Economia

Como os super-ricos podem ter vantagens com a taxação dos fundos exclusivos

Especialistas apontam ‘benesses’ para investidores diante de novas regras em análise no Congresso

Rodrigo Pacheco e Arthur Lira atuam como zagueiros na defesa dos milionários – Imagem: Jefferson Rudy/Ag. Senado
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Celebrado pelo governo Lula (PT) como um importante passo rumo à justiça fiscal, o projeto de tributação sobre os chamados “fundos dos super-ricos” oferece brechas nas quais os investidores podem ter vantagens.

O texto foi aprovado na Câmara dos Deputados em outubro, sob a relatoria do deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), após a entrega da presidência da Caixa Econômica Federal a um aliado do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Agora, está em análise no Senado, sob o parecer de Alessandro Vieira (MDB-SE). Caso seja aprovado sem alterações, poderá ser sancionado pelo presidente da República.

O projeto cria novas regras de tributação sobre os chamados fundos fechados, caracterizados por um número restrito de investidores, no máximo 20. Essa modalidade, diferentemente dos fundos abertos, não permite a livre entrada ou saída de investidores.

Até o momento, os fundos fechados não estavam sujeitos a impostos semestrais, e os tributos eram cobrados apenas no momento do saque do investimento.

Atualmente, há 13.628 fundos do tipo fechado no Brasil, que administram um patrimônio líquido de 1,96 trilhão de reais, segundo dados de outubro da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais, a Anbima, obtidos por CartaCapital.

Não é possível dizer que todos os fundos fechados passarão a ser tributados com as novas regras, porque o projeto prevê diversas exceções.

Mas os fundos exclusivos fechados, chamados de “fundos dos super-ricos”, que permitem a participação de apenas um investidor e cota mínimas de 10 milhões de reais, serão, sim , tributados com as novas regras.

A Anbima contabiliza 1.713 fundos exclusivos fechados no País, que administram um patrimônio líquido de 241,8 bilhões de reais.

Nas regras atuais, os investidores dos fundos exclusivos fechados não são tributados enquanto acumulam os seus ganhos. A taxação do Imposto de Renda ocorre no resgate. O percentual do imposto é, em geral, de 15% sobre o que rendeu.

Segundo o projeto, em seu Artigo 27, o investidor terá de antecipar esse pagamento para maio de 2024. Ou seja, ele deverá pagar já no ano que vem uma taxa de 15% sobre tudo o que ele acumulou até 30 de novembro de 2023. Esse imposto poderá ser pago em 24 vezes.

Mas o “pulo do gato” está no Artigo 28, que possibilita uma redução expressiva dessa taxa.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

Super-rico pagará quase metade de imposto

De acordo com o texto, a nova lei permite que o investidor pague apenas 8% de imposto, em vez de 15%, sobre os investimentos acumulados até o momento. Esse pagamento pode ser dividido em quatro parcelas, de dezembro de 2023 a março de 2024. Assim, o investidor pagará quase a metade do que pagaria sob a tributação atual: 8% de imposto, em vez de 15%, sobre os investimentos acumulados até o momento.

Além disso, as novas regras estabelecem uma taxa semestral de 15% sobre os rendimentos futuros. Antes, esse tipo de imposto não era cobrado, mas agora incidirá apenas sobre os ganhos obtidos daqui para frente.

A reportagem propõe um exemplo hipotético:

Um investidor de um fundo fechado e exclusivo. Este investidor aplicou 10 milhões de reais e, ao longo dos anos, acumulou um lucro de 90 milhões, totalizando 100 milhões de reais. Anteriormente, ao sacar, ele pagaria 15% de imposto apenas sobre o lucro de 90 milhões. Com a nova lei, ele tem a opção de pagar apenas 8% sobre esse lucro. Uma vez pago, ele não precisará pagar mais impostos sobre esse montante.

Para os lucros futuros, acima dos 90 milhões já acumulados, ele pagará 15% de imposto semestralmente. Com essa mudança, o investidor paga menos impostos sobre o lucro acumulado até agora e será tributado apenas sobre os ganhos futuros. Essencialmente, o governo está abrindo mão de uma parte dos impostos, aceitando 8% em vez de 15% sobre o lucro já acumulado.

Foto: Miguel Schincariol/AFP

Pressa explica ‘prêmio’

A oferta de 8% ocorre num momento em que o Ministério da Fazenda corre contra o tempo para aprovar projetos que engordem o caixa do governo federal no ano que vem.

O Ministério da Fazenda prevê um déficit de 203,4 bilhões de reais em 2023. Isso significa que haverá saldo negativo entre os valores que o governo arrecada e os valores que gasta com despesas.

Diante do quadro, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defende o estabelecimento da meta fiscal de déficit zero em 2024. A posição está alinhada a atores do mercado financeiro e contraria petistas que afirmam que o governo deveria gastar mais do que arrecada para atender demandas sociais.

Com o projeto de taxação das offshores e dos super-ricos, a Fazenda pretende obter 20 bilhões de reais no ano que vem. Parte desse cálculo conta com aqueles investidores que pagarem a taxação do estoque de imediato.

A vantagem de ofertar os 8% neste momento é poder recolher recursos já para o ano que vem.

O governo argumenta que, nas regras de hoje, as datas para o recebimento dos impostos sobre esses fundos de investimento são dispersas e muitas vezes distantes.

A necessidade de garantir dinheiro agora é a verdadeira razão para que o governo ofereça esse “prêmio” aos super-ricos que pagarem 8% pelo estoque, avalia o advogado Glauco Hanna, mestre em direito tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Para o especialista, a estratégia configura renúncia fiscal.

“Não tenho a menor dúvida de que é uma renúncia. O que acontece é que o governo está precisando arrumar as contas. O que ele faz? Põe uma cenourinha para o grande investidor e fala: olha, quer trazer o dinheiro agora? Eu te dou um prêmio. Simples como isso”, diz Hanna.

Fernando Haddad e Lula. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

32,1 bilhões resgatados em um ano

CartaCapital procurou o Ministério da Fazenda para estimar o valor que o Estado perde com esse desconto. A reportagem questionou qual a estimativa de arrecadação com os 8% e qual seria o valor caso houvesse taxação de 15% sobre esses mesmos recursos.

A pasta não respondeu às perguntas. Em mensagem por e-mail, a assessoria da pasta declarou que “o Ministério da Fazenda considerou um passo importantíssimo a aprovação do PL” e que “novas projeções e cálculos ainda estão em elaboração pela área técnica”.

A reportagem também procurou a Receita Federal e a Comissão de Valores Mobiliários para obter dados que fornecessem subsídios para esse cálculo. Nenhum dos órgãos informou esses dados.

Apesar de defensores da oferta de 8% alegarem que as taxações de resgate são pagas em datas dispersas e distantes, a reportagem identificou que os resgates acontecem todo mês nos fundos fechados e nos fundos exclusivos e fechados.

De acordo com dados da Anbima obtidos por CartaCapital, em 2022 foram resgatados 32,1 bilhões de reais de fundos fechados exclusivos, sendo que o mês de dezembro acumulou o maior valor, de 20,2 bilhões.

Entre janeiro e outubro de 2023, foram resgatados 13,7 bilhões de reais de fundos fechados exclusivos. A maior alta ocorreu em setembro, quando houve resgate de 3,3 bilhões de reais.

A reportagem, porém, não conseguiu obter a informação sobre os valores tributados.

O deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), relator da taxação de super-ricos na Câmara. Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Investidor pode recorrer a outro fundo

Para a tributarista Maria Carolina Sampaio, sócia da GVM Advogados, a maioria dos investidores de fundos exclusivos fechados vai pagar os 8%.

Isso porque o projeto do governo obriga o pagamento do estoque de qualquer forma, em 15%, a partir de maio de 2024, com a possibilidade de parcelamento em 24 vezes.

Isto é, o super-rico não tem a possibilidade de pagar o imposto apenas quando sacar o seu dinheiro futuramente. Ou ele paga 8% em quatro vezes até março, ou paga 15% a partir de maio de 2024.

A especialista diz observar no mercado que, diante da obrigação de pagar 15% em maio, a proposta de pagar os 8% antes disso é uma vantagem, porque “50% é um desconto relevante”.

‘Para todo mundo que tem dinheiro, faz muito sentido pagar a alíquota incentivada agora. É quase 50% de desconto. Em alguns casos, vai ser muito dinheiro’, diz a advogada.

Mas, além disso, Sampaio afirma que investidores já avaliam migrar suas aplicações para outros fundos com condições tributárias semelhantes às que ele tinha no fundo exclusivo fechado, uma vez que essa modalidade de fundo vai passar a ser taxada semestralmente.

Segundo a advogada, estão no rol de possibilidades os fundos de previdência privada, cujos investimentos são de longo prazo e estão sujeitos a uma tributação favorável, ou mesmo os fundos fechados que podem ficar isentos da tributação semestral.

A partir do Artigo 18, o projeto em tramitação prevê um “regime específico” para fundos não sujeitos à tributação periódica. Entre os requisitos, está o enquadramento como “entidades de investimento”. São eles:

  • os Fundos de Investimento em Participações, os FIPs;
  • os Fundos de Investimento em Índice de Mercado, os ETFs;
  • os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios, os FIDCs;
  • e os Fundos de Investimentos em Ações, os FIAs.

A tributarista também menciona como alternativa os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas do Agronegócio, os Fiagros, que, segundo o Artigo 41, ficam isentos do Imposto sobre a Renda, desde que tenham no mínimo 100 cotistas e respeitem limitações de parentesco entre os investidores.

Além disso, ela também prevê uma migração para fundos no exterior.

O senador Alessandro Vieira (MDB-SE), relator da taxação de super-ricos no Senado. Foto: Pedro França/Agência Senado

David Deccache, economista e diretor do Instituto de Finanças Funcionais para o Desenvolvimento, aponta ainda as debêntures incentivadas como outro possível refúgio.

As debêntures incentivadas são fundos pelos quais as empresas podem obter recursos de investimentos para financiar projetos de infraestrutura. O negócio desperta interesse no mercado desde abril, quando o governo anunciou garantias financeiras do Estado para bancar eventuais prejuízos aos investidores.

Nesse caso, o governo quer atrair investidores para impulsionar obras feitas por meio das parcerias público-privadas, as PPPs. Além de oferecer a segurança do Tesouro, o governo dá isenção de Imposto de Renda.

O Congresso, aliás, está prestes a instituir as “debêntures de infraestrutura”, por meio do PL 2.646/2020, com um novo regime tributário para estimular esses investimentos.

Nesse caso, o benefício não é a isenção do Imposto de Renda ao investidor, mas à empresa que emite a debênture, o que deve permitir juros mais atraentes e remuneração melhor. O movimento é destinado justamente àqueles que já têm a isenção do IR em outro fundo e procuram novos estímulos.

“O investidor que já queria sair do fundo exclusivo a 15% agora vai poder pular fora a 8%”, analisa Deccache.

Os especialistas apontam, porém, que há travas ao aproveitar os 8% para “pular fora”, afinal, os fundos fechados não permitem o resgate imediato. Será necessário, portanto, aguardar a duração do fundo acabar. Os mais beneficiados, portanto, devem ser aqueles que estão próximos de resgatar os seus investimentos.

Segundo o Artigo 29, não estarão sujeitos à tributação semestral aqueles fundos que tiverem “extinção e liquidação improrrogável até 30 de novembro de 2024”. O dispositivo, contudo, não prevê limitação para que investidores prestes a resgatar seus investimentos paguem 8%.

“Os fundos que não tiverem problemas de liquidez têm a opção de antecipar o pagamento dos valores devidos com desconto”, diz o relatório sobre o projeto no Senado.

Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Atingidos podem entrar na Justiça

A possibilidade de judicialização divide especialistas. Alguns apontam tendência de baixa, outros de alta, em relação à procura da Justiça a partir das novas regras.

Defensores do projeto usam o tema para justificar a oferta dos 8%. Para consultores ouvidos pela reportagem, é necessário dar esse desconto para evitar que super-ricos recorram à Justiça e tentem fugir da taxação.

A proposta inicial do governo era taxar o estoque em 10%, ao lançar a Medida Provisória 1.184/2023, mas a Câmara baixou para 6%, e a negociação se encerrou em 8%.

Uma tentativa de taxar o estoque sem o desconto já ocorreu durante o governo de Michel Temer (MDB), com a Medida Provisória 806/2017, mas a possibilidade de judicialização teria feito a ideia fracassar.

A taxação do estoque, que funciona como uma antecipação da taxação do resgate, é problemática porque gera uma discussão sobre a aplicação de novos impostos de forma retroativa.

O argumento é baseado em um dispositivo do Artigo 150 da Constituição Federal que veda a possibilidade de “cobrar tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado”.

Segundo essa tese, o investidor está contando com uma garantia ao fazer as suas aplicações iniciais. Portanto, não poderia ser surpreendido no meio do caminho com uma nova forma de pagar impostos.

Apesar de o governo dizer que o “prêmio” vai amenizar a judicialização, o tributarista Fábio Lunardini, da Peixoto & Cury Advogados, afirma que muitos investidores devem recorrer a processos para não pagar nenhum imposto sobre o estoque neste momento.

Para esses investidores, pode não ser interessante ter esse desembolso agora, avalia o especialista.

“Vários contribuintes podem e vão entrar na Justiça para não pagar nem os 15%, nem os 8%, para pagar no fim dos tempos”, estima o advogado.

“Eu diria que é uma boa tese, porque estão querendo aplicar uma regra para um rendimento sujeito a outra regra”, avalia Lunardini.

João Pedro Volz, diretor de operações do Saint Joseph International Group, também diz acreditar que, enquanto alguns vão pagar 8% com “sorriso no rosto”, outros vão preferir “empurrar com a barriga”.

O consultor reforça, no entanto, que o pagamento de um imposto menor não faz o dinheiro “evaporar” do mercado, porque a tendência deve ser a reaplicação desses investimentos.

“Obviamente, uma redução forte do imposto atrai, mas outros não querem nem pensar. Depende muito do estoque da pessoa. É difícil saber”, pondera. “Eu resgataria a 8% e reaplicaria o dinheiro.”

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Foto: Pedro França/Agência Senado

Relator no Senado mantém condições

De acordo com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o projeto deve ser votado pelos senadores no plenário na próxima terça-feira 28.

Na última quarta-feira 22, a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado aprovou o texto, com a adição de uma emenda. Caso haja alterações, a matéria volta à Câmara.

O relator Alessandro Vieira praticamente não fez mudanças nas regras que vieram da Câmara.

Ao comentar sobre a benesse na taxação do estoque, o senador escreveu no parecer que “o desconto proporcionado pela antecipação do pagamento do tributo foi fruto de intenso debate político durante a tramitação na Câmara dos Deputados, logrando um equilíbrio entre o fisco e os contribuintes”.

CartaCapital procurou o relator no Senado, mas ele preferiu não se manifestar.

Quando a votação foi concluída na Câmara, o relator Pedro Paulo afirmou em coletiva de imprensa que “as medidas trazem justiça entre aqueles que pagam o tributo, como grande parte dos investidores do Brasil, e aqueles que tinham esse benefício de diferir eternamente o imposto que os demais pagavam”.

Em relação à taxação do estoque, o deputado enalteceu a negociação que fez aumentar a taxação de 6% para 8% na Câmara, embora a proposta inicial do governo tenha sido de 10%.

O deputado sustentou que a alíquota de 8% “mantém o incentivo desses investidores de atualizar o seu patrimônio, por ser um desconto muito expressivo”.

“Isso foi estrategicamente colocado para que se tivesse um movimento grande de atualização”, argumentou.

Na ocasião, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), salientou que a aprovação do texto representou “uma grande vitória”.

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