Justiça

Nove anos depois, CNJ tem maioria para punir desembargador acusado de vender sentenças em Sergipe

Luiz Antônio Mendonça também foi alvo de uma operação da Polícia Federal. Na prática, contudo, a punição deve apenas antecipar sua aposentadoria

Este é o desembargador Luiz Mendonça, do Tribunal de Justiça de Sergipe - TJ/SE
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Quase nove anos após o início das investigações, o Conselho Nacional de Justiça tem maioria para punir com aposentadoria compulsória o desembargador Luiz Antônio Mendonça, do Tribunal de Justiça de Sergipe. O julgamento, contudo, foi suspenso após um pedido de vista.

Mendonça é peça central em investigações da Polícia Federal que apuram a venda de sentenças judiciais a integrantes de uma organização criminosa com atuação em cidades sergipanas. Ele foi afastado cautelarmente do cargo em março passado por decisão do órgão.

Até o momento, dez dos 15 integrantes do Conselho se manifestaram pelo revés ao desembargador – apenas o conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello votou para inocentá-lo. Na prática, a punição deve apenas antecipar a aposentadoria de Mendonça, cujo prazo para se afastar da magistratura termina em dezembro deste ano.

A expectativa é que o processo volte à pauta do CNJ em abril, com o voto do conselheiro Marcello Terto e Silva.

Nomeado para o cargo em 2005 pelo então governador João Alves Filho (DEM), Mendonça ocupou o cargo de secretário de Segurança Pública por duas ocasiões e, enquanto presidia o Tribunal Regional Eleitoral, em 2010, foi vítima de um atentado a tiros.

Procurada pela reportagem, a defesa de Luiz Antônio Mendonça não comentou o caso.

Operação da Polícia Federal

O magistrado chegou a ser alvo da Operação Caneta Azul, autorizada pelo Superior Tribunal de Justiça, em novembro de 2022. Os agentes da PF cumpriram mandados de busca e apreensão em sua residência, em seu gabinete no TJ e na fazenda de propriedade do magistrado, localizada em Carira, no interior sergipano.

Investigadores apontam que o magistrado teria feito do tribunal um “balcão de negócios” para a venda de liminares, conforme mostrou CartaCapital. O desembargador também teria cometido os crimes de “participação em homicídio como autor imediato, lavagem de dinheiro e tentativa de embaraço à investigação” de que é alvo.

Mendonça apareceu no radar dos investigadores em agosto de 2014, quando teve o nome citado em interceptações telefônicas determinadas no âmbito da Operação Poço Vermelho, que investigava a atuação de um grupo de extermínio na cidade de Poço Verde, a quase 175 quilômetros de Aracaju.

As investigações indicam que o Mendonça se encontrou com José Augusto Aurelino Batista, apontado como líder de uma organização criminosa com atuação em Sergipe e na Bahia, para negociar uma sentença no processo no qual o homem figurava como réu. O encontro foi relatado em ao menos três conversas telefônicas interceptadas pela PF.

Em um dos diálogos, Batista ouve de um interlocutor: “O desembargador está na fazenda”. Os criminosos então, completam: “Por telefone é complicado. Ele [Mendonça] disse [que] ‘se vim tarde num consegue, não’, porque ele disse que tem um compromisso” – o encontro é confirmado pelo magistrado nos autos do processo, que diz ter recusado a presença do acusado em sua propriedade rural.

Três dias após o encontro, aponta a PF, Mendonça votou pela revogação da prisão de Batista, decisão anulada dias depois pelo TJ. Os integrantes da facção comemoraram a libertação: “Deu. Ganhamos o alvará. Se não fosse o negócio de sábado lá na fazenda do homem, era pau!!”.

Nas conversas captadas pela interceptação telefônica, o suspeito reclamou com um interlocutor da cobrança de seu advogado por honorários, porque, em sua visão, foi ele “quem correu atrás”. Em outra gravação, citou nominalmente o desembargador e contou a outro investigado que passou em sua fazenda.

“[O magistrado] na medida em que recebeu para si, indiretamente e em razão da função, vantagem indevida consistente na quantia de 50 mil reais para conceder ordem liminar de soltura em habeas corpus, tendo-a efetivamente prolatado. Dessa forma, com infração de poder funcional, fato que caracteriza crime de corrupção passiva agravada”, argumentou o MP.

O pistoleiro José Augusto Aurelino Batista (à esquerda) teria sido beneficiado pelo esquema do qual Mendonça é considerado pivô. PF suspeita que desembargador tenha encomendado a sua morte (à direita, armas encontradas com militares que participaram da operação contra José Augusto, em 2014) – Reprodução/Secretaria de Segurança Pública

Mendonça também é apontado como mandante do homicídio do suspeito. Batista foi morto em dia 15 de outubro de 2014 por policiais civis que foram à sua casa cumprir um mandado de prisão. Nos três dias anteriores ao óbito, ele tentou falar com o magistrado por diversas vezes.

A perícia mostrou que ele levou tiros à queima roupa e foi alvejado também pelas costas. O Instituto Médico Legal também constatou indícios de “execução sumária” em razão da distância dos tiros, da quantidade de disparos e do fato de ele ter sido atingido pelas costas.

A esposa de Batista também afirmou em depoimento que ele foi executado quando estava ao seu lado, em um sofá, corroborando a versão da perícia de que não houve indícios de troca de tiros, nem de luta corporal.

Ainda segundo a PF, os policiais que participaram da ação que resultou na morte de José Augusto foram promovidos e assumiram cargos de direção da Polícia Civil e da Secretaria de Segurança Pública do Estado. Meses mais tarde, o inquérito foi arquivado.

Há a suspeita, segundo os investigadores, de que Mendonça tenha influenciado para embaraçar as investigações – a polícia identificou ainda que, no dia da morte, o celular do desembargador fez diversos contatos com a polícia em Poço Verde no dia do crime, cidade onde o traficante morava e foi morto – o que indicaria sua relação com o caso.

Existem outros três casos de venda de habeas corpus envolvendo o magistrado, segundo a PF. Em um deles, o homem foi solto mesmo após ser preso com 54 quilos de crack e confessar o crime. Em outro, o suspeito portava 65 quilos de cocaína. O magistrado é também investigado por lavagem de dinheiro com o uso de transações imobiliárias.

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