Justiça
Fux vota pela responsabilização das redes sociais; Barroso pede vista e interrompe julgamento
Como o recesso do Judiciário tem início no próximo dia 20, a expectativa é que a análise das ações só seja concluída no ano que vem


O ministro Luiz Fux, relator de uma das ações no Supremo Tribunal Federal que discutem a responsabilidade das plataformas digitais sobre o conteúdo de usuários, defendeu nesta quarta-feira 11 a derrubada do artigo 19 do Marco Civil da Internet.
Na sequência, a sessão foi interrompida por um pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso, presidente da Corte. O julgamento deve ser retomado na próxima quarta-feira 18. Como o recesso do Judiciário tem início no próximo dia 20, a expectativa é que a análise das ações só seja concluída no ano que vem.
O ministro Dias Toffoli foi o primeiro a votar, na semana passada. Assim como Fux, ele defendeu que as plataformas sejam punidas se ignorarem notificações extrajudiciais, preferencialmente por meio dos seus canais de atendimento, para remover conteúdos ilícitos.
Com o voto de Fux e Toffoli, a Corte tem o placar de 2 votos a 0 para obrigar as plataformas a retirar imediatamente conteúdos ilegais. “Resta clara a insuficiência inconstitucional do regime de responsabilidade insculpido no artigo 19 do Marco Civil. A imunidade civil trazida pelo dispositivo só permite responsabilização das empresas provedoras no caso de descumprimento de ordem judicial de remoção”, declarou Fux em seu voto.
O artigo 19 do Marco estabelece que as big techs só podem ser condenadas em razão das publicações de terceiros caso descumpram ordens judiciais para remover o conteúdo. Na prática, a Corte discute, desde a semana passada, se as redes sociais devem retirar do ar postagens irregulares de forma voluntária.
No caso concreto, o ministro é relator de recurso movido pelo Google que questionava se um provedor de serviços se torna responsável ao armazenar ofensas produzidas por usuários e se deve fiscalizar material previamente.
O caso tem relação com o antigo Orkut. Uma professora de ensino médio pediu a exclusão de uma comunidade chamada “Eu odeio a Aliandra”, criada em 2009 – antes do Marco – para veicular conteúdo ofensivo. A empresa negou o pedido, mas a Justiça entendeu que ela deveria ser responsabilizada pela não exclusão.
O Google, contudo, tem alegado que a remoção da comunidade antes da aprovação do Marco violaria a liberdade de expressão dos usuários.
Para Fux, a remoção de conteúdos considerados ofensivos ou irregulares deve ser imediata, a partir do momento em que há notificação da plataforma. O magistrado ainda fez referência a uma necessidade de responsabilização das plataformas diante de conteúdos publicados em seus meios.
Ele também apontou para uma incompatibilidade da ausência de responsabilidade e direitos fundamentais. “Não é possível um regime de responsabilidade civil que exonere amplamente as empresas de atuarem no limite de suas possibilidades para a preservação de direitos fundamentais lesados em razão de conteúdos publicados em suas plataformas”, afirmou.
Para o ministro, diante de publicações “obviamente ofensivas”, a empresa tem “o dever de indisponibilizar o conteúdo na referida comunidade”. Fux ressaltou a ausência de responsabilidade das plataformas e a insuficiência do regime vigente: “A calibração adequada de interesses supostamente conflitantes depende de imposição de obrigações aos intermediários”.
Outras duas ações são discutidas em conjunto no Supremo:
- Recurso do Facebook que questiona se o artigo 19 do Marco Civil da Internet é constitucional (sob a relatoria de Dias Toffoli)
- Ação que questiona se o Marco Civil da Internet pode ser usado para fundamentar ordens de suspensão de aplicativos (relatoria original da ministra aposentada Rosa Weber)
O Marco aguardava julgamento havia sete anos. Os processos entraram e saíram da pauta três vezes. Na última, foram adiados depois de pedido da Câmara dos Deputados, devido à previsão de votação do PL das Fake News, enterrado em abril após a pressão das plataformas e de parlamentares bolsonaristas.
Fux foi outro integrante do STF a criticar a chamada tese da autorregulação das redes sociais. Segundo ele, as empresas de tecnologia também têm interesses políticos e financeiros, não havendo razão para supor que eles serão colocados em segundo plano em prol do interesse público.
A proposta apresentada pelo magistrado é que as plataformas sejam obrigadas a remover imediatamente publicações questionadas pelos usuários e, se discordarem da necessidade de remoção, que acionem a Justiça para obter autorização para disponibilizar novamente o conteúdo.
Outra medida sugerida envolve a criação de canais “eficientes, funcionais e sigilosos” para usuários denunciarem publicações que ofendam a honra, a imagem e a privacidade de terceiros, como injúria, calúnia e difamação. Para Fux, se as publicações ilícitas forem impulsionadas mediante pagamento, as plataformas têm obrigação de removê-las sem notificação.
“Conteúdos lesivos de direitos fundamentais, tais como fake news, discurso de ódio ou mesmo difamatórios, podem gerar engajamento substancialmente maior do que conteúdos lícitos e verdadeiros”, alertou o ministro.
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