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O STF e o bom senso

Os agentes do Estado não podem nem agir de forma excepcional nem criar leis especiais para se proteger da ira dos populares

O presidente do TSE, Alexandre de Moraes. Foto: Sergio Lima/AFP
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Não resta a menor dúvida de que as ações dos ministros do STF e do TSE foram decisivas para conter os arroubos autoritários de Bolsonaro e dos bolsonaristas durante o mandato do ex-presidente. Os ministros foram decisivos nas ações que determinaram as investigações e a prisão dos golpistas de 8 de janeiro. Mesmo que se possa argumentar que eles cumpriram suas funções e deveres, não há como não reconhecer os méritos dos tribunais e dos ministros, principalmente ao se considerar que em outros momentos históricos as instituições do Estado e seus representantes falharam e se omitiram. A sociedade deve ser ainda mais grata aos magistrados ao se considerar que os partidos, inclusive aqueles de oposição a Bolsonaro, e a sociedade civil organizada se mostraram impotentes e incompetentes para combater o golpismo.

Convém lembrar, no entanto, que a história é enfática em mostrar que, quando líderes chegam ao apogeu, aos seus momentos de glória, os riscos que correm são grandíssimos. O maior risco é o da vaidade, que pode levar à arrogância e, muitas vezes, à corrupção. A corrupção pode ser entendida também como corrupção dos princípios virtuosos que ensejaram aquelas ações produtoras da glória e da fama.

Alguns ministros dos tribunais superiores, depois de alcançarem a alta reputação, parecem viver esse momento de risco. Momento vivido por alguns na época do Mensalão e, por outros, no auge da Operação Lava Jato. Todos os líderes deveriam acautelar-se e seguir pelas trilhas da humildade, quando chegam a esses momentos de alta reputação. A cautela e a humildade devem ser ainda maiores quando se trata de ministros e juízes das altas cortes judiciais, pois a função de julgar recomenda que eles pratiquem essas virtudes. Guiar-se por essas virtudes leva a uma conduta geral discreta, adequada aos juízes.

O caso do aeroporto de Roma, no qual Alexandre de Moraes e sua família foram ofendidos e eventualmente agredidos, tem provocado discussões e repercussões significativas. Os principais pontos são: foi cometido algum crime? A determinação do STF de um mandado de busca e apreensão contra os acusados foi exagerado? Os ministros do STF são alvo de uma campanha persecutória? Foi um fato grave?

Quanto à tipificação, tudo indica a prática de injúria e, talvez, lesão corporal. Mas não dá para dizer que houve perseguição, pois há ausência de reiteração. Também não houve desacato, pois Moraes não estava no exercício da função. O problema é que o STF e a PGR transformaram o episódio em uma questão de Estado ao determinarem o mandado de busca e apreensão. Esse ato foi inconstitucional. Não há elementos que indiquem que os atos em Roma conspirem contra o Estado de Direito.

Então, qual a gravidade do acontecido? Foi um ato desagradável, mas episódico, circunstancial, fortuito, casual. Foi um ato levado a efeito por iracundos, gente sem civilidade, mal-educados. Mas, de qualquer forma, o povo tem direito de xingar as autoridades. Se os populares cometem excessos, devem ser enquadrados nas leis vigentes, válidas para todos. Os agentes do Estado não podem nem agir de forma excepcional nem criar leis especiais e excepcionais para se protegerem da ira de populares.

Alguns ministros do STF foram alvo dessas manifestações episódicas de ira em restaurantes, aeroportos, eventos etc. Alexandre de Moraes, notadamente, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso. A melhor saída para esses casos foi aquela do ministro Barroso, com o seu “perdeu mané, não amola”. Acabou por aí, com ironia. O mané perdeu. Esses iracundos de Roma são da categoria dos “manés”. Gostam de amolar. Podem até preferir uma ditadura, mas não se pode dizer que estavam agindo em nome e como organização para derrubar o Estado Democrático de forma violenta.

Nesse incidente de Roma, o STF e Moraes não agiram com o bom senso e o comedimento necessários a quem julga. Quem estudou Maquiavel sabe que os grandes líderes são aqueles que aplicam o poder segundo as circunstâncias e que o poder está sempre imbricado em pares antinômicos, paradoxais. Ora se exige mais força e autoridade, ora mais convencimento e consenso.

No caso dos atos antidemocráticos e da tentativa de golpe de 8 de janeiro, o poder deve ser aplicado com rigor, força e autoridade. A punição deve ser clara, simbólica. O rigor deve persuadir golpistas futuros de que seus atos não passarão impunes. Esse rigor não é necessário aos “manés” iracundos que perambulam por aeroportos, restaurantes e eventos pelo mundo afora. O rigor excessivo aplicado a esses casos lança suspeição sobre a autoridade e seu poder. Serão vistos como arrogantes e autoritários. •

Publicado na edição n° 1270 de CartaCapital, em 02 de agosto de 2023.

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