Educação

Em 2019, estudantes foram às ruas contra a política de Bolsonaro

Eles combateram os cortes orçamentários das universidades, a privatização das instituições federais e defenderam a autonomia universitária

Ato de 15 de maio, em Curitiba (PR) (Foto: Joka Madruga)
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Dos 22 ministérios que fizeram parte do 1º ano do governo Bolsonaro, é impossível não notar o destaque que teve o Ministério da Educação (MEC). E por um motivo pouco animador: a pasta foi alvo de polêmicas durante todo o ano.

A primeira escolha do presidente para controlar o MEC foi o colombiano Ricardo Vélez Rodriguez. Nos três meses em que foi ministro, afirmou que a população brasileira era “incapacitada” e que as universidades brasileiras deveriam ser destinadas à “elite intelectual”, defendeu que o golpe militar de 1964 não ocorreu e ordenou que o slogan de Bolsonaro e o hino brasileiro fossem repetidos e filmados diariamente nas escolas do País. O presidente o dispensou devido aos embates entre os olavistas e os militares que disputavam como a pasta deveria ser conduzida.

A situação não melhorou com a saída de Vélez. O escolhido para assumir o cargo foi o economista Abraham Weintraub. Em pouco tempo de gestão, ele gerou controvérsias. Anunciou um contingenciamento de 30% das verbas de universidades federais, o que deixou muitas sem recursos para funcionar normalmente; cortou bolsas de pesquisa da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior); e apresentou o Future-se, programa que pretende a captação de recursos próprios a partir de negócios privados para as universidades.

As ações de Weintraub foram consideradas polêmicas por organizações estudantis, acadêmicas e de docentes inúmeras vezes. A sociedade civil foi incitada e o movimento estudantil brasileiro se tornou protagonista das convocações de rua contra a política educacional.

Os primeiros atos em defesa da Educação

A União Nacional dos Estudantes estimou que 500 mil pessoas foram às ruas brasileiras em 15 de maio (Foto: Wanezza Soares/CartaCapital)

Convocados pela União Nacional dos Estudantes (UNE), estudantes e professores de todo o Brasil foram às ruas nos dias 15 e 30 de maio. A principal pauta reivindicada era a revogação dos contingenciamentos de verba nas universidades federais, mas críticas ao governo Bolsonaro estiveram presentes em todas as manifestações durante o ano.

Na mesma época, o MEC atrasava a nomeação de reitores universitários. Usualmente, cada universidade vota uma lista tríplice e o governo escolhe um nome. Durante as gestões petistas, o governo sempre escolheu o nome mais votado, como forma de respeitar a autonomia universitária. Na ocasião, o próprio ministro alegou que o atraso se devia a questões políticas. A defesa da autonomia universitária passou, então, a ser uma pauta dos atos estudantis.

O ataque à ciência

A defesa de aparelhos governamentais de pesquisa como a Capes e o CNPq também foi pauta. Nesta imagem, ato de 15 de maio em São Paulo (SP) (Foto: Wanezza Soares/CartaCapital)

Devido ao sucesso do primeiro ato estudantil em 15 de maio, o governo passou a investir em uma forte campanha contra os estudantes. O ministro Weintraub defendia que o governo deveria poder retirar recursos das universidades que provocassem ‘balbúrdia’ e passou a acusar os professores universitários de incitarem os alunos ideologicamente.

Em julho, o CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, anunciou a suspensão de novas bolsas de pesquisa e alegou falta de recursos. Desde 2016, o orçamento do CNPq vem caindo. Naquele ano, era de 1,15 bilhão. Inicialmente, em 2019, eram 784 milhões. A decisão foi vista pela comunidade acadêmica como uma forma de instrumentalização do desmonte da produção acadêmica brasileira.

O combate às privatizações nas universidades

Em uma nova rodada de protestos pelo Brasil, manifestantes aderiram ao combate ao programa Future-se. Na foto, o ato de 13 de Agosto em São Paulo (SP) (Foto: Eliudo Meira)

Em agosto, os atos estudantis ganharam mais uma pauta. O MEC havia anunciado o Future-se, programa que incentivaria as universidades federais a captarem receita própria através de negócios com empresas privadas e organizações sociais. Na visão de especialistas, o programa foi visto como uma forma de enfraquecer a autonomia política que as universidades possuem ao introduzir interesses privados dos possíveis financiadores.

A memória dos estudantes desaparecidos

Estudantes protestam em 13 de Agosto, em frente à faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, em Niterói (RJ). (Foto: Rebeca Belchior/CUCA da UNE)

Em julho, envolvido em uma desavença com o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, o presidente Bolsonaro denunciou que seu pai, Fernando Santa Cruz, que foi militante estudantil durante a Ditadura Militar brasileira, teria sido assassinado pelo grupo de esquerda da qual fazia parte, a Ação Popular Marxista-Leninista. A fala do presidente causou revolta, já que existe o entendimento de que Santa Cruz foi um dos desaparecidos políticos do regime militar brasileiro. A defesa da memória dos estudantes desaparecidos políticos tornou-se pauta do ato estudantil de 13 de agosto.

A presença militar na educação não ficou restrita a este caso. Também em julho, o MEC anunciou que pretendia implementar 108 novas escolas militares ou militarizadas até 2023. Atualmente, existem 203 escolas militares no país. Em outubro, o ministério também anunciou que disponibilizará 54 milhões de reais de sua verba anual para pagar os militares que atuarão nessas escolas. Em contrapartida, passaram a vir à tona casos de violência envolvendo militares nas escolas: um professor foi agredido no Amazonas e alunos foram revistados nus em Goiás.

O saldo das lutas

Sem recuos do governo até outubro, em Agosto, continuavam os protestos contra os bloqueios de verbas nas instituições federais. (Foto: Patrícia Santos)

Em setembro, uma instituição travou uma luta especial. Na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), o presidente Bolsonaro nomeou um reitor que havia ficado em terceiro lugar da lista tríplice votada por discentes e docentes para a próxima gestão da universidade. A comunidade acadêmica se organizou e propôs a destituição do reitor ao Conselho Universitário. Mesmo com a aprovação do Conselho, é necessário que a Presidência volte atrás na decisão, o que não aconteceu até o momento. No entanto, os estudantes da universidade ocuparam a reitoria da  durante o mês de setembro, o que atrasou a posse do reitor bolsonarista Marcelo Recktenvald.

Ainda alegando a redução de custos, o MEC também anunciou estar estudando a fusão entre a Capes e o CNPq. A proposta causou divergência entre os próprios integrantes do governo. Isto porque a Capes é de responsabilidade do MEC, enquanto que o CNPq é do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). O ministro responsável pela pasta, Marcos Pontes, foi contrário à decisão, pois acredita que ela prejudicaria o desenvolvimento científico brasileiro.

Em outubro, por fim, o governo anunciou o desbloqueio total das verbas contingenciadas das instituições federais. Em setembro, o MEC já havia desbloqueado metade das verbas.

Já o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que sofreu várias críticas dos bolsonaristas acusado de ser ideológico, teve como tema de redação um assunto que foi parte das polêmicas do próprio governo: a democratização do acesso ao cinema.

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