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O antídoto

Livrar-nos de Bolsonaro é a prioridade, e Lula é a aposta certa

21 de Abril, Heliópolis homenageia Lula - Imagem: Amauri Nehn/Brazil Photo Press/AFP
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A condenação de Tiradentes, que recentemente celebramos com direito a feriado, é episódio histórico amplamente simbólico. Exibe a crueldade lusitana a colocar a nossa colonização entre as mais ferozes já acontecidas no planeta. Por outro lado, o alferes, além de ter o dom de extrair dentes e com esmero o pusesse em prática, era altamente representativo de uma Minas Gerais que, no século XVIII, dava lições de bem viver, a exibir a contemporaneidade com o mundo europeu, de sorte a prometer um Brasil infinitamente melhor do que o atual.

Em relação à Minas de 1700, o ­Brasil de hoje é espantosamente atrasado. Nem falo da elegância da arquitetura de ­Ouro Preto, Congonhas do ­Campo,­ ­Mariana e Tiradentes, entre outras cidades da época, tampouco me refiro ao ­Aleijadinho, milagroso escultor em pedra-sabão inspirado por gravuras de obras de ­Michelangelo. Aludo, isto sim, ao avanço político daquela importante região brasileira, que por tudo estava tão à frente do Brasil de então, até música erudita de qualidade por lá se ouvia.

Não evoco poetas sonhadores, mas, como exemplo definitivo, a presença da família Andrada, encabeçada por José Bonifácio de Andrada e Silva, dito o Patriarca da Independência. Ele, entre outros privilégios, tinha o de ter viajado para a Europa, ainda no século XVIII, oficialmente para estudar mineralogia, conforme as intenções de Lisboa, mas também, e sobretudo, para entender os efeitos da Revolução Francesa em todo o chamado Velho Continente. Os ­Andrada, genuíno fruto mineiro, embora o Patriarca tivesse nascido em Santos, seriam bem-vindos até hoje, cuidariam com competência de um país por ora governado por um demente.

Tiradentes diante dos algozes – Imagem: Reprodução

Se o Brasil atual se parecesse com a Minas do século XVIII, estaríamos a salvo da desgraça que se abateu sobre nós e gerou o país mais desigual do mundo, sempre e implacavelmente distante de uma verdadeira democracia. Como bem sabemos, a casa-grande e a senzala continuam de pé. Enquanto aquela é racista e ignorante como em um passado intocado e inamovível, a senzala ainda não consegue fazer valer os seus direitos, incapaz de perceber o tamanho da sua infelicidade.

Está claro que voltar à Minas do século XVIII é impossível, como se sabe o tempo galopa. A prioridade do Brasil, hoje, é se livrar do presidente habilitado a uma temporada definitiva no hospício. Não percamos demais tempo para sair da enrascada e novamente surge como antídoto imediato a figura de Lula, cuja campanha à Presidência da República já se iniciou (leia a reportagem de capa). Até engolir Bolsonaro, o Brasil passou por uma sequência de golpes, cujos efeitos até hoje perduram. Foi derrubada uma presidenta legitimamente eleita e substituída à força por um usurpador corrupto.

A irregularidade da situação está escancarada, embora muitos finjam uma oportuna cegueira. Por incrível que pareça, a política continua a seguir o calendário golpista, daí eleições marcadas para outubro próximo, a nos obrigar a acreditar em um jogo de faz de conta, para inventar uma normalidade democrática inexistente. Não há como escapar da prioridade já evocada, e a aceitá-la, a despeito da doença crônica dos próprios poderes da República envolvidos nesta pantomima e sempre prontos a agir contra as razões que os puseram onde estão.

O PT velho de guerra acaba de lançar a candidatura de Lula, cujo objetivo é aceitar a prioridade, de sorte a cumpri-la de imediato. Há de ser este o primeiro passo no sentido de desfazer o malfeito. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1207 DE CARTACAPITAL, EM 11 DE MAIO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “O antídoto”

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