Com dois votos contra e um a favor, o Supremo Tribunal Federal retoma nesta quarta-feira 30 o julgamento da ação que discute a tese do Marco Temporal para a demarcação de terras indígenas. A pauta é decisiva, mas paira a incógnita: o voto do ministro Cristiano Zanin, indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao tribunal.
Com um mês de ação no STF e ao menos três votos desfavoráveis ao espectro político que o levou à Corte, a imprevisibilidade preocupa alas da esquerda e movimentos indigenistas.
Em entrevista ao programa Direto da Redação, transmitido por CartaCapital no Youtube, Rafael Modesto, assessor do Conselho Indigenista Missionária (Cimi), reforça que a expectativa dos movimentos é que o Supremo forme maioria para derrubar a tese, e pondera que, embora Zanin já tenha questionado os limites processuais do julgamento, a tendência, na sua visão, é de que ele siga o voto do relator Edson Facchin ao considerar em mérito a inconstitucionalidade do texto.
“O marco é uma tese ruralista que tem como único objetivo impedir as demarcações inconstitucionalmente. Se aprovada, hoje deixaria metade da população indígena desabrigada”, pontua Rafael Modesto. “Acredito que na linha do que o ministro [Cristiano Zanin] vem defendendo e, como é absurdamente inconstitucional a tese, ele deve seguir o entendimento de afastar a tese”.
Modesto especula, no entanto, que a discussão sobre o Marco Temporal, apesar de se encaminhar para uma derrubada, deva se estender na busca por possíveis compensações aos ruralistas pelas terras ainda que serão destituídas.
“Acredito que diante da corte o Marco já seja um assunto ultrapassado, mas que a discussão seja estendida na busca de possíveis compensações. Para que o Marco seja descartado do universo jurídico, os ruralistas provavelmente terão alguma compensação. […] É um caminho para equilibrar os direitos em jogo”, destaca.
A ideia de compensação parte do voto do ministro Alexandre de Moraes, que defende a conciliação entre os direitos originários com os de produtores rurais que adquiriram as terras regularmente e ‘de boa-fé’. Moraes propõe que a União seja responsável pelo pagamento de indenizações sobre o valor total dos imóveis.
Em discordância, Modesto pontua a contradição no reconhecimento de ‘bem’ ao indenizar o produtor rural pelo território. “É uma injustiça o Estado indenizar aqueles que se apropriaram das terras indígenas. A gente sabe que existiu má-fé, grilagem etc. E na prática, reconhece-se dois direitos onde só pode caber um: diz que os indígenas têm direito, mas o ruralista detém o título. O conflito é certo”, alerta. “Os dois lados vão reclamar o mesmo território e será pelas vias de fato”.
Outro ponto de atenção é o reconhecimento de que caberá a União pagar pela indenização de terras que hoje, dado o avanço da agropecuária, tem alto valor de especulação – e o não pagamento somado ao reconhecimento de titularidade poderá abrir caminho para que ruralistas solicitem a reintegração de territórios ocupados.
O julgamento retornará às 14h nesta quarta-feira com o voto do ministro André Mendonça, que solicitou um pedido de vistas em junho deste ano. Ele é seguido por Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Carmén Lúcia, Gilmar Mentes e a presidente da Corte, Rosa Weber – que poderá antecipar o voto caso o julgamento se estenda para setembro, data da sua aposentadoria.
Confira a entrevista com Rafael Modesto na íntegra:
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