Opinião

O Brasil não pode passar ao largo do debate sobre a descriminalização das drogas

A experiência do vizinho Uruguai demonstra que a descriminalização compensa tanto do ponto de vista da saúde pública quanto da segurança pública

Fachada do edifício sede do Supremo Tribunal Federal - STF. Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
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“Com mais de 830 mil presos, o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, atrás apenas dos EUA e da China. Um terço desse contingente foi condenado ou aguarda julgamento por tráfico de drogas. O mais grave é a seletividade no encarceramento. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, 67,4% dos detentos são negros.” – Mariana Serafini, em CartaCapital.

Um ex-embaixador do Brasil junto à Organização dos Estados Americanos costumava dizer que só havia uma coisa mais lucrativa do que o tráfico de drogas: o combate a ele.

A experiência do vizinho Uruguai demonstra que a descriminalização compensa tanto do ponto de vista da saúde pública quanto da segurança pública.

O Brasil não pode passar ao largo desse debate, sob pena de grave violação dos direitos humanos, como ocorre hoje dentro e fora dos presídios.

Na quarta-feira 21, o Supremo Tribunal Federal deve retomar o debate sobre esse tema. Esperemos que a justiça prevaleça sobre os interesses dos traficantes e seus representantes, numerosos e atuantes sob o falso disfarce da moralidade.

Outro julgamento importante da semana será a inelegibilidade de Jair Bolsonaro. Mais do que devida, por todo o mal que o genocida causou ao País, a inelegibilidade desse criminoso terá o mérito de arrastar para o fosso das biografias o atual governador de São Paulo e o prefeito de Jundiaí, que ainda no domingo passado o recepcionaram e se fizeram fotografar ao lado do monstro golpista, agente da morte.

Do lado claro da História, a viagem do presidente Lula a Roma, para se reencontrar com o Papa Francisco. Os temas da paz e do combate à fome deverão estar na agenda bilateral.

Finalmente, a diplomacia brasileira busca se somar a outra chancelaria, na tentativa de promover a paz entre Rússia e Ucrânia.

Caberá verificar também a reação brasileira à iniciativa de paz africana, capitaneada pelo presidente da África do Sul, em que sete chefes de Estado africanos estiveram, na semana passada, em Moscou e Kiev, em busca da tão almejada pacificação.

Não é um passo menor para as relações exteriores do Brasil, que vão passando de algo episódico para a configuração de uma política pública, externa.

Vale notar que, no passado, a diplomacia brasileira já atuara conjuntamente, nos Grupos de Apoio a Contadora; dos Oito e, depois, do Rio, os quais em muito contribuíram para impedir a enésima invasão da América Central pelos Estados Unidos da América e para a ulterior pacificação da região.

Entretanto, essa prática de concertação diplomática foi sendo paulatinamente abandonada, como se pode verificar pelo recente encontro de relançamento da União das Nações Sul-Americanas.

Porém, esse esforço se faz cada dia mais necessário, inclusive pela estagnação beligerante do Ocidente. Com efeito, ao invés de propor soluções diplomáticas, o Velho Mundo vai lentamente nos arrastando, a todos, para o holocausto nuclear e ambiental.

O jornalismo praticamente desapareceu daquelas plagas, sendo substituído por mera propaganda beligerante.

Nesse caldo, a extrema-direita ressurge com toda a força. Incentivada por desesperada imigração dos países do Sul, que na semana passada cobrou centenas de vítimas na costa grega do Mar Egeu (79 cadáveres encontrados, em embarcação que poderia conter em torno de 100 crianças), a opinião pública europeia e estadunidense cede ao fácil discurso nacionalista e belicoso da extrema-direita, o mesmo que conduzira o mundo à Primeira e à Segunda Guerra Mundiais.

De fato, os fluxos migratórios vêm aumentando em ritmo exponencial: as partidas clandestinas da Tunísia rumo à Europa aumentaram 55%, em um ano…

Recentemente, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, esteve reunida em Túnis com o presidente da Tunísia, para tentar frear aqueles fluxos.

As imagens da reunião são eloquentes: aquela presidente, ex-ministra da Defesa do país hegemônico da União Europeia, a Alemanha, ria aos borbotões, sem qualquer respeito às famílias de centenas de desaparecidos no naufrágio da costa da Grécia.

Ao lado, a chefe de governo da Itália, Giorgia Meloni, diminuída, tendo de assentir que a UE fará investimentos na África do Norte, para tentar conter a imigração.

Fará? Como? A terceira economia da UE, a Itália, deve 144% do Produto Interno Bruto, algo em torno de 3,1 trilhões de dólares…

Portanto, cada italiano deve atualmente 46 mil euros! Um bebê italiano já nasce devendo 50 mil dólares…

Pior, em política externa, tanto a extrema-direita estadunidense (Trump) quanto a francesa (Marine Le Pen) admitem que a Crimeia é russa e que só a diplomacia pode resolver aquela guerra. Em apoio a ela, as vozes dos ex-presidentes franceses Nicolas Sarkozy e Valery Giscard d’Estaing.

Demais, corretamente, a líder das pesquisas presidenciais atribui a invasão russa ao não-cumprimento dos acordos de Minsk, que, agora se sabe graças à inconfidência da ex-chanceler da Alemanha, Angela Merkel, visavam não à paz, mas a dar tempo ao rearmamento ucraniano.

Assim, cada vez mais, a política europeia – e ocidental em geral -, no século XXI, vai se assemelhando àquela do século XX. Não é uma boa perspectiva para o Hemisfério, mas tampouco é destino inelutável.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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