Justiça
Luiz Fux orientou mestrado e doutorado do próprio filho na UERJ
A prática não é vedada pela universidade, mas contraria recomendações acadêmicas e reabre debate sobre conflito de interesses


O ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux atuou como orientador do próprio filho, Rodrigo Fux, em dois trabalhos acadêmicos defendidos na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a Uerj. O advogado concluiu o mestrado em 2015 e o doutorado em 2022, ambos sob a supervisão do pai, que àquela altura já integrava a mais alta Corte do País.
No mestrado, Rodrigo apresentou a dissertação “O novo processo civil brasileiro: ideologia, princípios e institutos”, defendida em 14 de agosto de 2015, ano de aprovação do novo Código de Processo Civil. A banca examinadora contou com os professores Paulo Cézar Pinheiro Carneiro (co-orientador do trabalho) e Teresa Arruda Alvim Wambier, ambos da Uerj.
Já no doutorado, a tese intitulada “Uma proposta de diálogo entre o Código de Processo Civil de 2015 e a Arbitragem Nacional à luz da Análise Econômica do Direito” foi defendida em 15 de dezembro de 2022, diante de uma banca formada por cinco juristas de renome, entre eles Fredie Didier Jr. (UFBA) e Luciano Benetti Timm (FGV-SP).
Em ambas as pesquisas, Rodrigo destacou de forma pessoal a figura do pai e orientador nos agradecimentos. Na tese de mestrado, escreveu: “Se pudesse escolher ou pedir a Deus um guia pessoal e profissional, certamente não alcançaria a grandeza de sua personalidade”. Já no doutorado, grafou: “Seguir seu exemplo é uma deliciosa tarefa de se aproximar à perfeição”.
Hoje professor adjunto de Teoria Geral do Processo da Uerj e sócio de um escritório de advocacia com mais de 30 associados, Rodrigo Fux preside a Comissão de Análise Econômica do Direito da OAB-RJ. Sua biografia, disponível na rede social LinkedIn, diz que ele é especialista em “litígios de alta complexidade e considerado um dos advogados mais admirados do Brasil”.
Reportagem publicada em 2019 por CartaCapital mostrou que o causídico tinha, na cartela de clientes, o Conselho Nacional de Praticagem, que defende os práticos (profissionais que atuam nos portos para auxiliar os navios no processo de atracamento). A entidade financiou a campanha de Flávio Bolsonaro (hoje no PL) ao Senado pelo Rio de Janeiro, em 2018.
Formalmente, não costuma haver vedação em regulamentos de pós-graduação de diversas universidades brasileiras sobre a orientação de parentes, mas o tema esbarra em princípios de impessoalidade e conflito de interesses. Em geral, boas práticas acadêmicas recomendam que a orientação de filhos ou parentes seja evitada, para não comprometer a percepção de mérito ou gerar suspeitas de favorecimento.
Pode-se questionar, por exemplo, se a avaliação de determinado trabalho foi tão rigorosa quanto seria se ele fosse um aluno sem vínculo familiar com o orientador. A escolha do professor responsável pela supervisão da pesquisa parte do candidato à vaga no mestrado ou doutorado, sendo posteriormente chancelada pelo colegiado do programa.
No caso de Luiz Fux, existe um peso simbólico ainda maior: além de ministro do STF desde 2011, ele é um dos juristas mais influentes do País na área do processo civil, exatamente o campo de pesquisa de seu filho. Procurada, a assessoria de comunicação da Uerj informou não haver restrição a relações de parentesco entre orientandos e orientadores no Regulamento Geral dos Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu da instituição.
Fux e seu filho foram procurados via e-mail por CartaCapital nesta quinta-feira, mas ainda não responderam aos pedidos de comentário. O espaço segue aberto.
Não é a primeira vez que as relações familiares de Fux são escrutinadas. Em 2016, o ministro atuou nos bastidores para alçar a filha, Marianna Fux, também advogada, à vaga destinada ao Quinto Constitucional no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. O processo de seleção causou espanto pela rapidez: em uma semana, ela venceu seis nomes que brigavam pela vaga, passou em uma sabatina de menos de dois minutos e, aos 35 anos, tomou a posse para integrar a Corte fluminense.
O nome do ministro do STF ganhou destaque nesta quarta-feira e atingiu o 4º lugar nos Trending Topics Brasil do X (antigo Twitter) após o voto pró-Jair Bolsonaro no julgamento da ação do golpe, de acordo com levantamento da Nexus.
Durante as mais de dez horas de manifestação, Fux defendeu absolver o ex-presidente e outros cinco réus dos crimes imputados na denúncia da Procuradoria-Geral da República: tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, dano qualificado e organização criminosa armada, entre outros.
O voto dele animou o entorno de Bolsonaro na pressão pela aprovação da anistia e ampliou a expectativa da defesa do ex-presidente em buscar uma anulação do caso no futuro. O julgamento da ação do golpe foi retomado nesta quinta-feira, com a manifestação da ministra Cármen Lúcia.
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