Opinião

Pergunta de Gilmar Mendes sobre a existência da PRF não poderia ser mais oportuna

Os policiais honestos, remanescentes, poderiam ser realocados, por exemplo, para a defesa civil e a ambiental

Centro de comando da PRF em Brasília. Foto: José Cruz/Agência Brasil
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“A ignorância não fica tão distante da verdade quanto o preconceito” – Denis Diderot

De fato, o preconceito encerra, antes de sairmos em busca da verdade. Por definição, é ignorante, inerte e fadado a ser sepultado, pois é morte.

Um exemplo: na cultura machista brasileira, ainda persiste a falsa crença na superioridade masculina. Por esse motivo, vemos homens (inclusive bispos e padres) opinando sobre os corpos femininos, em um país em que metade dos abusos sexuais ocorre dentro das famílias e em que 57% das mulheres grávidas têm menos de 17 anos.

A fala das cúpulas eclesiásticas é forma evidente de violação das mulheres, a qual, porém, é vista com naturalidade, como se de crime de abuso também não se tratasse.

No momento em que o Supremo Tribunal Federal retoma o debate sobre a descriminalização do aborto, por iniciativa justamente de uma mulher, a ministra Rosa Weber, nunca é demais notar a violência de homens poderosos, querendo impor suas projeções malignas às mulheres.

Entre essa atitude e a dos estudantes de medicina, de faculdade privada, que fizeram masturbação coletiva e pública em jogo de vôlei feminino. não existe diferença substancial.

Também naquele campo eclesial vemos a África à frente da América Latina: o colegiado de bispos de toda a África enviou, na semana passada, correspondência ao presidente da Comissão da União Africana, congratulando-se com o ingresso da UA no G 20.

Uma fineza diplomática do gênero sequer pode ser imaginada por estas plagas…

Vale observar com que pano de fundo aquele continente teve de lidar na semana passada: terremoto no Marrocos, com mais de 2.500 mortes, e dilúvio na Líbia, com mais de 11.000 mortos…

Nessas horas a tentação de parafrasear o ex-presidente do México Lázaro Cárdenas é grande: “Pobre América Latina, tão perto dos Estados Unidos da América e tão longe de Deus”. Por oportuno, o Congresso mexicano acaba de aprovar a descriminalização do aborto.

Vale lembrar que, por força da criminosa intervenção do Ocidente na Líbia, empalando Muamar Ghadafi, aquele país tem dois “governos” atualmente (o que os ocidentais também promovem no Sudão…).

Imaginemos, então, nós brasileiros que recentemente tivemos de responder às dramáticas inundações no Rio Grande do Sul as limitadas possibilidades da resposta em um país cindido ao meio…

Mas teremos a humildade de aprender com os irmãos e irmãs africanos essa sofisticação no acompanhamento dos negócios externos, como fazem os bispos católicos africanos? Tenho dúvidas: maior do que nosso machismo só nosso preconceitos racial e cultural.

Vale observar que o desastre na Líbia tomou tal proporção pela falta de governo: duas barragens explodiram com a força das águas, sobre cujo risco a cidadania reiteradamente advertira.

Com que dificuldades tem de lidar o continente africano, após séculos de exploração ocidental!

Três países que recentemente sofreram golpes de Estado militar, Mali, Níger e Burkina Fasso assinaram, na semana passada, pacto de ajuda recíproca em caso de intervenção externa. Dessa forma, buscam legitimar e defender a ruptura democrática nos respectivos países, todos os três impregnados por armas e homens oriundos da Líbia, indiretamente, portanto, financiados pelo sempre desestalizador Ocidente.

Mas o Norte não se dá por vencido, mesmo em face de uma natureza que demonstra não poder mais manter a vida humana sobre a Terra.

Para aquecer ainda mais o planeta, a Organização do Tratado do Atlântico Norte acaba de anunciar a realização do maior exercício militar desde o fim da guerra fria…

Isso enquanto a Antártica apresenta derretimento recorde dos glaciares…

Com efeito, todos os cinco continentes apresentam evidências da exaustão do atual modelo de desenvolvimento. Na Ásia, por exemplo, a China perdeu 20% do tradicional cultivo de chá, por secas e excesso de chuvas sucessivas. A colheita remanescente foi literalmente amargada, pelo excesso de polifenóis presentes nas folhas.

Em Abraçar a dúvida (editora Vozes), Anselm Grün observa: “Nossa tarefa é encontrar um sentido para a nossa vida em meio ao desespero provocado pelo sofrimento. Muitas vezes isso demora. Primeiro devemos suportar o desespero”.

Um caminho para a saída do preconceito e do obscurantismo fornece o próprio autor: “…Não existem dogmas morais. A moral está sempre em movimento”.

O mesmo vale para as instituições, como o ministro Gilmar Mendes bem lembrou nesta semana, após o assassinato da menina Heloísa na Baixada Fluminense, por policiais da Polícia Rodoviária Federal.

Depois de mais esse assassinato, além do jovem fechado em porta-malas onde jogaram bombas de gás, em Sergipe, no ano passado, e dos bloqueios no Nordeste para impedir que eleitores de Lula chegassem às urnas, o ministro, com toda razão, demandou para que serve a PRF e se não seria o caso de sua extinção.

Para quem viaja nas rodovias e invariavelmente encontra os postos da PRF vazios ou fechados, a pergunta não poderia ser mais oportuna.

Os policiais honestos, remanescentes, poderiam então ser realocados, por exemplo, para a defesa civil e a ambiental, tanto mais necessitadas – e cada vez mais – dadas as mudanças climáticas.

Seguramente, seremos sociedade melhor, menos militarizada e, consequentemente, mais feliz.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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