Entrevistas

Além de rivais: livro revela a conexão mortal entre Ronnie Lessa e Adriano da Nóbrega

Embora disputassem entre si o título de melhor matador profissional do Rio, os ex-PMs não raro se uniam para eliminar alvos em comum. É o que revela o repórter Sergio Ramalho, autor de ‘Decaído’

Adriano da Nóbrega (à esquerda) e Ronnie Lessa (à direita): uma parceria no crime - Divulgação/Reprodução TV Globo
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Embora disputassem entre si o título de melhor matador profissional do Rio de Janeiro, os ex-PMs Ronnie Lessa e Adriano da Nóbrega não raramente se uniam para eliminar alvos em comum. É o que revela o livro Decaído (Matriz Editora), do repórter investigativo Sérgio Ramalho.

Lessa é apontado como autor dos disparos que matou a vereadora Marielle Franco (Psol) e seu motorista. Já Nóbrega, morto durante operação policial na Bahia em fevereiro de 2020, liderava o Escritório do Crime, grupo de matadores profissionais do Rio.

Um dos alvos da dupla foi Marcelo Diotti, marido da funkeira Samantha Miranda, morto a tiros no estacionamento de um restaurante em 2018 horas após a execução de Marielle. Muitos anos antes, em 2007, ambos haviam participado do homicídio do ex-deputado Ary Ribeiro Brum.

CartaCapital, Ramalho comentou o caso, deu detalhes sobre como agiam os grupos de matadores no Rio de Janeiro e descreveu a relação de Lessa com Adriano. “Eles não eram tão próximos, eram concorrentes na atividade de matador profissional, mas em alguns casos chegaram a atuar juntos ao mesmo tempo em que serviam a senhores diferentes”, disse.

Ligado à exploração de máquinas caça-níqueis na zona oeste do Rio, Diotti estava sendo monitorado há pelo menos três meses pelo Escritório do Crime depois que seu plano de executar Adriano fora descoberto. Sua morte havia sido marcada para 3 de fevereiro de 2018, após um longo período de planejamento – mas a missão precisou ser abortada de última hora.

O obstáculo à conclusão do plano para matar Diotti, rival dos ex-PMs, foi a presença do miliciano Wellington da Silva Braga, chefe do Bonde do Ecko (ele acabou morto em 2021). Adriano e Ecko foram sócios no crime durante anos, em uma aliança que ajudou a ampliar o poderio das milícias na zona oeste do Rio.

“Fala-se que, neste dia, havia um carro no grupo que preparou a emboscada contra o Marcelo Diotti que bate muito com as características do Fiat Cobalt utilizado pelo Ronie [Lessa] no ataque à Marielle. Não há coincidência, vejo como uma situação orquestrada de um grupo que tinha muita influência“, conta o jornalista, ressaltando que as investigações não conseguiram avançar nesta questão.

Lessa e Adriano passaram pelo curso de formação do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar, o Bope, ao mesmo tempo em que atuavam paralelamente na segurança de famílias ligadas à máfia dos jogos. Os dois ainda mantinham laços com a família Bolsonaro.

Outro episódio que expõe a cumplicidade da dupla trata do assassinato do ex-deputado Ary Ribeiro Brum, segundo Ramalho contou em entrevista a CartaCapital.

O político trabalhava como assessor na Secretaria de Governo de Sérgio Cabral, quando foi alvo da emboscada, às 10h30 de terça-feira, 18 de dezembro de 2007 – além de Lessa e Nóbrega, também participou da missão o tenente Joãozinho, um dos fundadores do Escritório do Crime.

Brum, que pretendia se lançar candidato a prefeito de Cachoeiras de Macacu, na região metropolitana do Rio, foi morto com 15 disparos. O roteiro foi praticamente o mesmo utilizado, 11 anos depois, na execucação da vereadora Marielle Franco: o atirador estava no banco traseiro de um veículo que perseguia o carro da vítima.

O livro ‘Decaído’, lançado pelo jornalista investigativo Sérgio Ramalho em janeiro deste ano e publicado pela Matrix Editora, detalha a trajetória do miliciano Adriano da Nóbrega – Divulgação

Durante o processo de produção do livro, Ramalho ouviu de interlocutores de Nóbrega que o assassinato da vereadora não teria contado com seu aval. O jornalista, contudo, diz refutar essa tese, uma vez que as investigações policiais detalham o alto nível de organizações dos grupos de matadores profissionais fluminenses.

“Costumo tratar o Escritório do Crime como um consórcio porque eles trabalhavam sozinhos, de forma independente, mas em alguns momentos se juntavam com um objetivo comum de domínio de área. Então, é difícil acreditar nessa versão de que o Adriano não sabia ou não consentiu”, afirmou.

O próprio Ramalho esteve por um tempo na mira de Adriano e seus comparsas. Segundo um relato recebido pelo Disque-Denúncia, o autor seria o alvo de um atentado encomendado por bicheiros citados numa série de reportagens escritas por ele sobre as atividades ilegais do grupo. O período de tensão e temor pela própria vida motivou a criação de códigos e de artimanhas para dificultar o rastreamento e manter sua localização em sigilo.

A relação de Adriano com o clã Bolsonaro

No livro, Ramalho também conta que a amizade de Adriano da Nóbrega com a família Bolsonaro começou quando o hoje senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) teve um carro roubado no Rio de Janeiro. Na época, Flávio tinha 21 anos, era estudante de Direito e tinha acabado de eleger-se deputado estadual.

A partir daí, o chefe do Escritório do Crime teria passado a atuar como uma espécie de segurança informal do filho 01 do ex-presidente Jair Bolsonaro.

“Depois do episódio, Adriano varreu os morros da Tijuca, onde viviam os Bolsonaros, matando suspeitos em supostos confrontos e ate mesmo praticando sequestros, como o filho de Isaías do Borel, um dos chefes da facção criminosa Comando Vermelho”, relata um trecho de Decaído.

Pouco tempo depois, em 2005, Flávio condecorou Nóbrega com a medalha Tiradentes, a maior honraria da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. O miliciano também já foi elogiado em diversas ocasiões e chamado de “herói da Polícia Militar” por Bolsonaro – a proximidade durou ao menos duas décadas.

“Quando Flávio foi eleito senador e Jair presidente, eles se afastaram de Adriano da Nóbrega e inclusive exoneraram a então mulher e mãe de Adriano do gabinete do Flávio. Foi lá que houve uma certa ruptura, embora eles tenham continuado dando apoio com elogios”, disse Ramalho.

O caso Marielle, seis anos depois

Acusado de disparar contra Marielle e seu motorista, Ronie Lessa tem conversado com a Polícia Federal e firmou um acordo de colaboração premiada. Os termos da delação ainda precisam do aval do Superior Tribunal de Justiça – mas, perto de completar seis anos da execução, cresce a esperança de que o nome de um mandante finalmente surja oficialmente.

Um das hipóteses mais prováveis envolve Domingos Brazão, político de carreira e atual conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro e líder de um influente clã político na Zona Norte do Rio. Segundo o Intercept Brasil, Lessa apontou seu nome como mandante na delação. A motivação, segundo as investigações, envolveria uma suposta vingança contra o ex-deputado Marcelo Freixo, à época filiado ao PSOL e coordenador da CPI das Milícias.

O conselheiro do TCE-RJ nega participação no crime e diz não ter nenhum conhecimento sobre a delação de Lessa. Ele pediu, por meio de seu advogado, acesso aos autos do processo, mas afirma que a solicitação foi negada.

Domingos Brazão: Nome do ex-deputado e atual conselheiro do TCE-RJ surgiu pela primeira vez em 2019, por suspeitas de obstrução das investigações sobre o caso Marielle Franco, e voltou à baila no fim do ano passado

Para o jornalista investigativo Sérgio Ramalho, a colaboração de Lessa é importante porque ele é “um arquivo vivo”. Ele duvida, porém, que haja apenas um mandante para o crime.

“É muito estranho, porque as ações desses grupos matadores eram sempre muito bem planejadas. Planejavam por meses, faziam varreduras, colocavam gente seguindo a vítima, pesquisavam os hábitos da pessoa, mandavam fazer placas clonadas para usar o carro na ocasião”, avalia.

Marielle foi morta a tiros em 14 de março de 2018, no bairro do Estácio, no centro da capital fluminense. A vereadora, que saía de um evento com mulheres negras, foi assassinada com quatro disparos na cabeça. Anderson Gomes, motorista do carro que a transportava pela cidade, foi atingido por três disparos nas costas e também faleceu.

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