Aldo Fornazieri

Cientista político, autor de 'Liderança e Poder'

Opinião

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Lula, a ONU e o ambiente

A política de sustentabilidade ambiental brasileira não pode reduzir-se à Floresta Amazônica e à transição energética

Lula, a ONU e o ambiente
Lula, a ONU e o ambiente
O presidente Lula (PT). Foto: Jim Watson/AFP
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O discurso de Lula na Assembleia-Geral da ONU pode ser analisado sob vários aspectos e significados. Do ponto de vista mais geral e nacional, pode-se dizer que ele expressou a culminância de um movimento de restauração da credibilidade, da importância e da respeitabilidade do Brasil no mundo, ativos destruídos por Bolsonaro.

Não por acaso, nos primeiros nove meses de governo, Lula priorizou a agenda internacional. No cume desse processo quis mostrar, simbolicamente, que o Brasil vive outro momento político interno. Esta simbologia se expressou na ideia da unidade pela presença dos presidentes da Câmara e do Senado, lado a lado, na plateia da ONU. Lula cumpriu com êxito a tarefa restauradora, necessária ao Brasil. Agora, a política externa entra numa fase de normalidade, na qual o governo e a diplomacia trabalharão para viabilizar os interesses e as ambições do País.

Em seu discurso, Lula abordou os principais temas que afetam o mundo. Alguns não são novos e sua persistência revela a incapacidade da comunidade internacional de resolvê-los. O discurso indicou uma plataforma de ação ou de preocupação dos organismos multilaterais. Dentre os tantos temas abordados, Lula enfatizou três: a desigualdade global, a reforma da ONU, especialmente do Conselho de Segurança, e a questão ambiental. Esses temas foram também enfatizados por ­António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, com um tom mais dramático do que aquele empregado por Lula.

Embora haja grande convergência de diagnósticos entre os dois, as perspectivas de futuro são divergentes. Lula reiterou sua “confiança na capacidade humana de vencer desafios e de evoluir para formas superiores e convivência”. Sua perspectiva de futuro e o teor de sua retórica são iluministas e otimistas. ­Guterres tem enfatizado os riscos que a humanidade corre, sua incapacidade de resolver os problemas e a ameaça apocalíptica a pairar sobre o planeta e a vida. Sua perspectiva de futuro é cética, para não dizer pessimista. Projeta o futuro por uma jeremiada retórica da advertência: ou mudamos ou seremos destruídos pela tragédia. Parece que o curso dos acontecimentos no mundo, a proximidade de um ponto de não retorno da tragédia ambiental, dá razão à perspectiva cética de Guterres.

Se olharmos a posição e o discurso ambientalista de Lula com as lentes de determinados ativos do Brasil, não há como negar que o presidente tem condições de se colocar como líder global legítimo para empunhar as bandeiras do enfrentamento da crise climática e da sustentabilidade ambiental. Esses ativos são, especialmente, a transição energética e a preservação da Amazônia. No primeiro, o Brasil ocupa posição de destaque na disponibilidade de fontes limpas de energia. Um dos principais pontos programáticos do governo consiste em alargar esse ativo com novos investimentos. Resultados alcançados nos seus dois primeiros mandatos e a reversão da devastação da Amazônia proporcionada por Bolsonaro no momento atual conferem autoridade global a Lula na agenda ambiental.

Mas, por trás do pano, na retaguarda desses ativos efetivos de vantagem relativa do Brasil na crise climática, as coisas não andam bem, não são nem tão boas nem tão reluzentes. É possível até mesmo dizer que a política de sustentabilidade ambiental no Brasil vai mal. Relatórios de controle mostram que não há praticamente avanços nas 169 metas relativas aos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Ao contrário, em alguns pontos houve recuo, a exemplo da desigualdade e da fome. Isto se completa com o fato de que 71% das cidades brasileiras têm baixo desenvolvimento sustentável, em um total de 3.345 municípios. Outros 1.555 têm médio desenvolvimento sustentável e apenas 45 oferecem alto desenvolvimento sustentável.

Por outro lado, um relatório do Ipea e estudos internacionais mostram que 70% das empresas brasileiras não adotam atividades ecoativas de preservação ambiental. Não há iniciativas nessas áreas. Cerca de 60% das companhias nem sequer têm estratégias de sustentabilidade. Em que pese a redução do desmatamento na Amazônia, as regiões do sudoeste do Amazonas e do Pará estão em situações críticas de destruição e próximas ao ponto de não retorno, com graves consequências ambientais e no regime de chuvas no futuro. O desmatamento do Cerrado provocará um desastre ambiental e nos recursos hídricos com consequências catastróficas para a vida humana e para a agricultura.

O governo precisa perceber que a política de sustentabilidade ambiental não se reduz à Floresta Amazônica e à transição energética. Se medidas urgentes gerais não forem adotadas, o Brasil não fugirá do colapso ambiental. •

Publicado na edição n° 1278 de CartaCapital, em 27 de setembro de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Lula, a ONU e o ambiente’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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