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Até o FMI alerta para brutalidade dos ajustes de Milei na Argentina

Amargando um ajuste que corrói poder de compra da população e o esvaziamento da proteção social, o país enfrenta uma escalada de pobreza

Foto: Juan Mabromata/AFP
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O governo Javier Milei vem impondo um ajuste fiscal severo, na Argentina, até mesmo para os padrões mais ortodoxos de economia. 

Desde dezembro, quando assumiu o governo do país, medidas de austeridade promoveram a desvalorização do peso, a moeda local, sobre o dólar, catapultando a inflação e corroendo o já frágil poder de compra da maioria da população.

O pacote anti-Estado de Milei também inclui cortes nos subsídios para transporte, educação e combustível, bem como o fechamento de um conjunto de órgãos estatais. As medidas visam colocar em prática o discurso de campanha do novo presidente argentino, que tenta alcançar, a todo custo, superávit fiscal.

Esse custo é, sobretudo, social. Até mesmo o Fundo Monetário Internacional (FMI) – velho conhecido da Argentina e entusiasta da austeridade – resolveu advertir o governo Milei sobre os riscos que a intensidade das medidas podem provocar à economia Argentina.

Na última quinta-feira 7, por exemplo, a porta-voz do organismo, Julie Kizack disse que, no entendimento do FMI, houve progressos na Argentina, “mas o caminho é desafiador, exigindo medidas rápidas de políticas públicas”.

Em entrevista coletiva em Washington, nos Estados Unidos, Kizack pontuou que o pilar das reformas deve envolver um “esforço para proteger os mais vulneráveis”, para que se evite “o fardo do ajuste recaia desproporcionalmente sobre as famílias pobres e trabalhadoras”.

Ela reconheceu, porém, que o freio que o governo Milei vem dando à emissão de pesos, bem como a nota política cambial da Argentina, têm feito com que a inflação comece a baixar. Em dezembro, por exemplo, o índice ficou em 25,5%. Em janeiro, por sua vez, baixou a 20,6%. Para fevereiro – cujo índice oficial será conhecido na semana que vem –, a expectativa do mercado é que o percentual esteja na casa dos 15%.

Segundo apuração do diário argentino El Cronista, o tom da declaração do FMI não é casual. Ele resulta, principalmente, de uma visita feita por representantes do órgão ao país, no mês passado, em que diagnosticaram o patamar da pobreza e os riscos de uma eventual convulsão social na Argentina.

O estallido social não está tão longe da memória dos argentinos. Em 2001, quando o país era governado por Fernando De La Rúa, a degradação social, com altos índices de pobreza e desemprego, levaram a uma onda de protestos que tomou a Argentina. À época, foi icônica a imagem da saída do próprio De La Rúa de helicóptero da Casa Rosada, deixando vago o poder.

Pobreza, inflação e redução da rede de proteção social

A taxa de pobreza da Argentina alcançou os 57%, no início deste ano, de acordo com uma projeção do Observatório da Dívida Social da Universidade Católica Argentina (UCA). O percentual tem sido usado como referência para medir o patamar atual de pobreza no país, já que os dados oficiais do Indec (semelhante ao IBGE brasileiro) só serão divulgados no final de março.

Essa pobreza crescente não começou agora. Há tempos, a Argentina enfrenta uma séria crise econômica, cuja marca principal é a inflação. Os índices de pobreza já vinham crescendo sob o governo do ex-presidente Mauricio Macri [2015-2019), e se expandiram durante a gestão Alberto Fernández [2019-2023].

O que não quer dizer que o governo Milei, apesar do pouco tempo, não tenha dado a sua contribuição para o fenômeno. O próprio estudo da UCA aponta que o crescimento da pobreza em janeiro é explicado pela desvalorização do peso frente ao dólar, realizada sob a gestão do novo presidente.

Sem assistência social, o aumento da pobreza é ainda mais grave. “O maior aumento foi experimentado pelos lares das classes trabalhadoras ou médias não beneficiárias de programas sociais”, apontou o estudo. 

O alerta do FMI, inclusive, é resultado do estudo mencionado. Diretores responsáveis pelo levantamento se reuniriam, no mês passado, com a gerente do organismo, Gita Gopinath, apresentando o cenário do país.

O ajuste de Milei: até quando será possível aguentar?

Milei promete que as medidas darão resultado. A ideia do governo é alcançar algum equilíbrio fiscal em 2024, o que seria uma exceção na longa história de déficits do país, ao longo de décadas.

Do ponto de vista do governo, é preciso “atravessar o deserto” pelos próximos tempos, até que a inflação possa, finalmente, ser controlada, e as pessoas possam voltar a ter poder de compra. Um ponto positivo, comparando o cenário de 2001 ao de hoje, é que a Argentina, ao menos por enquanto, não passa por problemas de desemprego.

Segundo os dados mais recentes, referentes a dezembro de 2023, a taxa de desemprego no país é de 5,4%, embora haja consenso entre analistas sobre a chance de que ela vá crescer nos próximos meses, dado o esfriamento da atividade econômica da Argentina.

Enquanto isso, a maioria da população argentina faz o que pode para equilibrar as contas, comprometendo gastos básicos, como saúde, educação e alimentação. A indigência, que estava em 10% no terceiro trimestre de 2023, chegou a 15% em janeiro.

Todo esse cenário se soma ao baixo apoio político do governo nas instâncias do poder. Sobretudo este ano, Milei já cortou recursos para várias províncias argentinas, corroendo a adesão de governadores ao governo nacional. O mesmo vale para o Congresso, ao qual já chamou de “ninho de ratos”. 

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