Justiça

Quem ganha com Dino no STF e o que esperar do (provável) novo ministro

Enquanto Cristiano Zanin, a primeira indicação de Lula, preza pela discrição, o ministro da Justiça não saiu dos holofotes

O ministro da Justiça, Flávio Dino, indicado por Lula ao STF. Foto Lula Marques/ Agência Brasil
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O ministro da Justiça, Flávio Dino, enfim recebeu a indicação do presidente Lula (PT) para assumir a cadeira que foi de Rosa Weber no Supremo Tribunal Federal. Desde a aposentadoria da magistrada, quase dois meses se passaram, um período marcado por idas e vindas e testes de reação no Congresso Nacional, além de fogo amigo e inimigo.

Esta é a segunda escolha de Lula para o STF em seu terceiro mandato. A opção por Dino, a propósito, contrasta com a de Cristiano Zanin para a vaga de Ricardo Lewandowski, em junho.

Zanin, cuja discrição é lembrada desde os tempos em que defendeu Lula nos processos da Lava Jato, é a antítese de Dino, um juiz que largou a toga para construir uma sólida carreira na política, sem jamais se abster de marcar posição sobre os mais polêmicos temas da República.

A indicação de Zanin não encontrou grande resistência nos senadores, aos quais cabe a tarefa de chancelar a escolha do presidente. Ele precisava de pelo menos 41 votos favoráveis e conquistou 58. Com Dino, a situação tende a ser distinta.

Turbulência à vista?

A rejeição ao ministro da Justiça entre a oposição era uma das razões pelas quais uma parcela do campo progressista, incluindo uma fração considerável do PT, trabalhava pela indicação do advogado-geral da União, Jorge Messias, em detrimento de Dino. O presidente do Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas, por sua vez, era o nome preferido de um grupo de senadores, a exemplo de Davi Alcolumbre (União-AP).

Um dos grupos mais influentes em assuntos jurídicos, o Prerrogativas, defendia a opção por Messias. Em contato com CartaCapital, porém, o coordenador do coletivo, Marco Aurélio de Carvalho, disse que apoiará a escolha de Lula e que o presidente continua a contar com sua confiança, apesar de o AGU ser um nome de consenso.

Se as audiências no Congresso a que Flávio Dino compareceu neste ano forem um termômetro da tramitação de sua indicação, é possível prever turbulência. Para começar, ele terá de passar por uma sabatina na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, presidida por Alcolumbre e formada, entre outros, por figuras como Sergio Moro (União-PR), Marcos do Val (Podemos-RS), Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Magno Malta (PL-ES), Marcos Rogério (PL-RO) e Ciro Nogueira (PP-PI).

Após a sabatina, que tende a durar muitas horas, a indicação passará pelo crivo do plenário.

“Dino será um excelente ministro”, avalia o jurista e professor de Direito Constitucional Pedro Serrano. “É um sujeito com uma excelente formação jurídica, um defensor da democracia e dos direitos – que é o que a gente precisa hoje no Supremo – e é muito sensível aos direitos sociais, comprometido com eles. Tem um perfil adequado para exercer a função.”

O que esperar do (provável) novo ministro

Uma dúvida que desde já ganha corpo nos bastidores diz respeito à postura de Dino caso ele se sente na cadeira de ministro do STF. Não se sabe se no cargo ele manteria o hábito de se pronunciar sobre fatos que ultrapassam as atribuições da Corte ou se buscaria se afastar dos holofotes.

No Brasil, ao contrário de outros países, é comum ministros do Supremo se manifestarem a respeito de acontecimentos políticos – na atual composição, destacam-se nesta seara Gilmar Mendes, o decano da Corte, e Luís Roberto Barroso. Desde o ano passado, Alexandre de Moraes, relator de investigações de grande impacto, também se tornou figura de destaque no debate público. Curiosamente, dois dos principais pontos de apoio à indicação de Dino são Gilmar e Alexandre.

Em agosto, durante entrevista transmitida com exclusividade para assinantes de CartaCapital, Dino afirmou que não discutia o Supremo com Lula, mas que seria “honroso” receber a indicação, “um reconhecimento de uma trajetória profissional de 33 anos, com seriedade”.

Aliados do governo também veem com bons olhos o timing da indicação. Os últimos meses foram complexos para Dino, em meio ao agravamento da crise na segurança pública do Rio de Janeiro e à polêmica, amplamente explorada pela oposição, visita da esposa de uma liderança do Comando Vermelho a agendas do Ministério da Justiça – embora Dino não tenha ligação direta com o episódio.

A avaliação é que Lula evitou sacramentar a escolha nos dias imediatamente subsequentes ao caso, mas segurar a oficialização por mais tempo poderia abrir espaço para novos focos de desgate na Justiça. Dino é, possivelmente, o ministro mais atacado pela oposição, exatamente por sua postura de enfrentamento aos bolsonaristas.

Outro ponto de atenção para os primeiros momentos de Dino no STF, caso sua indicação seja aprovada, envolverá sua articulação para tentar distensionar a relação entre a Corte e o Congresso Nacional, em especial o Senado. O ainda ministro da Justiça, afinal, foi eleito senador pelo Maranhão em 2022, embora não exerça o cargo.

O clima entre o Judiciário e o Legislativo piorou na semana passada, com a aprovação de uma PEC para limitar decisões individuais no Supremo e o temor de uma interferência ainda mais direta na autonomia do tribunal.

Nesse sentido, a indicação de Dino também é vista como um aceno de Lula ao STF. Na última quinta-feira 23, o presidente se reuniu com Alexandre, Gilmar e Zanin a fim de reduzir a tensão motivada pelo fato de o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), ter votado a favor da PEC sobre decisões monocráticas. Naquele encontro, o petista já havia sinalizado que escolheria seu ministro da Justiça.

Dino, que se projetou no governo Lula após o 8 de Janeiro, tende a se aliar a Alexandre de Moraes na defesa de penas mais duras para os envolvidos nos ataques – ao menos, esta é a expectativa inicial. Ao mesmo tempo, o ministro da Justiça foi alvo da oposição nos últimos meses sob a alegação de que não teria agido devidamente no dia dos atos golpistas.

Há, contudo, muitas dúvidas sobre o futuro de Flávio Dino no STF. A primeira tarefa será partir para o tradicional “corpo a corpo” no Senado, a fim de quebrar resistências e pavimentar sua aprovação no plenário. A projeção é que esse caminho não seja tão tranquilo quanto o de Zanin, mas poucos se arriscam a sugerir com seriedade a possibilidade de rejeição de sua indicação.

Na Corte, Gilmar e Alexandre ganham força com a escolha por Dino. O possível novo ministro chegaria, portanto, respaldado por dois dos integrantes mais vocais e influentes da Corte. Resta conferir se Flávio Dino se juntará a eles sob os holofotes ou se, ao menos nos momentos iniciais, se retrairá a fim de buscar não apenas navegar em águas tranquilas, mas servir de ponto de interlocução com o Senado em um momento delicado da relação institucional.

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