Política

“A cidade também é um espaço educador”, diz deputada que propõe retirada de estátuas de escravocratas

Deputada estadual de São Paulo protocolou projeto para remover estátuas e homenagens a escravocratas

Deputada estadual Erica Malunguinho. Foto: Carol Jacob/Alesp
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A deputada estadual de São Paulo Erica Malunguinho (PSOL) protocolou nesta quarta-feira 24 um Projeto de Lei para que o Estado retire estátuas e monumentos que prestam homenagem a escravocratas.

“Significa um marco na revisão de uma história contada pelo prisma dos detentores do poder que ao mesmo tempo foram violadores da vida e da humanidade. Educação não se faz apenas na escola. A cidade também é um espaço educador”, justifica ela em entrevista a CartaCapital.

Em sua proposta, Erica pede que o Estado retire monumentos da cidade de São Paulo e guarde em Museus Estaduais para a preservação histórica. A ideia é que uma comissão seja criada para fazer um levantamento de quais estátuas seriam retiradas. “Os museus podem e devem a partir da ciência museológica atualizada, garantir a informação pertinente a história do sujeito homenageado, a sua imposição no imaginário social quando se materializa em monumento, sua retirada e todas as informações artísticas que o atravessam”, justifica.

“Não é sobre campanhas anti-racistas apenas, não se trata do discurso apenas, mas de práticas que demonstrem o trabalho em prol a desconstrução do racismo e demais violências estruturais”, diz.

A proposta vem em um momento que o mundo passa por protestos pela vida das pessoas negras, que ganharam força após a morte do americano George Floyde, homem negro que foi estrângulado por um policial branco. Em lugares como Reino Unido e EUA manifestantes retiraram estátuas que prestavam homenagem a escravocratas.

Em seu projeto, Erica também questiona a falta de homenagens a personalidades negras da história brasileira. “Na região central da cidade de São Paulo, por exemplo, encontramos, apenas, três edificações que fazem referência à presença negra: a Herma de Luiz Gama, no Largo do Arouche; a estátua de Zumbi, na Praça Antonio Prado; e a estátua da Mãe Preta, no Largo do Paissandu. As placas, nomes de praças, ruas, escolas, entre outros, são raros. Não pela ausência de negros e negras no espaço urbano, mas sim pelo apagamento dessas existências”, diz a parlamentar.

Confira a entrevista completa:

CartaCapital: O que significa para a senhora  a retirada das estátuas?

Erica Malunguinho: Significa um marco na revisão de uma história contada pelo prisma dos detentores do poder que ao mesmo tempo foram violadores da vida e da humanidade. O crime cometido e julgado, chamado escravidão, trouxe ônus irreparáveis para a sociedade brasileira. Os símbolos praticados deste período enaltecem a medida que demarcam um território físico (espaço, praça, passeios públicos) e também o fazem com o imaginário, induzindo a como será lida a história. É uma espécie de comissão da verdade patrimonial.

CC: Por que guardá-las em museus?

EM: Os museus são espaços educativos e lá eles podem apresentar a história de uma forma mais organizadaNão se trata de apagar a história como alguns que mantém um afeto, um imaginário racista de estimação tentam distorcer. Os museus podem e devem a partir da ciência museológica atualizada, garantir a informação pertinente a história do sujeito homenageado, a sua imposição no imaginário social quando se materializa em monumento, sua retirada e todas as informações artísticas que o atravessam.

Para escolha da manutenção de um símbolo, porque nem tudo que aconteceu na história da humanidade cabe em materialidades, é necessário justificar sua permanência. Inclusive isso é algo que sempre aconteceu, com obras de arte, construções e com a principal patrimônio desta terra que até hoje não titubeiam em destruir que são os territórios indígenas. Considero que isso é fazer a escolha do lado certo, do lado de quem são devidas as reparações no imaginário coletivo e no reconstruir uma sociedade diferente da que legou a todos esse estado de violências e dores.

CC: O que colocar no lugar?

EM: Essa é uma decisão que cabe à sociedade fazer, mas como se trata de reparação e defendo isso, deve ser escrito o outro da história. Da luta pela emancipação, da existência dos povos violentados. Veja, como disse anteriormente, o ônus é irreparável. As chagas da escravidão não apenas respinga como alicerçam as relações sociais. Desconstruir isso perpassa por uma tarefa multidisciplinar, na qual também consta o registro material que nutra um imaginário positivo dos que foram invisibilizados e com isso possamos caminhar rumo à equidade, perpassando obviamente pelo reequilíbrio da exposição a determinadas imagens.

CC: Se o estado não tirar, ele estará sendo racista?

EM: O estado é racista a priori. Se negar a revisar sua construção racista só reafirma sua opção em manter essa prerrogativa. Uma excelente pergunta a se fazer é quanto o estado se dedica a lutar contra o racismo? Qual o orçamento dedicado a políticas de promoção da igualdade racial (política pública se faz com dinheiro), todas as operações em nenhuma circunstância se referem a redução de desigualdades, aliás esse é um discurso raramente visto. Quando o é, se trata de assistencialismo que é fundamental, mas não rompe com a urgência necessária um sistema tão bruto quanto o racismo.

E como todo sistema ele deve ser retroagido sistematicamente em todos os dispositivos de atuação do estado. Não é sobre campanhas anti racistas apenas, não se trata do discurso apenas, mas de práticas que demonstrem o trabalho em prol a desconstrução do racismo e demais violências estruturais. É só observar a fragilidade e carência nos territórios indígenas, quilombolas e periferias, eles são uma amostra exata de como o racismo está presente. Diretamente proporcional é que em se tratando de patrimônio, esses mesmos territórios não recebem o olhar de cuidado e preservação que a memória afetiva racista do brasileira tem. Gostaria de ver os amantes dos monumentos racistas, sendo enfáticos no preservacionismo da história negra e dos povos originários.

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