Hugo Sérgio de Oliveira

Economista e ex-presidente da Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp) e da Associação de Profissionais Universitários da Sabesp (APU)

Opinião

O modelo de privatização da Sabesp, entre meta de universalização e risco de aumento tarifário

O temor do que pode acontecer com a passagem deste bastão para o setor privado se acentua pelo recente apagão do setor elétrico

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil
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O governador Tarcísio de Freitas, participando recentemente de um podcast, tentou explicar quais são as razões pelas quais ele deseja privatizar a Sabesp. Inicialmente ele comentou sobre uma aparente crise fiscal que estaria ocorrendo no estado de São Paulo. Segundo ele, apesar de a economia paulista ter retomado um crescimento de 2,3% do PIB, a arrecadação tributária está caindo. Além disso, embora não tenha declarado, parece que sua expectativa é que a reforma tributária piore muito este cenário pessimista. Caso isto ocorra, ele terá grandes dificuldades para cumprir suas promessas de campanha eleitoral. Diante desse quadro, é urgente gerar recursos financeiros por meio da venda dos ativos de propriedade do estado, ou seja, privatizar a Sabesp e o Metrô.

Para justificar a privatização da Sabesp, ele apresenta dois grandes benefícios. O primeiro seria a antecipação da meta de universalização para 2029, mediante o aumento de 10 bilhões de reais no orçamento de investimento, previsto atualmente em cerca de 56 bilhões de reais. O novo orçamento incluirá mais 1 milhão de pessoas que estão em área rural, área irregular consolidada e comunidades tradicionais, que hoje não estão dentro da área de atendimento da Sabesp. Nesse orçamento também está a despoluição do Tietê. O segundo benefício prevê que a antecipação da universalização, incluindo a população rural e a vulnerável, seja acompanhada por uma redução tarifaria.

Segundo Natalia Resende, secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística, o modelo de privatização que possibilita alcançar os objetivos pretendidos descarta a possibilidade de o governo sair totalmente da Sabesp e ficar responsável apenas pela parte regulatória. Para seguir acompanhando a empresa de perto, a opção escolhida para a privatização foi o modelo de follow-on, em que há uma oferta adicional de ações e, consequentemente, a diluição da participação acionária do Estado e a perda do controle acionário da empresa. Ainda segundo a secretária, o modelo de follow-on busca investidores compromissados com resultado, como forma de expandir a empresa. Neste modelo também há a possibilidade de trazer mais investimentos e usar uma parte desse recurso para reduzir a tarifa.

Para melhor conhecer a lógica do modelo escolhido, teríamos de ter acesso à informação de como serão captados os 10 bilhões de reais que permitem antecipar a meta. Podemos imaginar que estes recursos viriam dos novos acionistas privados. Entretanto, deve-se ter em conta que, além de aportar recursos para a antecipação da meta, os investidores teriam de adquirir um lote mínimo das ações da empresa. Considerando, por exemplo, que este lote fosse de 20%, seria necessário desembolsar cerca de 8,2 bilhões para realizar esta aquisição, dado que o valor de mercado da Sabesp é de 40,8 bilhões de reais. Este valor, acrescido aos 10 bilhões necessários para antecipar as metas, parece tornar excessiva a mobilização de recursos financeiros a ser feita pela iniciativa privada.

Existe, portanto, o risco da necessidade de um aumento tarifário. Contudo, o governo declarou que pretende utilizar parte das receitas de privatização recebidas para financiar uma tarifa de partida mais baixa, mitigando o risco de um aumento tarifário impopular. Os estudos de modelagem estão trabalhando para estabelecer qual seria o valor da redução tarifaria a ser aplicada. O montante total da redução tarifaria a ser financiado pelo governo não deve exaurir as receitas de privatização, dado que o governo pretende utilizar a parte remanescente destas receitas para realizar investimentos que cumpram algumas promessas de campanha.

Como se pode constatar, a modelagem que está sendo desenvolvida, combinando redução tarifária e antecipação da meta de universalização, com inclusão de populações marginadas, parece robusta para enfrentar uma possível rejeição popular. Entretanto, em momento algum parece haver uma razão sólida para atendimento das demandas sociais que justifique uma tomada de decisão desta envergadura. O governo, em suas declarações, não aponta nenhuma falha de funcionamento e nenhuma incapacidade financeira por parte da Sabesp para cumprir a meta de universalização dentro dos prazos estabelecidos pelo novo marco legal de saneamento. Por outra parte, a população demonstra um elevado nível de confiança nos serviços prestados pela empresa.

Os esclarecimentos prestados pelo governador e pela secretária do SEIML parecem indicar que a visão de governo é de que somente por meio das privatizações de empresas é que será possível gerar recursos para executar um programa que cumpra as promessas eleitorais. Ainda que a narrativa governamental não tenha explicitado, esta parece ser a lógica que leva a renunciar ao controle acionário da Sabesp, pondo em risco seu comando efetivo da execução de uma política pública importantíssima como a de saneamento. O temor do que pode acontecer com a passagem deste bastão para o setor privado se acentua pelo recente apagão do setor elétrico.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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