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O que esperar da guinada ultranacionalista de Erdogan em seu novo mandato na Turquia?

Grande parte da população turca, que contabilizou 48% dos votos nessa eleição para o candidato de oposição, teme os efeitos da aliança de Erdogan com a extrema-direita e os fundamentalistas religiosos

Foto: Adem ALTAN / AFP
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Na Turquia, a noite do domingo (28) foi de festa para os partidários do presidente Recep Tayyip Erdogan, reeleito para governar por mais cinco anos. Os turcos foram em massa às urnas neste 2.º turno, com uma taxa de comparecimento um pouco maior que 85%, em comparação com os 88% do 1.º turno, segundo as agências Anadolu e Anka.

Erdogan recebeu 52% dos votos e seu opositor, o social-democrata Kemal Kiliçdaroglu, obteve 48%. A noite de domingo foi longa em Istambul, com muitos buzinaços e comemorações, na sede do partido AKP, o quartel-general de Erdogan em Anatólia, na margem asiática do Bósforo, mas também no distrito central de Taksim, do lado europeu.

Parte do eleitorado chegou a celebrar com muitos aplausos a vitória de Kiliçdaroglu em Istambul. Mas o chefe de Estado de 69 anos, que começou o segundo turno da eleição presidencial como favorito com cinco pontos de vantagem, confirmou a boca de urna e conseguiu a maioria dos votos.

A eleição não foi contestada pelo CHP, o partido do opositor, ou pela autoridade eleitoral turca, que validou rapidamente os resultados, contrariando as expectativas que previam um longo período de contestação do pleito até a homologação dos resultados oficiais.

Os dois primeiros chefes de Estado a parabenizarem Erdogan foram os presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e o da França, Emmanuel Macron. O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e o norte-americano Joe Biden também congratularam o líder, além de diversos outros chefes de Estado e de governo pelo mundo.

A reeleição de Erdogan acontece exatamente 10 anos após o chamado “Movimento de Gezi”, quando manifestantes da oposição foram violentamente reprimidos. Esse evento deu início à resistência da coalizão da esquerda turca com outros partidos, culminando no segundo turno histórico da eleição deste domingo (29).

Crise econômica e migratória

Esta foi a primeira vez que Erdogan teve que enfrentar um duelo com seu opositor no segundo turno, num contexto de pós-crise econômica severa. A Turquia também está em plena ebulição e lida atualmente com mais de 3 milhões de migrantes sírios que querem se instalar no país ou ir para a Europa. Cerca de 230 mil deles já têm autorização temporária de residência.

A vitória não foi tão representativa quanto o campo presidencial esperava. Muitos partidários de Erdogan esperavam obter mais de 60% dos votos.

Vários fatores poderiam ter dado esperança de uma mudança no cenário político turco: entre eles, o desgaste de Erdogan após 20 anos à frente do Estado, e uma crise econômica que já dura dois anos, com hiperinflação e empobrecimento da população.

A taxa de inflação oficial superou 40% em um ano, resultado de uma queda constante nas taxas de juros buscada pelo presidente Erdogan.

Ao contrário da teoria econômica convencional, Erdogan alega que as altas taxas de juros incentivam a inflação e, durante sua campanha, ele indicou claramente que não tinha intenção de abaixá-las.

A lira turca perdeu mais da metade de seu valor em dois anos e, nesta semana, chegou a 20 liras por dólar. De acordo com dados oficiais, Ancara teria gasto cerca de US$ 25 bilhões de dólares em um mês para sustentá-la, mas seu colapso parece inevitável, segundo especialistas, especialmente porque as reservas de moeda estrangeira caíram no vermelho na Turquia pela primeira vez desde 2002.

Diante de milhares de apoiadores que se reuniram na frente do Palácio Presidencial em Ancara para festejar sua vitória, Erdogan prometeu uma queda rápida da inflação: “Não há problema que não possamos resolver quando existe um vínculo tão forte (entre nós)”, afirmou.

Erdogan venceu todas as eleições nacionais desde que chegou ao poder em 2002, e que sempre dispôs de enormes vantagens sobre seu oponente social-democrata, como o controle da mídia, recursos estatais e a capacidade de oferecer aumentos salariais ou contas de gás gratuitas, como fez antes da eleição.

A oposição também tinha vantagens, mas a maior crise econômica em 20 anos e as ruínas de dois grandes terremotos que destacaram as fraquezas do governo parecem não ter surtido efeito.

Kemal Kiliçdaroglu desapareceu do radar por três dias antes de ressurgir com uma nova campanha à direita, mais agressiva e com discurso anti-imigrantes. Isso pode ter lhe rendido votos entre os turcos mais nacionalistas, mas sem dúvida isso custou caro nas regiões predominantemente curdas, onde os eleitores compareceram menos às urnas.

Desafios

Os desafios para os próximos cinco anos de mandato de Erdogan são imensos. Grande parte da população turca, que contabilizou 48% dos votos nessa eleição para o candidato de oposição, teme os efeitos da aliança de Erdogan com a extrema-direita e os fundamentalistas religiosos principalmente para as mulheres e os refugiados.

Um dos enigmas a partir de agora, aliás, é como Erdogan vai lidar com a questão dos migrantes. A Turquia, que lançou várias incursões contra grupos jihadistas e curdos no território sírio desde 2016, abriga 3,4 milhões de refugiados sírios que fugiram da guerra.

No início de maio, Erdogan anunciou a construção de 200.000 unidades habitacionais em treze locais no norte da Síria para permitir o retorno “voluntário” de pelo menos um milhão de pessoas. Diversos líderes dessa comunidade de refugiados em Istambul ouvidos pela RFI se dizem apavorados com a possibilidade de voltar para a Síria, porque são vigiados pela polícia de Bashar al-Assad e temem represálias.

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