Editorial
Violência demente
O governador do Rio arma a sua polícia com facas e 180 favelados são chacinados em um ano. Bolsonaro vê a ação policial como argumento de propaganda eleitoral


Cantava uma marchinha de carnaval no alvorecer do meu tempo: Vestiu uma camisa listrada e saiu por aí/ Em vez de tomar chá com torrada, tomou parati/ Levava um canivete no cinto e um pandeiro na mão/ Sorria quando o povo dizia sossega leão, sossega leão… A fera, em lugar de chá com torrada, preferiu a célebre cachaça parati. Sem deixar de tomar o cuidado de tirar o anel de doutor. Aqui o canivete soa patético. O governador Cláudio Castro armou sua polícia com facas na agressão à favela Vila Cruzeiro. Morreram na operação esfaqueados e alguns até degolados 23 favelados. Diga-se que a Vila Cruzeiro já havia sido atacada, em fevereiro passado, nas mesmas condições. O balanço das vítimas das facas do governador chega a 180 brasileiros em um ano.
Castro é puríssima flor do orquidário bolsonarista. E lá vem a Severina, minha companheira há 42 anos. Chegou em São Paulo, de Pernambuco, e teve dois filhos, Luís e Luciano, com o funileiro Joaquim, ambos criados na minha casa. O mais velho tornou-se engenheiro formado pela USP e o outro tem mestrado em Administração de Empresas também pela universidade paulista. Deram-se ao luxo, contudo, de se apresentar ao vestibular da Unicamp e de outras universidades menores, sempre aprovados.
Severina, Joaquim, Luís e Luciano preparam-se para votar em Lula, e a mãe diz: “Logo mais, todos seremos felizes”. Nas pesquisas eleitorais, o ex-presidente é apontado como vencedor no primeiro turno, com maioria suficiente para sobrepujar o demente Bolsonaro. Estamos realmente fazendo referência ao povo brasileiro capaz de entender, ao contrário de alguns senhores da casa-grande, todo o mal representado pelo atual presidente. Se o general Westmoreland, derrotado clamorosamente pelo Vietnã de Ho Chi Minh, tivesse atacado o Brasil de Bolsonaro e companhia, talvez imaginasse realizar a sua ameaça: “Bomba neles, para reduzi-los à Idade da Pedra”.
Lula, ainda o antídoto – Imagem: Ricardo Stuckert
Deste ponto de vista, Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, não sofreriam um recuo sensível no tempo: trata-se, de fato, de dois cavernícolas. Mais os pune é a monstruosa e insensata crise econômica em que mergulharam o País. Nunca tantos dormiram pelas calçadas de grandes e pequenas cidades. Nunca tantos estiveram a pique de morrer de fome, se já não morreram. Também contribui para derrotar Bolsonaro e sua turma a violência desvairada a reinar no País, a começar pelo Rio de Janeiro, onde a dupla conta com a pronta colaboração do governador Castro.
Não é, de todo modo, que sejam outras as personagens hediondas a invadir esta ribalta. Aos meus pasmos botões pergunto, por exemplo, como dorme o senhor Arthur Lira, presidente da Câmara. Peço desculpas, imediatamente, por incomodá-los com uma obviedade: o alagoano dorme saborosamente. Inúmeros países do mundo já venceram a Covid-19, enquanto o Brasil de Bolsonaro está muito longe disto. Em compensação, privatizam-se empresas para subtraí-las à tutela do Estado. Como já disse neste mesmo espaço mais de uma vez, Lula é o antídoto a tanta demência, ao descalabro nativo a espantar o mundo entre a ruína econômica e uma violência sem limites. Permanecemos cativos de tempos idos que em outros cantos do globo foram largamente superados.
O alívio vem da perspectiva da vitória de Lula e é por isso que, mais uma vez, CartaCapital está com ele. O avanço irresistível do ex-presidente é o dado alvissareiro deste momento. O gigante adormecido e ignorante, quem sabe pela falta de leitura assídua, desperta e neste instante chega outra boa notícia na área da Cultura. Recebo da brilhante editora de Plural, Ana Paula Sousa, o seguinte recado: “Acontecerá na semana que vem, na Praça Charles Miller, no Pacaembu, a primeira Feira do Livro de São Paulo. A partir do evento que reunirá grandes e pequenas editoras, além de livrarias de rua, a reportagem prevista mostrará a recente reorganização do mercado editorial. Com a falência da Saraiva e da Livraria Cultura, e o encerramento das compras do governo, o mercado, em 2019, parecia próximo do desastre. No entanto, tornou-se o que mais cresceu do setor cultural nos últimos dois anos”. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1211 DE CARTACAPITAL, EM 8 DE JUNHO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Violência demente”
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