Aldo Fornazieri

Doutor em Ciência Política pela USP. Foi Diretor Acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), onde é professor. Autor de 'Liderança e Poder'

Opinião

Críticas de petistas à união com Alckmin enfraquecem a candidatura de Lula

Nem sempre a ameaça reside na trincheira oposta. O PT e o setores do PSDB, que tentam derrubar Doria, possuem adversários em suas próprias fileiras

Geraldo Alckmin e Lula devem formar chapa para eleição neste ano. Fotos: Rovena Rosa/Agência Brasil e José Cruz/Agência Brasil
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Na atividade política, dificilmente há correspondência entre as intenções do agente e os resultados da ação, devido às interações entre sujeitos com interesses, projetos e ambições diferentes e conflitantes. Assim, o sujeito de uma ação política quase nunca consegue alcançar o resultado pretendido, pois sua ação sofre a interferência de outros sujeitos, produzindo uma discrepância entre o projeto inicial e o resultado final. Há ainda discrepâncias entre as intenções e as ações do agente. Por vezes, o resultado das ações nega as intenções. A melhor explicação para este fenômeno, no caso da política, é fornecida pela teoria das duas éticas de Max Weber: a ética das convicções e a ética da responsabilidade. Essa contradição é verificável hoje tanto no PT, envolvendo a escolha de Geraldo Alckmin como vice de Lula, quanto no PSDB, na contestação da escolha de João Doria como candidato à Presidência da República.

No caso do PT, todos sabem que Alckmin, salvo imprevistos e acidentes que ocorrem na política, é o escolhido por Lula para ser seu vice. Embora o PT possa, formalmente, ter um entendimento contrário sobre o assunto, o fato é que a decisão já foi tomada por Lula. Em artigo anterior, apontei as razões que fizeram do ex-presidente um tipo de líder que decide em última instância no âmbito do partido e de um eventual governo. Uma vez que a decisão de Lula sobre Alckmin é um fato consumado, a ação crítica que fazem no interior e no entorno do partido tem o efeito prático de enfraquecer a candidatura do líder petista e de beneficiar os seus adversários, notadamente Bolsonaro.

As razões para as críticas à opção de Alckmin como vice são várias. Algumas se baseiam em princípios: o ex-governador teria apoiado o golpe de 2016 e as políticas neoliberais. Mas o próprio PT anulou esses argumentos ao se aliar a partidos que apoiaram o impeachment de ­Dilma ­Rousseff e a políticos mais liberais que ­Alckmin na economia. Em termos da ética das convicções, o que importa para esses críticos é alimentar a chama da convicção, não se importando com as consequências decorrentes de suas posições. Quanto aos resultados, “confiam em Deus”, no materialismo histórico ou, se forem desagradáveis, “a culpa é dos outros”.

Outra linha de argumentação para criticar a aliança decorre da arrogância que leva a equívocos. Até há poucos dias esses setores julgavam que as chances de Lula vencer no primeiro turno seriam grandes. Nesse sentido, Lula e o PT não precisariam fazer alianças ao centro para vencer. Espera-se que a realidade reconduza essas avaliações à sensatez e se perceba a dureza do embate que será essa disputa e as dificuldades que existem para alcançar a vitória. Os críticos querem que Lula seja alguém que nunca foi: um revolucionário, um profeta armado. Mas ele sempre foi um político de diálogo, de conciliação, de acordos e compromissos. Sabe que essas eleições serão definidas pelos eleitores de centro. Políticas de compromisso não são estranhas à história da esquerda. ­Lenin e Gramsci, os dois teóricos mais sábios no âmbito do marxismo, defenderam políticas de compromisso. O problema consiste em como e com quem elas são feitas.

As políticas de compromisso que o PT celebrou com o PMBD de Michel Temer foram equivocadas, porque se fez uma aliança com uma força equipotente ou até superior ao PT. Nesses casos, perde-se a autonomia decisória, fica-se dependente de uma poderosa força auxiliar ou mercenária. A tendência é perder o poder, como de fato ocorreu. Alckmin e outros setores que formarão a aliança, agora, não são forças superiores ou equivalentes ao PT. O partido só não dirigirá esse conjunto de forças se for muito incompetente ou ingênuo, como foi com o PMDB e Temer.

O PSDB também tem seus inimigos íntimos. Depois de definir um candidato por uma prévia, na qual os participantes aceitaram as regras do jogo, agora se pretende virar a mesa, anulando a candidatura de Doria. Na verdade, revela-se a vocação golpista e antidemocrática desses setores, cujo número 1 dos capitães é ­Aécio Neves. Se golpeiam seu próprio partido, não hesitarão em golpear o Estado Democrático de Direito. Não é por acaso que parte significativa do PSDB é linha auxiliar de Bolsonaro.

A fragilidade da democracia brasileira também se deve à desorganização, à fraqueza e ao golpismo que impera nos partidos. Um princípio elementar da democracia consiste na observância das regras do jogo. Eduardo Leite e seus amigos querem burlá-las. Os inimigos íntimos do ­PSDB não golpeiam apenas a candidatura. Destroem o próprio partido. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1202 DE CARTACAPITAL, EM 6 DE ABRIL DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Inimigos íntimos”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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