Opinião
Os presidenciáveis deveriam dar mais atenção à reindustrialização
O Brasil e a América Latina estão diante da oportunidade histórica de promover uma robusta retomada
A pandemia gerou uma oportunidade histórica de reindustrialização da América Latina. O Brasil vem sofrendo um longo processo de desindustrialização, que dura 40 anos. As causas são múltiplas: históricas, sociais, econômicas, políticas, estruturais, educacionais e culturais.
Escolhas estratégicas erradas e ineficiências do Estado e dos governos são elementos agudos desse processo. Escolhas erradas em relação à globalização também aceleraram esse processo. Na indústria, há um deserto de lideranças fortes e lúcidas que impulsionem o setor para a inovação e a modernização. Enquanto países como China e Coreia do Sul aproveitaram a globalização para saltar rumo ao futuro, andamos para trás. Ao invés de sair da nossa trágica normalidade, nós afundamos nela.
Nos anos de 1980, a indústria participava com cerca de 33% na composição do PIB. Hoje, seu peso é menos que a metade. O setor da indústria era superavitário na balança comercial. Hoje é deficitário. O Estado investe pouco mais que nada e o Investimento Estrangeiro Direto vem caindo. Empresas estrangeiras estão saindo do País. Em 2020, encerraram suas atividades a Ford, a Sony e a Mercedes-Benz. Mais de 5 mil fábricas fecharam as portas.
Mas por que surge uma possibilidade de mudar este cenário? O contexto da pandemia gerou uma enorme crise de logística e dos transportes. Se a globalização havia proporcionado transportes e fretes marítimos baratos, nos dois últimos anos, em vários casos, os valores saltaram até 1.000%. Há escassez de contêineres e de navios. A situação afetou tanto a produção quanto o consumo em diversos países. Faltaram peças para produzir e produtos para consumir. Tudo ficou mais caro.
Embora o fim da pandemia possa trazer alívio nos preços e um aumento de oferta de peças e de produtos, os especialistas dizem que a situação não voltará ao estágio pré-pandemia. Este é o momento, a ocasião que se oferece para a reindustrialização. Algumas empresas perceberam esta oportunidade. Em vez de esperarem peças e produtos da China, começaram a fabricar os componentes no Brasil.
A crise mostrou a conveniência da autonomia produtiva. Se a globalização e a abertura de mercados haviam revelado as facilidades e os custos e preços mais baratos da produção e do consumo, agora a crise mostra as vantagens da redução da dependência externa.
Não que o mundo globalizado e interdependente vai acabar. O que está em curso é um reequilíbrio na relação dependência/independência, quando se fala de produção e consumo. Os bens e insumos tendem a ser produzidos mais perto de casa e das linhas de montagem. Os conteúdos locais e regionais ganharão fôlego em relação aos conteúdos globais. Não se trata de antiglobalismo, e sim de reequilíbrio entre o global e o local.
Estamos em ano eleitoral e os programas de governo terão de se debruçar sobre o tema. É possível e necessário recuperar setores que foram perdidos. Mas os programas deveriam olhar mais para o futuro do que para o passado. A agenda do desenvolvimento futuro terá de ter a sua centralidade na sustentabilidade, na crise ambiental, na descarbonização. O país que não tiver esse foco está destinado a ficar para trás.
Existem outras tendências importantes: a economia digitalizada, descentralizada, mais livre, menos regulada, principalmente nas transações financeiras, é a revolução do momento. Se o mundo da produção está passando por uma mudança extraordinária, o mundo do trabalho o acompanha. Inclusão e diversidade, trabalho remoto, habilidades comportamentais, coworkings, combinações entre o robótico e o artesanal, economia compartilhada, entre outras, são novas tendências da produção e do trabalho.
Qual o papel do Estado diante dessas tendências? Esta é uma resposta que os candidatos precisam apresentar. O Estado pesado do velho nacional-desenvolvimentismo não tem mais lugar neste mundo. Tampouco o Estado burocrático atual, de privilégios, ineficiente, capturado pelas elites e pelos partidos, também precisa ser superado.
O Estado precisa ser pensado como um ente garantidor do bem-estar, do desenvolvimento humano (educação, saúde, habitação, segurança, cultura), da garantia dos direitos e da sustentabilidade. Impedir a produção predadora e salvar o planeta é uma demanda universal e um dever irrenunciável do Estado.
A regulação, a mediação dos conflitos e a garantia da lei justa, da igualdade, da liberdade e da democracia devem ser preocupações centrais nestes tempos sombrios. O Estado deve ser facilitador e garantidor desses bens. A justiça e a igualdade são pressupostos e finalidades da sustentabilidade. O planeta não será salvo sem a efetividade de ambas. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1192 DE CARTACAPITAL, EM 26 DE JANEIRO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Segunda chance”
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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