma que os próprios extremistas têm agido, vide a aliança de Jair Bolsonaro e Elon Musk, o dono do ex-Twitter.

“Os setores de esquerda, os setores progressistas, os setores democráticos têm que se organizar, têm que se preparar. Já falei com o Pedro Sánchez [primeiro-ministro espanhol], falei com o [presidente francês Emmanuel] Macron, eu estou tentando ver se a gente consegue fazer uma reunião com os chamados presidentes democratas, por ocasião da Assembleia Geral das Nações Unidas [em setembro], para a gente definir uma estratégia, a nível internacional, para enfrentar o crescimento da extrema-direita e suas matizes. É um problema novo na política.”

O que não é novo na política, e neste caso Lula referia-se à política doméstica, são os atritos governamentais com o Legislativo. “De todos os projetos que o governo mandou para o Congresso Nacional, todos foram aprovados. Todos. Então, qual é a briga como Congresso? A briga é o normal da divergência política num Congresso que tem vários partidos políticos que têm programa diferente.”

A “briga normal” levou Lula a ter uma conversa com Arthur Lira nos últimos dias. Foi depois de o deputado ter avisado a interlocutores a portas fechadas que instalaria várias CPIs existentes na gaveta dele e de atacar publicamente, e com contundência, o chefe da articulação política lulista, o ministro Alexandre Padilha. O teor exato do tête-à-tête? Lula preferiu não falar.

Nos próximos dias, deverá encontrar-se também com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Tentou em 19 de abril, mas o senador não podia, por ter tomado vacina. Cabe a Pacheco logo pôr em votação, na qualidade de chefe do Congresso, alguns vetos feitos por Lula a leis aprovadas pelos parlamentares. Promessa de derrota à vista para o Planalto.

Um exemplo é o veto que liberou presidiário que não cumpre pena por crime hediondo da proibição de visitar a família de vez em quando, a chamada “saidinha”. A proibição foi proposta pelo bolsonarismo no Senado.

O que Lula quer que o Congresso vote é um pacote econômico complementar à reforma tributária de 2023. A reforma mudou parte da cobrança dos impostos indiretos, incidentes no consumo (comércio de bens e serviços). Entre os complementos, está a forma de tributar a cesta básica. Sobre cesta básica, Lula bateu o martelo com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na segunda-feira 22.

“Estamos muito certos de que é preciso facilitar a vida do povo, e facilitar a vida do povo é a gente cobrar nada [de impostos] da cesta básica”, declarou. “Ou você abaixa o preço da comida ou aumenta o salário o povo.” Salário que tem estado igual há dez anos, de 2,9 mil a 3 mil por mês, conforme divulgação periódica do IBGE. Empobrecimento das pessoas, portanto, dada a inflação acumulada em uma década (de 76% entre 2014 e 2023).

A reforma tinha como outra ação complementar alterações no Imposto de Renda. O Brasil tem um sistema tributário injusto, que pune mais os pobres (através dos impostos indiretos e das alíquotas e faixas do IR). Desde a eleição, Lula promete mexer no vespeiro. Mas, sobre isso não falou, nem foi perguntado.

O que ele falou espontaneamente, mesmo sem indagações, foi sobre seu “otimismo” com a economia: “Vai crescer mais do que todos os chamados especialistas falaram até agora”. Em 2023 o PIB avançou 2,9%. As previsões iniciais do dito “mercado” apontavam menos de 1%. Para 2024, o mesmo “mercado” vê algo abaixo de 2% e, neste caso, o time de Haddad acredita que será menos do que no ano passado, algo em torno de 2,2%.

O crescimento em 2023 concentrou-se no primeiro semestre, o segundo foi de estagnação. Não por acaso, o ibope de Lula e seu governo recuou entre o fim de 2023 e o início de 2024. Lula é aprovado por 50% dos brasileiros e reprovado por 45%, conforme a média de duas pesquisas de março, a Genial/Quaest e a Ipec, o ex-Ibope. Entre agosto e setembro de 2023, os números eram 58% e 37%, respectivamente. Em dezembro passado, eram 52% a 43%.

“Um político que tiver preocupação com pesquisa no começo do seu mandato não está preparado para ser político”, disse o presidente. “Você sai de uma campanha, e eu tenho clareza de todas as coisas que prometi ao povo brasileiro (…), e é normal que a expectativa que não foi atendida gere mau humor na sociedade (…). A mim não me incomoda, porque eu sei o que estamos fazendo e o que estamos plantando.”

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo