Opinião

Como sempre, o Papa Francisco inova: a guerra é a falência da política

Entender por que se chega a isso requer buscar causas profundas, como faz um médico, ao coletar sintomas, para formar o diagnóstico da doença

Ataque de Israel ao Porto de Gaza, em 10 de outubro de 2023. Foto: Mahmud Hams/AFP
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“Por um lado, cada ser humano se encontra enraizado neste mundo espácio-temporal e cultural, e por outro, dimensionado ao ilimitado e ao imponderável. Como dizia, com acerto, Pascal ‘é um nada diante do infinito, e um tudo diante do nada, um elo entre o nada e o tudo, mas incapaz de ver o nada de onde é tirado e o infinito para onde é tragado” – Leonardo Boff

Como sempre, o Papa Francisco inova.

Ao contrário de Carl von Clausewitz (1780-1831), estrategista militar prussiano, para quem a guerra era a continuação da política por outros meios, o Papa Francisco, após a oração do Angelus, no último domingo, afirmou, com clarividência, que a guerra é a “falência da política”.

Com efeito, nada resolve e deixa rastro de mortes inocentes.

Entender por que se chega a isso requer buscar causas profundas, como faz um médico, ao coletar sintomas, para formar o diagnóstico da doença.

Qual a razão do conflito no Oriente Médio?

A questão remonta a 1948, quando a Organização das Nações Unidas procedeu, de forma impositiva, à partilha da Palestina, entre judeus e palestinos, os habitantes originários.

A Organização daria todo o apoio à formação do Estado judeu e nenhum à constituição do Estado palestino.

O grande vencedor da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos da América, potência hegemônica, então inconteste, passou a considerar Israel como um tema de política interna, apoiando incondicionalmente o expansionismo sionista, a exemplo do que eles próprios faziam nos cinco continentes do Globo, principalmente no Oriente Médio e na América Latina.

Em ambos os casos, considerações geopolíticas os moviam: o Oriente Médio, sua fonte principal de energia, a América Latina, sua área de maior exploração predatória de suas empresas e também fonte privilegiada de fornecimento de matérias-primas, inclusive petróleo e outros bens minerais.

Impotente diante dos EUA, a ONU nada conseguiu fazer para reparar a absurda, desumana e genocida dominação de Israel sobre a Palestina.

E o Brasil?

Bem, a oligarquia brasileira tem muito a ver com o desastre da divisão malfeita, o desastre, a “Nakba”, como é chamada em árabe.

O brasileiro Oswaldo Aranha presidiu a Assembleia Geral da ONU que aprovou a partição, em 1948.

O resultado foi desastroso: a Faixa de Gaza, na verdade, tranformou-se em um campo de concentração a céu aberto.

Só 17% dos habitantes puderam deixar a Faixa, seja para reencontrar um parente que ficou confinado na Cisjordânia, seja para obter assistência hospitalar, por exemplo.

Israel também não permite a entrada de qualquer tipo de material que julgue, discricionariamente, possa ser utilizado para fins bélicos, inclusive cimento e ferro.

Resultado: mais de 80% da população está desempregada em Gaza.

No mar Mediterrâneo, Israel fere e mata todos os dias pescadores palestinos, alegando que estão fora dos limites marítimos, que modifica a seu bel-prazer, de acordo com as conveniências.

Uma coisa importante que aprendi nas duas visitas à região: o conflito nada tem de religioso, sendo essencialmente político. As religiões, naquele caso – como também no Brasil – são instumentalizadas, com fins políticos.

Atualmente, cristãos e muçulmanos são atacados por judeus fanatizados, que creem ser a Palestina seu espaço vital, como os nazistas acreditavam, em relação à Europa Ocidental e Oriental.

Em meio a esse desastre, uma luz se mantém acesa: o senso crítico, corajoso, excelente de uma parcela do povo judeu.

O maior jornal do país, o Haaretz, em meio à guerra, não hesitou em responsabilizar o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu pela eclosão do conflito.

Coerentemente, pediu a renúncia dele, acusado de corrupção similar à do genocida que nos desgovernou de 2019 a 2022, e autor de projeto de lei que limita as competências da Corte Suprema, cópia do qual se encontra sob apreciação do Congresso Nacional brasileiro. Nada vem do nada. A extrema-direita não inova, apenas copia…

Quanta diferença, porém, com relação à “imprensa” local, não apenas na parcialíssima cobertura que faz da guerra no Oriente Médio, mas também na morte dos três médicos no Rio de Janeiro, ocorrida na semana passada.

O jornal hegemônico no Rio Grande do Sul, a Zero Hora, deu uma lição de mau jornalismo, útil, porém, para quem almeje escrever bem.

O “jornal” publicou, na primeira página, que um dos médicos mortos era “irmão de uma deputada do PSOL”.

Qual o nome da deputada? Federal ou estadual? Se federal, eleita por qual estado?

O pasquim da retransmissora local da Globo não traz essas informações básicas na primeira página, embora as tivesse.

Por que não as informou ali, como seria de dever, não apenas do bom jornalismo (seria esperar demais), mas de um jornal de bairro até; de um zap de uma tia mais ligada.

O motivo é simples: como subsidiária da Globo, a publicação não visa a informar; ao contrário, busca “fazer a cabeça” de seus leitores que, para ela, devem-se tornar eleitores do projeto político neoliberal que a move e que vem destruindo o estado do Rio Grande do Sul (agora, falta pouco).

Vale notar que a notícia de primeira página do jornalzinho (compreensivelmente, sem qualquer expressão nacional, embora seja hegemônico em um dos principais estados da Federação) omite também que um dos referidos médicos vitimados pelo crime organizado, além de irmão da deputada Sâmia Bonfim, era cunhado do combativo deputado federal Glauber Braga, também do PSOL, mas do Rio de Janeiro.

Daí a aceitar a versão “oficial” da Polícia Civil do RJ (a mesma que até hoje não desvendou quem mandou matar a vereadora Marielle – também do PSOL – e seu motorista Anderson, há mais de cinco anos e meio) foi um passo, que a publicação não hesitou em dar.

Que o mesmo Rio Grande do Sul, terra de Oswaldo Aranha, seja terra de diálogo entre judeus progressistas e palestinos com abertura para dialogar. Essa seria a melhor contribuição que o País poderia dar ao fim do conflito na Palestina.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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