Leonardo Avritzer

Coordenador do Observatório das Eleições. É professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Eliara Santana

Pesquisadora Associada do CLE/Unicamp e uma das criadoras do Observatório da Desinformação.

Opinião

No primeiro ou no segundo turno, a eleição de 2022 marca derrota do bolsonarismo

É o começo do fim do bolsonarismo como forma de governo e uma possível radicalização dele como movimento

Foto: AFP
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O primeiro turno das eleições de 2022, independentemente do fato de elas se encerrarem neste domingo ou não, mostraram duas características principais que valem a pena ser analisadas.

A primeira delas é que o presidente Jair Bolsonaro perdeu a capacidade de manter sua hegemonia nas redes sociais, como já discutimos em vários artigos. A vantagem decisiva de Bolsonaro e de seus filhos na internet, que possibilitava a eles pautarem determinadas questões ou até mesmo distorcerem vários acontecimentos a partir de um bem estruturado sistema de desinformação, foi aos poucos, a partir de agosto, sendo confrontada por três fenômenos que se tornaram os principais dessa eleição: o crescimento potente da atuação de Lula nas redes sociais, a adesão de celebridades (artistas em geral, influenciadores etc.) à candidatura do ex-presidente e a ação contundente do TSE (na figura do ministro Alexandre de Moraes) no combate à rede de desinformação.

Esses três elementos, em conjunto, fizeram com que o presidente Bolsonaro não mais conseguisse pautar o debate nacional e as eleições a partir das redes sociais e do sistema de desinformação, mesmo com a continuidade da produção e disseminação das fake news. 

A segunda característica destas eleições – muito importante e que certamente será decisiva neste domingo – é o fato de que o presidente Bolsonaro não conseguiu reverter duas das suas principais deficiências em termos de apoio político: a forte rejeição dos mais pobres à sua candidatura (o que não se reverteu mesmo com o Auxílio Brasil) e a perda de apoio de uma certa fatia da classe média da região Sudeste, que se distanciou do governo a partir do desastre da pandemia (mesmo com o antipetismo e com fortes candidaturas aliadas, principalmente nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais).

Esses dois fenômenos parecem marcar as principais características que, independentemente do resultado de domingo, irão marcar o resultado eleitoral em qualquer um dos turnos.

Cenários possíveis

Há dois cenários possíveis para as eleições de hoje.

No primeiro, o ex-presidente Lula vence já as eleições, como apontam a maior parte das pesquisas.

Isso terá consequências profundas, pois simboliza uma enorme derrota política do bolsonarismo, para além da derrota eleitoral. Nesse cenário, a reorganização da governabilidade e a reconstituição de uma relação entre governo e Congresso e entre governo e STF poderão colocar o Brasil numa situação de profunda reordenação política, o que permitirá um início de governo com forte maioria e tranquilidade política.

Ainda assim, vale considerar que o bolsonarismo continuará existindo como movimento, com as características que pudemos observar no debate da Globo, na última quinta-feira: um ex-presidente que desrespeita o sistema político, mente e não se pauta por regras mínimas da civilidade política.

Nesse cenário, em que o bolsonarismo seria a principal força de oposição ao governo Lula, teríamos uma inversão da correlação de forças, mas também um governo com uma  oposição organizada, especialmente nas ruas. Não é possível ainda saber qual será o tamanho da direita no Congresso, mas podemos saber que ela terá um tamanho considerável. O que na verdade irá determinar a capacidade de governo será o tamanho da esquerda no Congresso Nacional e a nova aliança governante. Nesse caso, o que devemos observar é se as federações serão exitosas – especialmente a federação PT-PSB –, pois isso significará um aumento da bancada da esquerda no Congresso, o que dará tranquilidade ao novo presidente. Pode-se também prever o rompimento entre o Centrão e Jair Bolsonaro e o isolamento político do bolsonarismo. 

O segundo cenário, também provável, é a realização de um segundo turno entre Lula e Jair Bolsonaro.

Nesse cenário, a perspectiva é de uma vitória do ex-presidente, mas é importante que ocorra um embate político que garanta a Lula uma ampla margem. Também nesse cenário, é importante olhar para algumas outras variáveis. Por exemplo, até que ponto o Centrão continuará com Bolsonaro – especialmente a partir da recuperação do protagonismo de Carlos Bolsonaro, o filho 02, na campanha, como ficou claro no debate da Globo, em que lideranças do Centrão foram afastadas da preparação do presidente.

Outro ponto se refere aos possíveis apoios que Lula e Bolsonaro terão nos estados. Além disso, é importante considerar a perspectiva de que novas maiorias congressuais impliquem fortes apoios de alguns partidos, como, por exemplo, do PSD de Kassab e do próprio PSDB. 

Importante ainda é especular até que ponto o Poder Judiciário vai investir contra o presidente Jair Bolsonaro e seus filhos. 

Portanto, nos dois cenários para este domingo – de decisão da eleição no primeiro turno ou de realização de segundo turno – , o que fica claro é uma forte mobilização contra o presidente Jair Bolsonaro. Mesmo que tenha a chance de levar a decisão a um segundo turno, o ex-capitão terá de enfrentar uma aliança de dimensão desconhecida até então na política brasileira – uma aliança que vai da centro-direita à centro-esquerda.

Havendo ou não um segundo turno nas eleições deste domingo, o que se vislumbra é o começo do fim do bolsonarismo como forma de governo e uma possível radicalização do bolsonarismo como movimento, ainda fortemente alicerçado pelo sistema de desinformação que se consolidou desde 2018 e no uso da religião e do sistema religioso como aparatos morais discursivos.

A questão fundamental que se coloca neste momento é garantir uma ampla governabilidade, que seja capaz de derrotar não apenas o bolsonarismo como forma de governo mas, sobretudo, o bolsonarismo como movimento, que atropela a democracia e destrói o país.   

Este artigo foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições 2022, uma iniciativa do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação. Sediado na UFMG, conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras. Para mais informações, ver: www.observatoriodaseleicoes.com.br.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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