Política

A irritação de Lula com o tal ‘mercado’

O presidente não tem ilusões: diante de seus planos de combater as desigualdades, a união nacional pós terrorismo bolsonarista não irá durar

O presidente Lula em café da manhã com jornalistas. (Foto: Ricardo Stuckert/Secom)
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Luiz Inácio Lula da Silva está irritado. E não é só com aqueles policiais e militares que, para ele, foram coniventes com a insurreição bolsonarista em Brasília. Seus planos para o governo enfrentam má vontade do tal ‘mercado’. Um ente abstrato que faz a bolsa cair e o dólar subir sempre que lulistas falam em botar mais dinheiro público na praça, mas que não teve a mesma reação após o “Capitólio brasileiro”.

“Eu às vezes fico muito, mas muito irritado, e peço desculpas pras pessoas porque fico irritado, [mas] o mercado não tem coração, não tem sensibilidade, não tem humanismo, não tem nada de solidariedade”, disse o presidente em um café da manhã com jornalistas nesta quinta-feira 12, no Palácio do Planalto. 

Ele respondia a uma pergunta de CartaCapital sobre como pretende levar adiante um compromisso assumido na posse. 

No discurso de 1o de janeiro, Lula alçou o combate às desigualdades como bandeira. Uma semana depois, o fracassado golpe bolsonarista uniu o País, como se viu em uma reunião tida pelo presidente com os chefes dos demais Poderes e todos os governadores – e também na cobertura da imprensa. Segundo uma pesquisa Datafolha, 93% dos brasileiros condenaram os atos violentos em Brasília.

Os planos lulistas para reduzir a concentração de renda, porém, tendem desfazer essa união – e não vai demorar.

“É preciso fazer com que as pessoas mais ricas paguem mais impostos do que os pobres, porque hoje os pobres pagam mais imposto comparativamente do que os ricos”, prosseguiu o petista. “As pessoas vão ficar irritadas, vão ficar nervosas, mas nós vamos fazer com que esse povo deixe de ser miserável.”

O café da manhã durou uma hora e quarenta minutos. Foi um gesto da Presidência para aproximar Lula da imprensa que acompanha o dia a dia do Planalto, uma prática do petista em seus mandatos anteriores e algo a mandatários. Havia cerca de 30 jornalistas presentes. Ao lado de Lula, estavam a primeira-dama, Rosângela da Silva, a Janja, o ministro da Comunicação Social, Paulo Pimenta, e o secretário de Imprensa da Presidência, José Crispiniano.

Na última reunião com os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet, contou Lula, ele pediu para a equipe econômica não usar a palavra “gasto” para se referir à destinação verba pública para saúde, educação e combate à fome. O motivo? “O ‘mercado’ construiu uma narrativa que tudo o que você faz no Brasil que não seja pagamento de juros é gasto”, disse. “Nós temos que tratar como investimento.”

Esse mesmo “mercado” não tacha de “gasto” a grana que o governo paga de juros da dívida, algo de que o sistema financeiro tira proveito, salientou Lula. “Eu nunca vi a Febraban [Federação Brasileira dos Bancos] se reunir e dizer que está preocupada em pegar uma parte do juro que recebe para dedicar ao padre Júlio Lancelotti, para cuidar do morador de rua. Eu nunca vi. Quem tem que cuidar disso é o Estado. Ou as pessoas fazerem solidariedade.”

O presidente que mostrou não ter ilusão de que a união nacional nascida do antibolsonarismo irá perdurar. “O que aconteceu [no dia 8] foi um alerta, um alerta muito grande, que nós temos que ter mais cuidado.” Também não se ilude com a morte política do adversário. “A gente ganhou uma eleição, nós derrotamos o Bolsonaro, mas o bolsonarismo está aí, e o bolsonarismo fanático é uma coisa muito delicada.”

Uma das prioridades de Lula nestes primeiros dias de volta ao poder é depurar o Planalto de todos os partidários do antecessor. É o equivalente à “despetização” de que Bolsonaro falava em 2019. “Estamos num momento de fazer uma triagem profunda, porque a verdade é que o Palácio estava repleto de bolsonaristas, de militares”, afirmou Lula. 

Para isso, serão recrutados funcionários de carreira, de preferência civis. 

“Eu voltei para consertar o País. Quero que vocês vigiem, que vocês acompanhem, porque só tem uma razão para eu poder ter voltado a ser presidente”, declarou o petista. “Esse povo precisa voltar a sorrir, a ser feliz.”

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