Justiça

Zanin toma posse nesta quinta envolto em mistério sobre temas polêmicos no STF

O ex-advogado do presidente Lula teve um caminho tranquilo no Senado, mas participará de julgamentos de impacto na Corte em 2023

Zanin toma posse nesta quinta envolto em mistério sobre temas polêmicos no STF
Zanin toma posse nesta quinta envolto em mistério sobre temas polêmicos no STF
A presidente do STF, Rosa Weber, e o novo ministro da Corte Cristiano Zanin. Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF
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O ex-advogado Cristiano Zanin toma posse nesta quinta-feira 3 como ministro do Supremo Tribunal Federal, na cadeira que foi ocupada por Ricardo Lewandowski ao longo de 17 anos.

A indicação de Zanin, formalizada pelo presidente Lula em 1º de junho, foi aprovada pelo Senado 20 dias depois. No plenário, foram 58 votos favoráveis e 18 contrários. Ele precisava do endosso de pelo menos 41 dos 81 senadores.

Uma avaliação corrente em Brasília é que se desconhece a opinião do novo ministro do STF sobre temas relevantes, como a descriminalização do aborto, a liberação do porte de drogas para consumo pessoal e o marco temporal para demarcação de terras indígenas. Todas essas matérias devem ser enfrentadas pela Corte ainda neste semestre.

Na sabatina a que foi submetido em 21 de junho na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Zanin disse que não é subordinado “a quem quer que seja”, ao se referir ao fato de ter atuado como advogado de Lula em processos da Lava Jato.

Questionado pelo senador Sergio Moro (União Brasil-PR) sobre a possibilidade de ser impedido de atuar em ações da operação, afirmou que não julgará os casos nos quais trabalhou como advogado. Ele ressaltou, porém, que discussões futuras relacionadas à Lava Jato poderão estar sob a sua alçada.

Ao abordar a descriminalização das drogas, Zanin disse que a lei deve definir a atribuição do agente público.

“O que é preciso ver, sempre no caso concreto, é se o agente público tem atribuição legal para realizar o ato de persecução, para realizar o ato que leva, por exemplo, à apreensão de drogas. Então, não é uma questão de ser favorável ou não ao combate às drogas”, respondeu. “A minha visão, efetivamente, é a de que a droga é um mal que precisa ser combatido. E, por isso, este Senado tem, inclusive, aprimorado a legislação com esse objetivo, acredito, de promover o combate às drogas e os temas que estão relacionados.”

Ele também foi instado a se manifestar sobre a eventual descriminalização do aborto, mas não endossou a pauta de imediato.

“O direito à vida está expressamente previsto no art. 5º, caput da Constituição Federal. Então, é uma garantia fundamental. Nessa perspectiva, temos que enaltecer o direito à vida, porque aí estaremos cumprindo o que diz a Constituição da República. Nesse assunto existe um arcabouço, um normativo consolidado, tanto da tutela do direito à vida, como também as hipóteses de exclusão de ilicitude, por exemplo, na interrupção voluntária da gravidez”, afirmou.

Zanin ainda disse ter “dificuldade” de analisar as discussões sobre o marco temporal, uma vez que o tema está em debate no Senado e no STF.

A CartaCapital, o jurista Lenio Streck, pós-doutor em Direito e professor de Direito Constitucional, defendeu uma reflexão sobre as cobranças para que um ministro do STF se manifeste fora dos autos acerca de temas específicos.

“Nos tribunais, no fundo, o que menos se discute é aquilo que a Constituição estabelece, mas se discute o que cada um pensa que a Constituição estabelece. Por isso, é muito difícil responder como o Supremo e como o ministro julgarão”, afirmou. “No Brasil, nos próximos 200 anos, não vamos superar essa noção de que o juiz é o sujeito que filtra a lei e a devolve filtrada pela consciência dele ou pelo convencimento dele para a sociedade.”

Biografia

Aos 47 anos, Zanin chega ao STF após anos de projeção como advogado de Lula nos processos da Lava Jato. Partiu dele, por exemplo, o habeas corpus impetrado na Corte em 2021 que resultou na anulação das condenações do petista, com o reconhecimento da incompetência e da suspeição do então juiz Sergio Moro.

A reversão das sentenças restaurou os direitos políticos de Lula, que chegou a ficar preso por 580 dias em Curitiba. Com sua elegibilidade recuperada, ele concorreu à Presidência em 2022, derrotou Jair Bolsonaro (PL) e conquistou seu terceiro mandato.

Conheça mais informações sobre a trajetória de Cristiano Zanin:

  • Formado em Direito pela PUC de São Paulo em 1999;
  • Tem longa atuação no direito econômico, empresarial e societário;
  • Lecionou Direito Civil e Direito Processual Civil na Faculdade Autônoma de Direito;
  • Sócio, ao lado da esposa, Valeska Teixeira, em um escritório. Ela foi peça importante na defesa de Lula;
  • Associado fundador do Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial;
  • Recentemente, foi contratado para trabalhar na defesa da Americanas em um litígio com o banco BTG Pactual.

A legislação estabelece que membros do Poder Judiciário, a exemplo de ministros do STF, serão aposentados compulsoriamente ao completarem 75 anos. Zanin nasceu em 15 de novembro de 1975 – completará em 2023, portanto, 48 anos. Ele pode, em teoria, permanecer na Corte pelos 27 anos seguintes.

O ex-advogado se converteu, ao longo dos últimos anos, em uma das principais vozes contrárias ao modus operandi da Lava Jato, ilustrado pelas condutas de Moro e do ex-procurador Deltan Dallagnol, deputado federal cassado.

Em entrevistaCartaCapital no final de 2021, Zanin afirmou que a defesa de Lula apresentou “uma série de fatos, devidamente comprovados, que configuram desvio na atuação do ex-juiz e do ex-procurador e até mesmo, em tese, a prática de abuso de autoridade, dentre outras ilegalidades”.

Segundo ele, porém, embora os fatos tenham sido levados aos órgãos de controle, em especial ao Conselho Nacional do Ministério Público e ao Conselho Nacional de Justiça, “esses órgãos deixaram de ter uma atuação mais efetiva como estabelece a Constituição e de aplicar as punições que seriam devidas, tanto ao ex-juiz quanto ao ex-procurador”.

Na entrevista, Zanin também declarou que a delação premiada “foi um dos principais instrumentos usados pela Lava Jato para praticar o lawfare e perseguir alvos pré-determinados, tanto pessoas quanto empresas”.

“A Lava Jato claramente impôs narrativas a pessoas que tinham praticado crime e ofereceu a elas benefícios generosos desde que aceitassem uma narrativa pré-estabelecida e envolvessem aqueles que a Lava Jato buscava atingir.”

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