Economia

Fim das operações da Ford gera prejuízo de R$ 5 bilhões para a Bahia

Montante equivale a 2% do PIB do estado. Somente no polo de Camaçari, estima-se que 60 mil trabalhadores sejam afetados

Trabalhadores da Ford participam de um protesto em frente à fábrica da Ford em Camaçari, na Bahia, Brasil (Foto: RAFAEL MARTINS/AFP)
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por Gabriel Andrade, de Salvador, em colaboração para CartaCapital

O fim das atividades da Ford no Brasil pode afetar toda uma cadeia produtiva da indústria. Somente em Camaçari, na Bahia, estima-se que 60 mil empregos e centenas de empresas sejam afetadas, gerando um prejuízo de R$ 5 bilhões para a economia do estado.

Esse valor equivale a 2% do PIB do estado, segundo estimativa de 2019 feita pela Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia.

A cadeia de produção automobilística é extensa. Por isso, o impacto vai muito além do desemprego para trabalhadores da montadora. A engenheira Márcia Ângela Nori explica que o complexo Ford reúne várias empresas que participam diretamente da produção dos automóveis – as chamadas integradas -, além de companhias prestadoras de serviços: segurança, alimentação, equipamentos.

Localizada na Região Metropolitana de Salvador, Camaçari tem cerca de 300 mil habitantes. Vive das indústrias químicas, petroquímicas e automobilísticas e  instaladas no local: DuPont, Braskem, Tigre, Petrobras e outras.

Quatro em cada 10 empregos formais da cidade estão na indústria. E cerca de 10% da arrecadação vem do polo industrial

Nori, também presidente do Sindicato dos Engenheiros da Bahia, vê o cenário com pessimismo. “As autopeças e empresas integradas ao complexo Ford dificilmente irão sobreviver. E as de apoio à produção e de serviços terão queda de faturamento e corte de empregos. Muitas irão fechar as portas”, analisa.

De acordo com os cálculos do economista Guilherme Dietze, da Fecomércio-BA, a despedida da Ford prejudica mais de mil trabalhadores formais na indústria de peças e acessórios da região.

“Sem falar nas indústrias de pneus, tecidos para estofados, entre outros produtos que compõem os veículos e que serão forçados a reduzir a produção ou até mesmo fechar as portas”, explica ele. Outros impactados serão os trabalhadores terceirizados em serviços de limpeza, de alimentação e transporte.

A saúde pública também deve ser afetada, já que os ex-funcionários vão perder o plano de saúde, podendo sobrecarregar o SUS de Camaçari, já assoberbado pela Covid-19. Atualmente, a cidade tem 100% dos leitos de UTI para Covid-19 ocupados.

Pessoas ligadas a empresas que prestam serviço para a Ford relataram reservadamente à reportagem o temor de os impactos da saída da Ford sejam ainda mais duros que o previsto. “Não caiu a ficha ainda, estamos tentando entender o que aconteceu, na esperança de que algo melhor vai acontecer”, conta uma gestora. “São negócios muito representativos, a gente ainda não parou para mensurar o quanto isso vai ser prejudicial pra gente, mas é impactante. Para muitas, pode significar o fim das operações”.

A Secretaria da Fazenda da Bahia calcula um rombo anual na arrecadação do ISS de cerca de R$ 30 milhões. A perda estimada em ICMS deve ser de R$ 100 milhões a partir de 2023.

Governador e sindicato tentam conter danos

Desde o anúncio, o Sindicato dos Metalúrgicos de Camaçari tem realizado protestos na sede da empresa. O presidente da entidade, Júlio Bonfim, reclama da falta de diálogo com os trabalhadores. Segundo ele, a reunião com os representantes da Ford América do Sul não teve “nenhum espaço para negociação, para encontrar uma solução que não fosse o fechamento”.

Além da manifestações, o sindicato tenta, junto ao governo do estado, atrair outras montadoras para a planta deixada pela Ford. Quatro montadoras chinesas mostraram interesse em se instalar por lá: Great Wall Motors, Changan Auto, Gelly e GAC.

Primeira fábrica de automóveis do Brasil, a Ford chegou a Camaçari em 2001, após uma longa negociação e em meio à uma ferrenha disputa entre estados. A fábrica baiana concentra a maior parte da produção de veículos de passeio, como o novo Fiesta e EcoSport. Com um investimento inicial de U$ 1,2 bilhão, chegou a produzir 250 mil carros por ano.

Em assembleia, trabalhadores de Camaçari, na Bahia, discutiram fechamento da Ford. Foto: Sindicato dos Metalúrgicos de Camaçari

A Ford foi também primeira montadora com fábrica Nordeste. Somente em 2019, pagou R$ 200 milhões em impostos na Bahia, valor que caiu quase à metade no ano passado, em razão da pandemia.

O polo de Camaçari é responsável por 30% das exportações da Bahia e 22% do PIB da indústria de transformação do estado. Em nota, a Prefeitura de Camaçari, em nota, classificou o prejuízo como ‘imponderável’ especialmente em momento de crise econômica e sanitária.

Diante do fechamento, o governador da Bahia, Rui Costa (PT), mandou um recado ao governo Bolsonaro. “Infelizmente, são centenas de indústrias que vão fechando, semana após semana, já que temos um país que não cuida da sua economia, não garante segurança institucional a seus investidores e não faz as reformas necessárias”, disse.

Já presidente Jair Bolsonaro disse que a empresa não fala a “verdade” e que queria subsídios para continuar no país.

“Vocês querem que continuem dando R$ 20 bilhões para eles, como fizeram nos últimos anos? Dinheiro de vocês, do imposto de vocês”, disse a apoiadores, na saída do Palácio da Alvorada, nesta terça-feira 12.

335 milhões em empréstimos

Quem também não ficou feliz com a fuga da empresa foi o BNDES, que agora cobra explicações à Ford sobre a decisão de finalizar a produção no Brasil. Segundo o banco, atualmente, dois empréstimos estão ativos para desenvolvimento de novos veículos e ações sociais, no valor de R$ 335 milhões.

Um dos contratos com a Ford, firmado 2014, custou ao BNDES R$ 178 milhões. O pedido de verba pela concessionária teve como objetivo desenvolver novas tecnologias e apoiar a aquisição de máquinas e equipamentos para a fábrica de Camaçari.

A empresa atribui o fechamento a uma reestruturação mundial das montadoras, impulsionada pelas transformação necessárias à fabricação de carros elétricos. Por isso, muitas têm abandonado mercados menos lucrativos, como era o caso do Brasil.

Os impostos são mesmo o problema?

Para a engenheira Nori, a solução definitiva para o fechamento desta e de outras empresas é a realização de uma reforma tributária que simplifique o pagamento de tributos. “Que desonere a produção e o consumo – que no Brasil são alíquotas proibitivas – e que faça oneração do capital, dos lucros e dividendos da propriedade, que tem alíquotas máximas de 1,5%”, explica. O Brasil, completa, precisa de uma política industrial e de uma política de distribuição de renda com objetivo de aumentar o mercado consumidor brasileiro.

A carga tributária sobre carros brasileiros é uma das mais altas do mundo, segundo cálculos do setor. Comparados ao exterior, os preços ao consumidor também são abusivos. O setor automobilístico, entretanto, sempre foi um grande beneficiários de isenções fiscais. Nos últimos vinte anos, segundo cálculos do Dieese, a Ford recebeu R$ 20 bilhões em descontos. De um lado a pujança industrial faz crescer o PIB, de outro, o excesso de benesses acostumou mal a indústria, que se recusa a andar com as próprias pernas.

Esses benefícios, aliás, não foram acompanhados de transferência de tecnologia. Programas como o Inovar-auto e o Rota 2030 falharam ao não cobrar mais contrapartida em tecnologia – o investimento em pesquisa e desenvolvimento das montadoras no Brasil é três vezes menor que a média mundial. Enquanto o mundo fala em carro elétrico, ainda estamos presos aos motores flex.

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