Luana Tolentino

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Mestra em Educação pela UFOP. Atuou como professora de História em escolas públicas da periferia de Belo Horizonte e da região metropolitana. É autora dos livros 'Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula' (Mazza Edições) e 'Sobrevivendo ao racismo: memórias, cartas e o cotidiano da discriminação no Brasil' (Papirus 7 Mares).

Opinião

Assassinato da professora Elisabeth é reflexo de uma sociedade doente

Precisamos (re)construir este País e erguer um novo pacto civilizatório, pautado no respeito e na valorização da vida

A professora Elisabeth Tenreiro. Foto: Reprodução
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Na manhã da segunda-feira 27, o Brasil perdeu mais uma educadora vitimada pela violência que assola escolas de todo o País. Elisabeth Tenreiro foi esfaqueada por um aluno enquanto fazia chamada em uma turma da Escola Estadual Thomazia Montoro, localizada na Zona Oeste de São Paulo.

O crime bárbaro, gravado pelas câmeras de segurança da unidade de ensino, foi cometido por um pré-adolescente de 13 anos que, mesmo diante da intervenção de dois colegas e de duas outras professoras, ainda tentou fazer mais vítimas, depois de ter tirado a vida de Elisabeth. Ela morreu em pleno exercício do que lhe proporcionava mais prazer e realização: ensinar.

O episódio de violência extremada que chocou o País é complexo, atravessado por diversas questões. De acordo com o depoimento de estudantes, na quinta-feira da semana anterior ao crime, o aluno que assassinou a professora havia chamado um colega de “macaco”, em um flagrante de racismo em sala de aula, o que foi imediatamente repreendido por Elisabeth. Até o momento, não se sabe quais providências foram tomadas pela escola diante da discriminação racial que precedeu a morte da docente de 71 anos.

Há 20 anos, o Brasil possui uma legislação educacional antirracista que, por meio da Lei n.º 10.639/03, tornou obrigatório o ensino da História e da Cultura Africana e Afro-brasileira em salas de aula de escolas públicas e privadas. Embora os avanços sejam inegáveis, graças, sobretudo, às práticas pedagógicas de enfrentamento ao racismo empreendidas por uma parte de professores e professoras, ainda estamos longe do que prevê a referida lei, ou seja: a transformação de currículos, de atividades e discursos, de modo que se estabeleça nas escolas uma cultura de promoção da equidade racial e do reconhecimento mútuo. Em se tratando do preconceito racial, o silêncio ainda grita nas instituições de ensino, conforme tem alertado o professor Luiz Alberto Oliveira Gonçalves desde os anos 1980.

Além disso, o crime ocorrido na última segunda-feira está inserido em um contexto de desqualificação e perseguição dos professores, um processo que tem como principais porta-vozes políticos de extrema-direita. Não bastassem os baixos salários, a uberização da profissão docente e as péssimas condições de trabalho, há grupos que agem para tirar dos educadores direitos trabalhistas, autonomia e liberdade de cátedra.

Exemplo disso foram as palavras proferidas em 2022 pelo deputado federal Éder Mauro (PL-PA), que, ao acusar uma professora do Rio de Janeiro de “promover ideologia de gênero”, disse aos berros na tribuna da Câmara: “Esta jumenta empoderada e comunista deveria ter sido colocada em um tribunal, num paredão, para que ela não levasse seu entendimento para a nossa juventude, que está em formação de caráter”.

Assim como o político paraense se sentiu livre para pedir o fuzilamento de uma educadora, o estudante de São Paulo entendeu que tinha direito de tirar a vida daquela que lhe dava aulas de Cidadania e de Ciências.

Outro ponto em questão é o clima de ódio no qual este País está submerso. Todos os dias, o noticiário é tomado por episódios de violência, cujas motivações são as mais banais possíveis. A política de extermínio do outro, de quem pensa diferente, diuturnamente incentivada nos últimos quatro anos, contamina, está presente nas famílias, nos estádios de futebol, no trânsito, nos estabelecimentos comerciais, nas igrejas e, infelizmente, também nas escolas. A tudo isso soma-se a política de incentivo ao armamento de civis, de pessoas comuns. Segundo relatos, dias antes de matar a professora, o aluno tentou comprar uma arma.

A violência que ceifou a vida de Elisabeth Tenreiro, que além de professora era mãe e avó, é o reflexo de uma sociedade extremamente adoecida, que institucionalizou a barbárie, da qual todos nós somos vítimas.

É preciso lembrar que a solução para o crime ocorrido no início desta semana não está em propostas simplistas, aligeiradas, como a do governador de São Paulo Tarcísio de Freitas, que propôs o aumento do número de policiais nas escolas.

Precisamos (re)construir este País, erguer um novo pacto civilizatório, pautado no respeito e na valorização da vida. A escola é parte fundamental desse processo, mas sem o envolvimento de toda a sociedade dificilmente iremos avançar.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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