Opinião
Maria Rita trouxe a imagem de Elis aos jovens e tornou mais conhecida a maior cantora do País
Quantos não ficaram sabendo, na esteira da polêmica, que os militares obrigaram Elis a cantar para eles, em festejo da ditadura?
“A corrente tem a força de seu elo mais fraco” – Antigo ditado.
Elis Regina e Zé Celso vivem!
Na semana passada, Zé Celso passou para dimensão superior. Elis voltou, nos trazendo lições.
A primeira é que mesmo as pessoas públicas têm família e a vontade dos seus conta mais e sabe mais.
A relação com os próximos só a conhecem os próprios.
O que para o público pode parecer erro, para quem vê com o coração é acerto.
A vida é saldo, não é tática, pequena, varejo; é soma de erros e acertos, o resultado dela.
Por isso, Maria Rita acertou: abriu uma bela polêmica, trouxe a imagem da mãe aos jovens e tornou mais conhecido o engajamento político da maior cantora do Brasil.
Com sua atitude, ficaram explícitos os erros históricos de empresas que, como a Volkswagen, colaboraram ativamente com a ditadura, a exemplo da Folha de S. Paulo e da Josapar (aquela do Arroz São João), entre outras.
Quantos jovens e adultos não tomaram conhecimento desses crimes graças ao comercial gravado por Maria Rita?
Quantos não ficaram sabendo, na esteira da polêmica, que os militares obrigaram Elis a cantar para eles, em festejo da ditadura?
Do céu, a eterna estrela nos proporcionou mais essa lição: só se vê bem com o coração; só se vê o bem com ele; a racionalidade nos leva até as brumas, mas não adiante das nuvens.
Na natureza, isso também ocorre.
De fato, pensar em ganhadores e perdedores, embota os sentidos.
Em A vida secreta das árvores (editora Sextante), Peter Wohlleben nos recorda, a propósito: “…O bem-estar do grupo depende da comunidade, e, quando os membros supostamente fracos desaparecem, os outros também saem perdendo. A floresta fica mais exposta e o sol quente e as tempestades de vento alcançam o solo, interferindo na umidade e na temperatura ideal. Mesmo as árvores fortes adoecem muitas vezes no decorrer da vida. Quando isso acontece, passam a precisar do auxílio das vizinhas mais fracas. Caso as árvores menores já tenham morrido, bastará um inofensivo ataque de insetos para selar o destino de árvores gigantescas.”
Nesse sentido, foi belo o discurso de Lula, na recém-realizada Cúpula do Mercosul, em Puerto Iguazu.
A própria escolha da cidade fronteiriça, por parte do presidente da Argentina, Alberto Fernandez, já demonstra o bom censo em privilegiar quem faz integração 24 horas por dia.
De fato, pressuposto de acertar é, em primeiro lugar, ouvir quem entende os potenciais e as limitações do processo integrativo, e esse conhecimento não está nas capitais, mas nos logradouros de fronteira, em que possibilidades e limitações se explicitam de forma contínua e real, não virtual, burocrática.
O mandatário brasileiro enfatizou, por seu turno, a importância de a integração privilegiar as zonas fronteiriças, o que, de certa forma, constitui novidade para as relações exteriores do Brasil, estas mais conhecedoras de Nova York e Genebra de que de Bernardo de Irigoyen ou Rivera.
Nesse sentido, importante que o presidente Lula, na anterior viagem a Paris, tenha afirmado: “Vamos ter claro que o Banco Mundial deixa muito a desejar naquilo que o mundo aspira. Vamos deixar claro que o FMI deixa muito a desejar”.
Em paralelo, caberia indagar: e a Organização das Nações Unidas? Não são coetâneos? Suas estruturas de poder não compartilham os mesmos pilares de um mundo pós-guerra amplamente superado? Qual a proposta brasileira para a reforma da ONU? Um assento no Conselho de Segurança?
Uma visão mais abrangente das relações internacionais poderá conduzir o governo a uma política externa em que alternativas sejam propostas, de forma inovadora, sem que busquemos apenas ser integrados a um grupo de evidente ineficácia, como o Conselho de Segurança da ONU.
“Ninguém remenda roupa velha com pano novo, porque o remendo repuxa a roupa e o rasgão fica pior. Nem se põe vinho novo em odres velhos, porque se romperiam, o vinho se derramaria e as vasilhas se estragariam. Vinho novo se coloca em odres novos, e assim os dois se conservam.”
São palavras do Cristo, segundo o Evangelho de Mateus, as quais nos devem fazer pensar e refletir a respeito da possível reforma da ONU.
Em primeiro lugar, cabe entender que o vício da Organização vem da própria forma de financiamento: só os EUA são responsáveis por 25% do orçamento regular. Entretanto, este orçamento é apenas metade do real orçamento da Organização. A outra metade é composta de contribuições voluntárias, que, obviamente, são predominantemente exclusivas dos países ricos, que as dirigem para fins específicos, fazendo que a Organização, de forma engenhosa, trabalhe, de fato, para os fins que almejam.
Destarte, na realidade, os EUA colocam aproximadamente 50% dos recursos orçamentários…
Dessa forma, que autonomia pode ter a Organização com relação aos interesses deles e do grupo de aliados, autodenominados “Ocidentais, Europeus e Outros”? “Nenhuma” é a resposta, evidentemente, e o desastre internacional a que assistimos não é fruto de outra matriz, senão dessa.
Não desanimemos, porém, como Elis e Zé Celso nos ensinaram: “…O novo sempre vem”.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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