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A nova ofensiva diplomática de Lula na Europa

Em segunda viagem ao Velho Continente em poucos dias, presidente vai a Londres para coroação do rei Charles III e se reunirá com premiê britânico. Há expectativa de conversas também entre Lula e Macron

Foto: Ricardo Stuckert/PR
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarca nesta sexta-feira (05/05) em Londres, no Reino Unido, onde vai acompanhar a coroação do rei Charles 3º no sábado. A viagem ocorre dias após a primeira passagem de Lula pelo Velho Continente neste mandato, quando esteve na Espanha e em Portugal.

Já nesta sexta-feira, Lula deverá se reunir com o primeiro-ministro britânico, o conservador Rishi Sunak, e logo depois participar de uma recepção do rei britânico para os chefes de Estado convidados para a cerimônia oficial de coroação.

No sábado, após a coroação, o presidente brasileiro está convidado para um encontro com Charles, reservado a dez líderes mundiais. Deverão estar presentes, além de Lula, o chanceler federal alemão, Olaf Scholz (SPD), e o presidente francês, Emmanuel Macron.

Há a expectativa de que a comitiva do governo federal também passe pela França nesta viagem à Europa, mas o Planalto não confirmou a ida a Paris. De qualquer maneira, Macron e Lula, que têm mantido conversas desde quando o petista ainda era pré-candidato à Presidência, em 2021, poderão ter uma reunião bilateral em Londres.

De acordo com o Planalto, a viagem de Lula ao Reino Unido faz parte do “relançamento das relações diplomáticas do Brasil”. Desde que assumiu seu terceiro mandato como presidente, o petista já viajou para Argentina, Uruguai, Estados Unidos, China, Emirados Árabes, Portugal e Espanha e se reuniu com líderes mundiais como Scholz, que esteve em Brasília.

Segundo especialistas consultados pela DW, a expectativa é que as conversas de Lula com Charles e Macron possam incluir possíveis entendimentos comerciais e novas tentativas de um diálogo pelo fim da guerra na Ucrânia, além da preservação da Amazônia.

Pauta ambiental e Fundo Amazônia

Há mais de 50 anos, Charles é conhecido pelo ativismo ambiental, tendo inclusive recebido, em 2009, um prêmio do governo amazonense por seus esforços de preservação florestal. Além disso, em janeiro deste ano, durante a posse de Lula, a atual ministra do Meio Ambiente do Reino Unido, Thérèse Coffey, afirmou que o país estava analisando “seriamente” ingressar no Fundo Amazônia.

Para Roberto Goulart Menezes, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), um encontro bilateral entre Charles e Lula, se acontecer, deverá ser breve.

“Um dos itens na pauta do presidente é pedir apoio para a realização da COP30 em Belém. Se Lula não conseguir uma audiência pequena [com Charles], provavelmente vai entregar uma carta pedindo esse apoio”, analisa Menezes, que acredita ser pouco provável que o Reino Unido anuncie um investimento no Fundo Amazônia, como recentemente fizeram os EUA.

A afinidade do detentor da coroa britânica com a pauta ambiental e a agricultura orgânica, no entanto, pode ajudar o Brasil reforçar uma imagem de potência ambiental durante a viagem a Londres, acrescenta o internacionalista Gustavo Blum, doutorando em geografia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador visitante da Universidade de Coimbra, em Portugal. “Vejo como uma pauta de grande monta, que é a reconstituição da imagem do Brasil. Isso fica mais fácil no encontro com diplomatas, no cara a cara”, afirma.

Relações comerciais com o Reino Unido

Em 2022, as trocas comerciais entre Brasil e Reino Unido foram tímidas. De acordo com dados do governo federal, o comércio entre os dois países, apesar de crescente, somou cerca de 6,5 bilhões de dólares no ano passado, com só 1% de participação britânica nas exportações e importações brasileiras.

No entanto, esforços têm sido feitos para reforçar a parceria bilateral, que existe há mais de 200 anos. No final de 2022, Brasil e Reino Unido assinaram um acordo para evitar a bitributação de negócios entre os dois países. E, mais recentemente, em março, foi acertada a criação de uma plataforma para facilitar exportações para micro, pequenas e médias empresas brasileiras ao país, com investimento de R$ 27 milhões.

De acordo com o Planalto, no encontro com Sunak desta sexta não estão previstos novos acordos oficiais. Blum, da Unicamp, afirma, no entanto, que o Reino Unido importa cerca de metade de seus alimentos e bebidas, o que o torna atrativo para o Brasil. Já Menezes, da UnB, aponta que, desde o Brexit, há um interesse britânico em ampliar as relações comerciais com a América do Sul.

“No encontro entre Lula e Sunak certamente vai haver alguma conversa [nesse sentido], uma retomada de uma sinalização que o [ex-primeiro ministro] Boris Johnson já havia feito em encontro com o [ex-presidente] Jair Bolsonaro [em 2021]”, aposta Menezes.

França e o acordo Mercosul-UE

Ainda na pauta econômica, as conversas diplomáticas poderão se estender à França. Mesmo que Lula não viaje até o país europeu, um encontro com Macron deverá ter como assunto a resistência de setores franceses ao acordo comercial Mercosul-União Europeia, cuja conclusão é esperada pelo governo Lula para o fim deste semestre. Recentemente, em entrevista ao jornal espanhol El País, Lula afirmou que a França é “a maior barreira” para a conclusão do acordo.

Como explica Christophe Ventura, diretor de pesquisa do think tank francês Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (Iris), os entraves partem tanto de ruralistas do país europeu, que não querem abrir o mercado da UE à competitividade sul-americana, quanto de ambientalistas, que exigem compromissos ambientais por parte dos produtos de origem no Mercosul.

“O Brasil teria que aumentar a qualidade dos produtos de exportação para cumprir as exigências da União Europeia e poder entrar nesse mercado”, diz ele, acrescentando que Macron quer dar sinais positivos tanto a ambientalistas quanto a ruralistas.

Encontro bom para as imagens de Lula e Macron

No que diz respeito ao líder francês, Ventura ressalta que um encontro com Lula pode ser importante para melhorar a imagem de Macron junto à opinião pública francesa. O presidente da França tem sido alvo de duros protestos no país, que eclodiram após a aprovação de uma reforma da Previdência .

“Neste momento, Macron aparece como um presidente brutal, de repressão do movimento popular e social. E é importante esse encontro com Lula, porque mostra que tem relação com o dirigente de esquerda mais conhecido do mundo e, logo, com a esquerda mundial”, afirma o pesquisador francês.

Do lado brasileiro, Ventura também diz que um encontro bilateral com Macron será importante para mostrar que o Brasil pode falar com todos, de Joe Biden a Xi Jinping.

Guerra na Ucrânia

Os presidentes brasileiro e francês vêm tentando liderar esforços de diálogo para a paz entre Ucrânia e Rússia – com falas ambíguas de Lula tendo repercutido mal nos Estados Unidos e na Europa.

De acordo com Ventura, a França, mesmo tendo uma posição muito dura em relação à Rússia, quer mostrar que tem diálogo com todos os países envolvidos em negociações para o fim do conflito.

“O problema é que a França também apoia militarmente a Ucrânia, ou seja, está no conflito de maneira indireta e não pode ter a liberdade de um país que não apoia militarmente um ou outro, como o Brasil”, diz o pesquisador. “Porém, Brasil e França são um ponto de contato entre o Sul Global e o Atlântico. É uma porta estreita, mas que existe.”

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