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Evo aponta golpe e diz que poderá participar da campanha presidencial

Chanceler da Argentina, onde o ex-presidente boliviano está refugiado, não quer que o sindicalista se envolva no pleito

Evo Morales em evento com da comunidade boliviana na Argentina. Foto: Luciana Rosa
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Evo Morales, ex-presidente da Bolívia, afirmou nesta quarta-feira 25 que poderá atuar na disputa presidencial boliviana mesmo vivendo na Argentina, onde recebeu o status de refugiado político em dezembro. A declaração ocorreu durante um evento com a comunidade boliviana em Buenos Aires, no qual ele também atribuiu a sua queda a um golpe e interesses externos “no lítio” do país.

A intenção de Morales em participar de alguma forma das eleições da Bolívia pode, contudo, causar certo desconforto diplomático na Argentina. O boliviano considera não haver nenhuma restrição para que faça campanha em terras portenhas. “Tenho todo o direito de fazer campanha, segundo as normas internacionais”, declarou.

O chanceler argentino, Felipe Solá, por outro lado, discorda. Na chegada de Morales ao país, ele pediu para o ex-presidente não utilizar o seu refúgio “para fazer política ou declarações públicas”. “Isso é  um compromisso político, não é o que diz a lei. Ele pode cumprimentar, reunir-se, mas não fazer campanha daqui”, afirmou o ministro à rádio argentina El Destape.

Morales é apontado como o provável chefe de campanha do Movimiento al Cambio (MAS). E a primeira reunião da campanha boliviana ocorrerá no próximo dia 29, quando nove intendentes do MAS virão à Buenos Aires para escolher o seu candidato. Entre os nomes de maior destaque estão Luis Arce Catacora, ex-ministro da Economia, e o chefe do Sindicato dos Cocaleiros, Andrónico Rodríguez.

Rodríguez lidera a preferência do eleitorado boliviano com 23% das intenções de voto, segundo pesquisa realizada pelo instituto Mercados y Muestras, divulgada no domingo 22. Em seguida aparecem Carlos Mesa (Comunidade Cidadã)  com 21% e Luis Fernando Camacho (6%), o representante da extrema-direita. 

Morales renunciou à Presidência da Bolívia em 10 de novembro, após suspeitas de irregularidades nas eleições do fim de outubro –  depois confirmadas pela Organização dos Estados Americanos (OEA) – provocarem uma onda de protestos e violência no país. Naquele pleito, o então presidente conquistou o seu quarto mandato consecutivo.

“O que eu posso contribuir é com a minha experiência sindical, em unir o povo. Haverá novos líderes, excelentes oradores, com muita formação, muito compromisso, tanto do campo quanto da cidade”, afirmou Morales à CartaCapital, quando questionado se teria sido melhor não participar das eleições deste ano. 

Morales reiterou seu papel unificador no processo de estabilização política de um país que, segundo ele, entre 1825 e 2005 teve uma média de um presidente a cada dois anos. “Unir não é algo simples, unir é o mais difícil”. E completou: “Quem sabe o meu aporte seria acompanhar aqueles que fazem política como um serviço, uma ciência, um compromisso com os mais humildes?”

Novas eleições serão convocadas em 2 de janeiro pelo governo interino. Então, os bolivianos irão às urnas escolher um presidente em até 120 dias.

Golpe ao Lítio

Em relação à renúncia, Morales declarou que “tinha a obrigação de cuidar da vida de suas irmãs e irmãos”, referindo-se a escalada de violência que assolou o país nos dias que sucederam as eleições. “Decidi renunciar porque não havia polícia, os militares estavam pedindo a minha renúncia, igualmente a OEA”, disse. 

“Na minha gestão não poderiam haver mortos a tiros. Até o dia da minha renúncia, não houve nenhum morto a tiros, apenas dois falecidos por enfrentamento entre civis. Após 10 dias, já havia 33 mortos a bala e 800 feridos. Eu tinha que evitar um massacre”, explicou.

Para o líder boliviano, a principal razão para o que define como golpe é a batalha pelos direitos de utilização dos recursos energéticos do país. “Os EUA estão fora da indústria do lítio e vocês sabem como pesquisadores, como jornalistas, a importância que o lítio terá no futuro na parte energética”, afirmou.

“Muito mais do que um golpe ao governo indígena, este golpe foi fundamentalmente ao lítio. À margem de ter sido um golpe ao índio, foi a nossa política econômica”, disse.

A nacionalização dos recursos hidrocarboríferos e minerais da Bolívia foi o grande desencadeador do crescimento e da soberania nacional boliviana, segundo os economistas Juan Ignacio Balasini, Mariano Beltrani e Juan Cuattromo, da Fundação Germán Abdala.

Em uma estrutura produtiva com participação estatal efetiva, que não depende de capital privado, o governante decidiu impulsionar a inversão da verba pública na produção e infra-estrutura. Este caminho foi empreendido sem descuidar o social e promovendo a construção de um Estado de Bem-Estar, conforme explicam os pesquisadores argentinos no livro “Crescimento e sustentabilidade: O caso da Bolivia”.

Segundo estimativas Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) para 2019, a Bolívia deve crescer 3,5%, o melhor desempenho da região. O Brasil, por exemplo, tem expectativa de crescimento de 0,8%. Isso somado aos baixos índices de inflação, a redução no desemprego, ao aumento do poder de compra dos trabalhadores e a melhoria na distribuição de renda fazem da Bolívia uma dos países sul-americanos mais bem-sucedidos da década. 

Baseado nessa saúde econômica, Morales justifica sua quarta candidatura à Presidência. “Se o povo diz, que com a continuidade há segurança, há crescimento econômico, há desenvolvimento, por tanto, há que continuar com Evo Morales”, argumentou. 

Segundo o ex-presidente, a agenda de seu governo para o período de 2020 a 2025 intensificaria o processo de substituição de importações. “Antes importávamos tudo, agora estamos exportando”, disse.

“Antes para a Argentina e para o Brasil só exportávamos gás natural e importávamos gás de petróleo liquefeito (GLP). Não entendo como isso acontecia. Agora, já estamos exportando GLP para algumas populações vizinhas ao Brasil, da Argentina e do Peru”, completou.

Para Morales, seu governo foi vítima de interesses econômicos e não alvo da preocupação com o funcionamento do sistema democrático do país. “Não nos perdoaram como Estado, como povo que industrializamos nosso lítio. Esse é o tema por trás do golpe.”

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