Justiça
É inconstitucional plataformas não se responsabilizarem pelo conteúdo nas redes, diz Toffoli
O STF julga o papel das redes sociais diante de postagens, independentemente de ordem judicial


O ministro Dias Toffoli, relator de uma das ações no Supremo Tribunal Federal que discutem a responsabilidade das plataformas digitais sobre o conteúdo de usuários, afirmou nesta quarta-feira 4 ser inconstitucional o artigo 19 do Marco Civil da Internet. Ele, porém, ainda não concluiu a leitura de seu voto, o que deve ocorrer nesta quinta.
Conforme o dispositivo em questão, as big techs só podem ser condenadas ao pagamento de indenização por danos morais em razão das publicações de terceiros caso descumpram ordens judiciais para remover o conteúdo. A Corte também definirá se as redes sociais podem retirar do ar postagens irregulares de forma voluntária.
“Parece-me evidente que o regime de responsabilidade dos provedores de aplicação por conteúdo de terceiros, previsto no artigo 19 do Marco Civil da Internet, é inconstitucional”, afirmou o ministro.
“Seja porque, desde a sua edição, foi incapaz de oferecer proteção efetiva aos direitos fundamentais e resguardar os princípios e valores constitucionais fundamentais nos ambientes virtuais, conforme adiante se demonstrará, seja porque, como já demonstrado, não apto a fazer frente aos riscos sistêmicos que surgiram nesses ambientes, a partir do desenvolvimento de novos modelos de negócios e de seu impacto nas relações econômicas, sociais e culturais.”
Toffoli ainda defendeu a punição dessas empresas por publicações criminosas, mas sinalizou que vai propor regras segmentadas para regulamentar suas obrigações. Segundo ele, a ideia é fazer uma distinção entre as diferentes plataformas, segundo as atividades exercidas.
Uma das diferenciações do voto deve ser entre grupos públicos e canais abertos em aplicativos de mensagens e conversas privadas. O ministro também confirmou que vai excluir plataformas e blogs jornalísticos do julgamento. Nesses casos, segundo propõe Toffoli, deve valer a Lei de Imprensa.
“As responsabilidades desses variados serviços de internet devem ser diferenciadas de acordo com a sua atuação propositiva ou omissiva que possa ensejar a incidência de algum ilícito”, explicou o magistrado.
A análise do caso começou na semana passada, com a leitura dos relatórios e das manifestações dos amici curiae (terceiros interessados nas causas em julgamento) e da Advocacia-Geral da União. Na última quinta-feira 28, Toffoli havia iniciado a leitura de seu voto, mas a sessão foi interrompida.
O Marco Civil aguardava julgamento havia sete anos. Os processos entraram e saíram da pauta três vezes nos últimos anos. Na última, foram adiados depois de pedido da Câmara dos Deputados, pela previsão de votação do PL das Fake News, enterrado em abril após a pressão das big techs e de parlamentares bolsonaristas.
Há três ações em discussão no Supremo:
- Recurso do Facebook que questiona se o artigo 19 do Marco Civil da Internet é constitucional (relatoria de Toffoli)
- Recurso do Google que questiona se um provedor de serviços se torna responsável ao armazenar ofensas produzidas por usuários e se deve fiscalizar material previamente (relatoria de Luiz Fux)
- Ação que questiona se o Marco Civil da Internet pode ser usado para fundamentar ordens de suspensão de aplicativos (relatoria original da ministra aposentada Rosa Weber)
Este último processo foi desmembrado da pauta pelo presidente do STF, Luís Roberto Barroso, e deve ser julgado individualmente somente na semana que vem.
O primeiro recurso, nas mãos de Toffoli, surgiu em São Paulo quando uma dona de casa descobriu a existência de um perfil falso no Facebook utilizando o nome e a imagem dela para divulgar conteúdos ofensivos. A mulher acionou a Justiça e obteve ordem para a exclusão da página, mas não foi indenizada. Insatisfeita, recorreu da decisão e teve sucesso.
A plataforma foi novamente condenada e tenta reverter a punição no STF. Já a ação movida pelo Google tem relação com o antigo Orkut. Uma professora de ensino médio pediu a exclusão de uma comunidade chamada “Eu odeio a Aliandra”, criada em 2009 – antes do Marco – para veicular conteúdo ofensivo.
A empresa negou o pedido, mas a Justiça entendeu que ela deveria ser responsabilizada pela não exclusão. O Google, contudo, tem alegado que a remoção da comunidade antes da aprovação do Marco violaria a liberdade de expressão dos usuários.
Na véspera da retomada do julgamento, as plataformas divulgaram posicionamentos sobre o caso em debate na Corte e defenderam o trabalho de moderação de conteúdo já realizado por elas. Sem citar diretamente a análise das ações, as notas rebatem a argumentação de que nada fazem, como foi dito por ministros e representantes nos dois primeiros dias de julgamento.
A Meta disse não haver inércia contra conteúdos nocivos, “ao contrário do que tem se ouvido no debate público”. Aponta ter removido, de modo proativo, 2,9 milhões de conteúdos de suas plataformas durante o período eleitoral por violação de suas políticas.
Já o Google afirmou que “remove, com eficiência e em larga escala, conteúdos em violação às regras de cada uma de suas plataformas” e que “são centenas de milhões de conteúdos removidos por ano pela própria empresa”.
Na quinta-feira, Toffoli iniciou a leitura do seu voto sinalizando que votaria pela derrubada do artigo 19 do Marco. Ele ressaltou a necessidade de atualização do Marco em relação à responsabilidade dos provedores e disse que o dispositivo confere imunidade às redes sociais, ao mesmo tempo em que rechaçou criar legislações específicas para o mundo digital.
“Hoje nós vivemos um mundo de violência digital. E violência digital é essa que o artigo 19 acoberta, enquanto não houver descumprimento de decisão judicial. Me desculpem, mas eu vou reiterar isso a todo momento”, pontuou o ministro. As redes sociais, segundo ele, se alimentam de “inverdades, de estímulo ao ódio, a todo tipo de situação ilícita” porque isso traz lucro.
Com a conclusão do voto de Toffoli, será a vez da manifestação do segundo relator, Luiz Fux. Em seguida, votarão os demais ministros.
Moraes e Dino cobram ações para conter impactos dos discursos de ódio entre jovens
Enquanto Toffoli lia seu voto, os ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino fizeram breves considerações sobre a responsabilidade das redes sociais na disseminação de discursos de ódio e violência. Os dois defenderam ações concretas para conter os impactos dessas práticas, especialmente contra jovens e adolescentes.
Mais uma vez, Moraes disse que a tese da autorregulação das big techs falhou. “O discurso do ódio, da violência, do bullying não é só no Brasil, é no mundo todo. Repito aqui: infelizmente, a autorregulação falhou. É necessário que se preserve a dignidade da pessoa humana, a honra das pessoas, e também se preserve no caso de atentados contra a democracia.”
Dino, por sua vez, relembrou o ataque a uma escola em Blumenau (SC), em abril de 2023, como um marco de alerta para a violência que circula nas redes e atinge os mais jovens. À época, o magistrado estava à frente do Ministério da Justiça.
“Vivi em abril de 2023 um dos meses mais terríveis da minha vida, que foi quando teve aquele ataque à escola em Blumenau. Ali foram oito mil denúncias de violência contra escolas, ameaças veiculadas, na maioria das vezes, na internet. As nossas crianças, nossos adolescentes, são quem hoje estão expostos ao maior número de violências”, observou.
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