Opinião

A eleição de Lula e as novas formas de fazer política

Crescemos como nunca nos governos Lula e Dilma; depois, aceitamos, quase passivamente, um golpe de estado

O ex-presidente Lula. Foto: Ricardo Stuckert
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“A ingratidão é sempre uma espécie de fraqueza. Nunca vi pessoas inteligentes que houvessem sido ingratas.” – Johann Wolfgang von Goethe

Em “A sublime arte de envelhecer” (editora Vozes), Anselm Grün complementa esse pensamento, citando o Talmud, segundo o qual a ingratidão é pior do que o roubo.

Algumas das nossas maiores dificuldades, pessoais e coletivas, passam por isso.

Como entender que a vida é um ato de gratidão?

Em “Vinicius por Vinicius” (Companhia das Letras), com organização de Maria Lucia Rangel, encontramos uma bela citação do Poetinha: “O Brasil é um país bastante parecido com o ser humano, com crises alternadas de pureza e mau caráter.”

Crescemos como nunca nos governos Lula e Dilma; depois, aceitamos, quase passivamente, um golpe de estado.

Desde então, uma sucessão de catástrofes: a volta do país ao mapa da fome, com mais de 33 milhões de famintos; a recolonização, com total dependência externa; desemprego e pobreza em massa.

Não serve de consolo, mas aquela mesma obra recorda que Vinicius, em entrevista a Clarice Lispector, afirmara: “Eu só sei criar na dor e na tristeza.”

Talvez, porque nessa condição sejamos obrigados a nos ater ao essencial, a buscar o cerne, até para transcender a própria dor.

E como dói!

Um país tão rico, tão explorado, tão manipulado pelas oligarquias locais e internacionais!

Em “A vida não é útil” (Companhia das Letras), Ailton Krenak faz uma reflexão interessante: “Viver a experiência de fruir a vida de verdade deveria ser a maravilha da existência. Alguém vai dizer: ‘Mas tem tanta gente que vive em dificuldade material, que tem de morar em lugares de miséria e violência…’ Porém os lugares de miséria e violência fomos nós que criamos, não têm existência por si.”

Josué de Castro era meridiano a esse respeito: a fome é um fenômeno político, nada tem de natural.

Krenak desvenda também a gênese das teorias: “toda teoria é um esforço de explicar para cabeças-duras a realidade que eles não enxergam.”

No que tange à exploração e à fome, analisa: “Tem essa campanha imoral de que ‘o agro é tech, o agro é pop, o agro é tudo’, na qual mostram todo o processo de industrialização, não somente de alimentos, mas também de minérios. Tudo virou agro. Minério é agro, assalto é agro, roubo do planeta é agro, e tudo é pop. Essa calamidade que nós estamos vivendo no planeta hoje pode apresentar a conta dela para o agro.”

Porém, nota que a vida transcende: “A vida atravessa tudo, atravessa uma pedra, a camada de ozônio, geleiras. A vida vai dos oceanos para a terra firme, atravessa de norte a sul, como uma brisa, em todas as direções. A vida é esse atravessamento do organismo vivo do planeta numa dimensão imaterial…Assim como existem as palavras ‘vento’, ‘fogo’, ‘água’, as pessoas acham que pode haver a palavra ‘vida’, mas não. Vida é transcendência, está para além do dicionário, não tem uma definição.”

Com efeito, em “Wittgenstein” (editora Iluminuras), Contador Borges recorda que o filósofo austríaco afirmara: “O mundo e a vida são um só”. A isso, aduziu: “…a ciência não é a única fonte de conhecimento e compreensão…A lógica preenche o mundo…os limites do mundo são também seus limites.” Por isso, complementou o pensador: “ética e estética são a mesma coisa” e ainda: “o que define a linguagem é o uso que fazemos dela na comunicação, num contexto determinado.”

De fato, há tanto a dizer, mas ainda mais a calar!

Como enfrentar a expressão e a impressão? Como vencer a batalha de comunicar?

Nestes dias dramáticos em que temos de tentar criar consciência, como fazê-lo?

Sempre Krenak a nos auxiliar: “…toda vez que você vê um deserto você sai correndo? Quando aparecer um deserto, o atravesse.”

Em “O sistema e o antissistema” (editora Autêntica), Krenak vai ao centro da questão: “Considerar novas maneiras de fazer política é especialmente importante no caso brasileiro, onde nós estamos sendo governados por uma trupe de pessoas que tomaram o governo do estado, o que mostra, inclusive, como o Estado é uma coisa fácil de ser manipulada. Se temos um déspota no governo, o Estado vai refletir isso. É um contágio…Se temos um sujeito como esse no governo brasileiro, mandando botar fogo nas florestas, queimar o Pantanal, que avalia os negros por arroba (como ele disse a respeito dos quilombolas) e considera que os índios são vagabundos; se temos um governo que verbaliza isso sobre seu povo, temos uma declaração de guerra feita por alguém que maneja os aparelhos do Estado, e que pode usar agências do Estado para matar pessoas; pode usar o Ministério do Meio Ambiente, o Ministério da Saúde contra as pessoas…Se a existência do Estado só faz sentido sendo ele uma coisa pública, vivemos a ironia de termos o Estado dominado por uma lógica privada…Essa agência que hoje chamamos de “Estados”, “Estados nacionais”, que são os Estados Coloniais. Eles foram constituídos para isso mesmo, para morrer gente, no dizer de Darcy Ribeiro.”

Tendo presente toda a importância do voto em Lula no dia 2 de outubro, tenhamos também em conta mais esta reflexão de Krenak: “Acho importante que se considere que novas formas de fazer política estão emergindo de campos que ainda são considerados invisíveis. Elas estão acontecendo em comunidades, em pequenas comunidades que conseguem estabelecer experiências em rede que cooperam entre si e que, de alguma maneira, constituem um contragoverno – num bom sentido, já que o governo é instituído pela violência.”

Aperta 13 e confirma!

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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