Josué Medeiros

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Josué Medeiros é cientista político e professor da UFRJ e do PPGCS da UFRRJ. Coordena o Observatório Político e Eleitoral (OPEL) e o Núcleo de Estudos sobre a Democracia Brasileira (NUDEB)

Opinião

Mapeando a extrema-direita para uma resistência efetiva

É fundamental que as fundações partidárias se engajem em um esforço de compreensão desses e de outros segmentos

Som e fúria
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Derrotar a extrema-direita segue sendo a principal tarefa da conjuntura política do Brasil contemporâneo, por isso é decisivo entender melhor o que é o bolsonarismo. Foi com esse objetivo que o Centro de Análise da Sociedade Brasileira foi criado em 2023 em conjunto pela Fundação Perseu Abramo, do PT; pela Fundação Lauro Campos e Marielle do PSOL; pela Fundação Maurício Grabois, do PCdoB; e pela Fundação Rosa Luxemburgo, do partido alemão Die Link.

Em um ano, acumulamos no CASB reflexões sobre as múltiplas dimensões da extrema-direita bolsonarista através de uma metodologia de grupos de trabalho compostos por ativistas dos movimentos sociais e intelectuais das universidades que vêm se dedicando ao estudo da extrema-direita e da política brasileira de um modo mais amplo.

Uma primeira dimensão estudada foi a das mudanças sociológicas no mundo do trabalho, especialmente a formação de uma nova classe trabalhadora atravessada pela plataformização do trabalho e pela experiência das várias modalidades de trabalho por conta própria. Duas pesquisas com grupos focais foram realizadas, demonstrando uma diversidade de posicionamentos políticos dessas trabalhadoras e trabalhadores que vai muito além de uma suposta adesão ao bolsonarismo, o que de fato existe de modo mais marcado em algumas categorias (motoristas de aplicativos, por exemplo).

Uma segunda dimensão que o CASB se debruçou foi a do financiamento empresarial à extrema-direita, crucial para entender não só a força política, social e eleitoral do bolsonarismo, mas também para garantir que os responsáveis pela tentativa de golpe de Estado de 08 de janeiro sejam de fato punidos. Nosso foco foi no agronegócio, que é provavelmente o principal pilar econômico bolsonarista, operando em favor de um projeto predatório da natureza, genocida dos povos indígenas e comunidades quilombolas e que, portanto, precisa destruir a democracia para se expandir e seguir dominante.

Uma terceira dimensão que investimos no CASB foi a ideológica, procurando nos aprofundar nas múltiplas manifestações e atuações do bolsonarismo nesse campo. A começar pelo ambiente digital das plataformas sociais, regido quase que exclusivamente pelos interesses econômicos das grandes corporações de tecnologia. Sem regulação democrática, o que temos é uma convergência do modelo de negócios das Big Techs com o ecossistema da extrema-direita nas redes, na medida em que a desinformação e o engajamento extremista são altamente lucrativo para as plataformas

Estudamos ainda, nesta dimensão ideológica, as juventudes, a questão do negacionismo climático e a esfera das religiosidades. O que há de comum em todos eles é o diagnóstico de que a extrema-direita disputa esses setores e temas apoiada em um projeto de sociedade com muita nitidez e coerência dos seus valores e visões de mundo, o que confere ao bolsonarismo uma capacidade de ação e mobilização muito eficaz. Entretanto, também vimos que há muita diversidade e campo para as esquerdas atuarem em favor da democracia e da solidariedade, tanto na questão climática, quanto nas juventudes e, principalmente, no campo religioso. Destaco aqui o segmento evangélico, visto com frequência como totalmente “bolsonarizado” pelo campo progressista, o que é uma visão equivocada e preconceituosa e que fecha as portas para um diálogo mais aberto em torno de um projeto democrático comum à sociedade brasileira.

Neste sentido, talvez seja o momento de avançamos para entender melhor justamente essa dimensão da diversidade que marca a sociedade brasileira, inclusive os segmentos que hoje são mais aderentes ao bolsonarismo, mas não só. O mais animador, nesse caso, é que não partimos do zero, pois em todos os setores existem movimentos sociais e redes ativistas que são parte orgânica destes segmentos e já produzem uma prática e um conhecimento de enraizamento popular e democrático entre eles. Por exemplo, ainda no campo das religiosidades, temos a Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, que desenvolve um trabalho de comunicação a partir de um programa de rádio chamado Papo de Crente, com audiência de mais de 500.000 pessoas e que difunde informação democrática em convergência com os valores cristãos.

Outro caso animador está nas periferias urbanas brasileiras. Embora a esquerda como um todo siga sem compreender plenamente a complexidade dos territórios periféricos das grandes e médias cidades brasileiras, o ativismo social nas favelas e periferias está enraizado e consolidado. Destaque para o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, que vêm desenvolvendo um trabalho de base consistente e com alto poder de mobilização. O presidente Lula entendeu essa potencialidade e criou uma estrutura nova de políticas públicas territoriais, a Secretaria Nacional de Periferias , dentro do Ministério das Cidades e que é dirigida pelo companheiro Guilherme Simões, com longa trajetória no movimento popular.

É fundamental que as fundações partidárias, bem como as frentes de movimentos sociais tais como a Frente Povo Sem Medo e a Frente Brasil Popular, se engajem em um esforço de compreensão desses e de outros segmentos, para que possamos aumentar nossa capacidade de mobilização e derrotar de fato o bolsonarismo no Brasil.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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