Luana Tolentino

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Mestra em Educação pela UFOP. Atuou como professora de História em escolas públicas da periferia de Belo Horizonte e da região metropolitana. É autora dos livros 'Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula' (Mazza Edições) e 'Sobrevivendo ao racismo: memórias, cartas e o cotidiano da discriminação no Brasil' (Papirus 7 Mares).

Opinião

Não há como discordar das palavras de Silvio Almeida sobre o atentado em Blumenau

Com o olhar distante, tomado pela tristeza e perplexidade, ouso dizer que o ministro deu lugar ao homem que em breve será pai pela primeira vez

Foto: Clarice Castro - Ascom/MDHC
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Pouco mais de uma semana após o assassinato da professora Elisabeth Tenreiro em uma escola da Zona Oeste de São Paulo, o Brasil voltou a ser aturdido por outro crime brutal, desta vez em uma creche de Blumenau, Santa Catarina. Na manhã de quarta-feira, quatro crianças impedidas de ultrapassar a primeira infância tiveram a vida interrompida com golpes de machadinha. Logo após executar a chacina, o autor do crime que nos faz pensar que estamos presos em um filme de terror se entregou à polícia.

O ato inominável que matou o futuro de Bernardo Cunha Machado, Bernardo Pabest da Cunha, Larissa Maia Toldo, e Enzo Marchesin Barbosa, além de deixar na comunidade escolar traumas difíceis de mensurar, junta-se à escalada de violência que toma conta das instituições de ensino

Segundo pesquisa realizada pelo Instituto de Estudos Avançados da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e divulgada em reportagem do Portal Catarinas, desde 2002, 23 escolas registraram ataques que culminaram em mortes. Deste total, 10 ocorreram somente no ano passado e dois em 2023. Ou seja: na esteira do discurso de ódio institucionalizado no país, juntamente com a política de incentivo ao armamento de pessoas comuns, as escolas brasileiras vivem assombradas pela morte, que causa pânico e insegurança nos profissionais da educação e nas famílias. 

Ao contrário do silêncio conivente e do desprezo à vida humana com os quais nos acostumamos nos últimos quatro anos, diante da chacina na cidade catarinense, o presidente Luiz Inácio da Silva escreveu em sua conta no Twitter: “Não há dor maior que a de uma família que perde seus filhos, ainda mais em um ato de violência contra crianças indefesas”. Além da mensagem, por meio de um decreto, Lula instituiu um grupo de trabalho interministerial para propor políticas de prevenção à violência nas escolas.

Na mesma direção, o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, manifestou-se em relação ao massacre que deixou o Brasil “despalavrado”, em estado de choque. Quem acompanha as aulas e palestras do advogado e professor está habituado a ver um intelectual sempre muito sério, compenetrado, dono de assertivas contundentes. O que se viu nesta quarta-feira (05/04), em um discurso que durou quase dez minutos, foi um Silvio com o olhar distante, tomado pela tristeza e perplexidade. Ouso dizer que o ministro deu lugar ao homem que em breve será pai pela primeira vez. 

Embora passe por um momento importante, de recomposição do MDHC, Silvio Almeida ressaltou que não se sentia tranquilo, e completou: “Um país que mata crianças é tudo, menos democracia”. Em seguida, o ministro ressaltou: “Nós estamos falhando miseravelmente com as crianças, com os adolescentes. Nós estamos falhando miseravelmente com as pessoas que mais precisam de nós neste país. E nós temos que admitir isso para dar um passo adiante”.

Durante sua fala, Silvio Almeida chamou a atenção para a naturalização da violação dos direitos de meninos e meninas no Brasil que, segundo ele, conta com a conivência de diversos setores sociais. O ministro dos Direitos Humanos destacou: “Nós estamos falando de crianças que foram assassinadas hoje, mas há outros jeitos de matar crianças também. Nós temos cultivado isso e normalizado há muito tempo. Temos permitido que crianças passem fome no Brasil. Crianças morrem de fome. Nós temos permitido que crianças fiquem sem escola. Nós temos permitido que as crianças fiquem nas ruas, sem amparo, sem proteção”. 

Silvio Almeida fez questão de nomear os corresponsáveis pela deterioração dos marcos civilizatórios do país: “Pessoas que em nome de interesses pessoais se apropriam da pauta dos direitos das crianças e dos adolescentes, pessoas que usam os conselhos tutelares para fazer proselitismo religioso (…), pessoas que acham absolutamente normal fazer cultos ao armamento, empresas de rede social que acham absolutamente normal dizer que não têm nenhuma responsabilidade diante das conspirações que só são possíveis em razão da omissão que elas alimentam”. 

Consternado, Silvio Almeida ainda sentenciou: “Nós estamos construindo uma sociedade miserável. Nós estamos matando a esperança das pessoas. Nós estamos matando as crianças que aqui estão, os adolescentes e as que ainda nem vieram porque nós estamos criando um mundo em que o sonho, a esperança, não é possível”.

Infelizmente, não há como negar, discordar das palavras de Silvio Almeida. O cenário que se apresenta mostra que por um bom tempo ainda viveremos sob uma noite fria, longa e escura. 

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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