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A ‘castificação’ de Milei: como o ultradireitista argentino se uniu ao que mais criticava

Diante de um cenário eleitoral acirrado, Milei acolhe nomes próximo à tradicional elite política do país, definida como ‘casta’

O candidato da ultradireita à Presidência da Argentina, Javier Milei. Foto: Luis Robayo/AFP
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Desde que subiu ao primeiro escalão da política argentina, o “ultralibertário” Javier Milei, que disputa a Presidência com o ministro da Economia, Sergio Massa, ganhou apoiadores ao repetir, em cada aparição pública, um contundente discurso contra o que chama de ‘casta’ do país. 

“A casta é composta, basicamente, pelos políticos corruptos, pelos empresários ‘prebendários’ [ou seja, membro de um clero], pelos sindicalistas que entregam os seus trabalhadores, pelos microfones ocultos que são cúmplices e escondem todos esses negócios e, obviamente, pelos profissionais que são cúmplices dos políticos”, definiu Milei, em uma conversa com jornalistas no início de outubro. 

Em outros termos, a ‘casta’ rotulada por Milei envolve todos aqueles que o candidato considera inimigos, incluindo o peronismo. Em resumo, a expressão pode abarcar, no dicionário do líder da coalizão La Libertad Avanza, todo o conjunto da elite – política, econômica e intelectual – da Argentina.

Entretanto, a realidade política e social que Milei começou a encarar parece mais complexa do que aquela sugerida pelo binômio ‘casta’ x ‘heróis’, especialmente após o resultado do primeiro turno das eleições presidenciais, com a derrota provisória de Milei frente a Sergio Massa.

Por causa disso, o segundo turno (uma nova campanha, como reconhecem assessores de Milei e de Massa) vem exigindo do ultradireitista um esforço político que passa pela seguinte questão: como um presidenciável que critica a ‘casta’ poderá ter força política suficiente para chegar à Casa Rosada dispensando, justamente, o apoio da elite do país?

A primeira resposta vem sendo fornecida não apenas pelo núcleo da campanha, mas por movimentos políticos catapultados, principalmente, pela centro-direita da Argentina. 

Fora do segundo turno, a coalizão Juntos por El Cambio, cujas figuras principais são o ex-presidente Mauricio Macri e a ex-candidata Patricia Bullrich, dividiu-se entre aqueles que apoiam Milei e os que defendem uma neutralidade. 

Nesse contexto, o principal apoio obtido por Milei veio exatamente de Macri e de Bullrich. O ex-presidente, aliás, foi o responsável pelo sufocante empréstimo do Fundo Monetário Internacional contraído em 2018. 

O primeiro passo rumo à ‘castificação’ de Milei foi dado pelo próprio candidato, logo após o resultado do primeiro turno, quando ele discursou para apoiadores. Na ocasião, Milei indicou que, para poder mudar a Argentina, seria preciso “trabalhar juntos”. Ao longo dos nove minutos de discurso, mencionou 14 vezes as palavras ‘juntos’ e ‘cambio’ (mudança, em espanhol), fazendo referência à coalizão que pretendia atrair. 

Desde então, o discurso contra a ‘casta’ vem dando lugar a sucessivas aparições nas quais Milei prefere citar a necessidade de mudança, em vez de disparar, como fez desde o início da campanha, críticas gerais às elites.


Como a ‘casta’ política passou a fazer parte da campanha de Milei no segundo turno

Diante da aproximação pública entre Milei e Macri, a presença da estrutura de poder da ‘casta’ aumenta entre os “libertários”. O impacto desse movimento acontece em termos eleitorais, mas poderá ocorrer também sobre um possível governo Milei. O apoio de Macri, nesse sentido, não é apenas ideológico e não se resume a declarações públicas.

Além do cortejo, nomes do macrismo passaram a assessorar a campanha de Milei, principalmente no apoio à fiscalização para a votação no segundo turno. Um deles é Paula Bertol, embaixadora na Organização dos Estados Americanos no governo Macri. Ela foi também a chefe de fiscalização da campanha de Bullrich.

“Vão nos ajudar a fiscalizar porque está em risco a democracia”, alegou Milei, em entrevista à rede de televisão LN+, ligada ao jornal La Nación. “Sabemos que temos de pedir ajuda e pedimos às pessoas que fiquem conosco até o último minuto.”

As reuniões entre as equipes do PRO (partido de Macri e Bullrich) e de Milei começaram nesta semana, em Buenos Aires. A ideia da nova equipe conjunta é unificar os métodos de trabalho para a fiscalização das eleições. Além de Bertol, estiveram presentes José Torello (senador e ex-chefe de assessores de Macri) e Guillermo Sánchez Sterli (ligado à area de fiscalização do PRO na província de Buenos Aires).

Apesar de ainda manter lacunas sobre quem escolheria para cargos importantes, caso seja eleito presidente, Milei poderá contar com indicações de Macri. Entre elas, estão as de Germán Garavano (ex-ministro da Justiça), Guido Sandleris (ex-presidente do Banco Central), Guillermo Dietrich (ex-ministro dos Transportes) e Federico Sturzenegger (ex-presidente do Banco Central).

Macri, porém, não confirma a ideia de que poderia, ele mesmo, compor um futuro governo Milei.


Apoiadores de Milei reagem

A ‘castificação’ de Milei foi abordada por algumas figuras do universo legislativo da Argentina. A primeira é o deputado José Luis Espert, da coalizão Juntos por El Cambio, que, ao anunciar seu apoio a Milei, disse: “ele já é um nome da casta, e creio que a esta altura deveríamos retirar o nome de casta, porque todos somos casta. Na verdade, Milei fez uma espécie de primária de meia verdade com Macri e Bullrich, então vamos eliminar a palavra ‘casta’, porque já parece uma piada”.

A mudança estratégica de rumo teve consequências, também, para pessoas próximas à coalizão de Milei. Duas personagens ligadas a ele criticaram, nos últimos dias, a aproximação forçada com o que considera ‘casta’ e aproveitaram para se distanciar do candidato.

Uma delas é a deputada provincial de Entre Ríos, eleita pela LLA, Liliana Salinas, que acusou Milei de “modificar as ideias da liberdades”. “Há três anos vínhamos trabalhando para Javier e estamos contra a casta. Quem mudou de ideia foi ele, não nós”, afirmou, criticando o fato de que Milei estaria convencido de que a única forma de ganhar é se unindo ao macrismo. “Vemos com estupor o giro radical de postura de Milei. Depois de ver como o poder que ele estava prestes a assumir saiu do controle, ele quer nos levar a concordar e abraçar as mesmas pessoas de sempre.”

A deputada de Santa Fé Amalia Granata também criticou o movimento. “Isso de Javier dando volta como uma panqueca me dói, me entristece. Pensamos que ele era algo diferente e terminou sendo mais do mesmo, da mesma casta que ele renegou durante toda a sua curta carreira política.”

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