Opinião
O planeta busca uma nova ordem mundial
Não chega a ser uma páscoa diplomática, mas não deixa de ser uma cena em movimento, em saída do inferno
O jornal que transportava presos políticos nas caminhonetes durante a ditadura militar (para serem torturados e mortos) fez mais uma das suas: estampou manchete dizendo que 35% da população é favorável às privatizações, ao invés de informar a verdade – que 45%, a maioria, portanto, é contrária à liquidação dos bens públicos.
A enésima manipulação ocorre na mesma semana em que a Organização das Nações Unidas registra que, no Líbano, de cada 5 libaneses, 4 vivem na pobreza.
Os donos da Folha de S.Paulo já foram até o País dos Cedros? Seus repórteres já foram a uma das nações com Estado mais mínimo? Por que não vão em “alegre” excursão até lá? Alternativamente, que visitem o Haiti, mais próximo e ainda mais vitimado por pseudojornalistas, pseudopolíticos e pseudo-honestos. Todos, em ambos os casos e na maioria das redações nacionais, mitômanos, embora sejam, antes de mais nada, ignorantes.
Vale aduzir que, sempre segundo a ONU, a moeda libanesa perdeu 98% do valor, desde 2019. Afortunadamente, não só de más notícias vive o Oriente Médio: Síria e Egito estão mais próximos do reatamento diplomático, após o chanceler sírio ser recebido no Cairo, na semana passada.
Também da martirizada Síria vem notícia auspiciosa: segundo o arcebispo maronita de Aleppo, Dom Tobji, a liberdade de culto para os católicos e demais confissões está garantida nas áreas sob controle do governo (a quase totalidade do país). Vale recordar que é graças ao apoio russo e iraniano que o governo sírio pode recuperar os territórios que foram invadidos e barbarizados pelas milícias, assassinas de cristãos e outras confissões que não a própria. Ou seja, são cristãos ortodoxos (russos) e muçulmanos (iranianos) que garantem a liberdade de culto aos católicos na Síria.
Da Rússia, apesar da guerra na Ucrânia, vem outra notícia importante: o governo russo está propondo ao governo estadunidense a troca de Julian Assange – injustamente preso no Reino Unido a pedido dos Estados Unidos da América – por espião dos EUA, recentemente acusado de espionagem militar e detido pelo governo russo, Evan Gerskovich.
Na semana passada, a imprensa internacional noticiou que durante a estada de Assange na embaixada do Equador em Londres uma empresa espanhola, a serviço da Central de Inteligência dos EUA, instalou equipamentos de escuta na embaixada, abortando a liberação de Assange em viagem que faria ao Equador.
A violação da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas é gravíssima, mas não esperem qualquer indignação por parte do jornal das caminhonetes ou dos coirmãos…
Ainda sobre a Rússia, o Banco Mundial alterou de 3,3% a possível contração da economia russa para 0,2%.
Na Ásia, notícias alvissareiras e nem tanto. EUA, Japão e Coreia do Sul decidiram, conjuntamente, expulsar todos os cidadãos da Coreia do Norte de seus territórios, em retaliação à continuação do programa de mísseis balísticos da República Popular da Coreia. Por muito menos, a Nicarágua foi tachada de ditadura: retirou a cidadania de 200 pessoas acusadas de rebelião armada contra o estado de Direito.
O referido jornal das caminhonetes qualifica a Nicarágua de ditadura, mas como classificará a decisão incrivelmente arbitrária dos três países acima citados? Provavelmente não o fará, talvez sequer dê a notícia…
Da Índia, outro dado inquietante: a maior causa de mortes entre jovens de 15 a 29 anos é o suicídio. Um quarto deles são de jovens sem-terra. Aqui como lá, o acesso à terra continua sendo fundamental para a justiça social.
No Brasil, boa notícia: a investigação anunciada pelo ministro Flávio Dino, da Justiça, sobre células nazistas no país. Tardou um século, literalmente, mas chegou a tempo de prevenir que novas chacinas como a ocorrida em Blumenau se repitam.
A imagem das cloacas, dos esgotos, ajuda a entender: é através desses canais subterrâneos, que remontam ao surgimento do nazismo nos anos 20 do século, que a “deep web”, por onde correm os detritos mortais dos potenciais assassinos, corre; é dessa rede de mentes empapadas de frustrações, ressentimentos e preconceitos que os dementes haurem.
O bolsonarismo difundiu na sociedade, diuturnamente, o ódio, o desejo de morte e o menosprezo pela saúde mental (sendo o próprio mentor um desequilibrado que teve de ser reformado pelo Exército por apresentar o conjunto daquelas patologias).
Por fim, vale registrar a viagem do presidente Emanuel Macron, da França, à nova sede do poder mundial: a China.
Simbolicamente, o presidente de uma potência nuclear que praticamente fechou o Congresso de seu país para passar reforma previdenciária que permitirá ainda maior concentração de renda em favor dos capitalistas do país dele (e não apenas), aumentando a idade de aposentadoria de 62 para 64 anos, precisou da chancela de uma alemã para se sentir à altura do interlocutor chinês.
Com efeito, Macron levou a tiracolo a Pequim a presidente da Comissão Europeia Ursula von der Leyen, em claro sinal da fragilidade de uma Europa cada vez mais submetida a uma potência militar decadente, os EUA, que poderá levá-la ao ocaso; e, por sua vez, da dependência francesa com relação à Alemanha, que, de fato, tem a hegemonia da União Europeia.
No conjunto, parece que apontamos para o renascimento de um planeta que busca nova ordem mundial, como o chanceler russo assinalou em recente visita ao homólogo turco. Não chega a ser uma páscoa diplomática, mas não deixa de ser uma cena em movimento, em saída do inferno.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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